quinta-feira, fevereiro 25, 2016

Produção de machos estéreis do Aedes aegypti deve começar em setembro em Juazeiro (BA)

Moscamed, situada em Juazeiro (BA), escolhida pela agência de energia nuclear das Nações Unidas, é a biofábrica primeira do mundo a utilizar tecnologia de raios-x para esterilização de insetos e controle biológico de pragas (Fotos: Roberto Stuckert Filho/PR)

Em meio ao cenário de epidemia do vírus Zika na América Latina e no Caribe, a Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea) anunciou esta semana que vai transferir ao Brasil a tecnologia necessária para esterilizar machos do mosquito Aedes aegypti em uma tentativa de controle populacional do vetor na região.

O equipamento será enviado para a biofábrica Moscamed Brasil, localizada na cidade de Juazeiro, região norte da Bahia. A instituição foi escolhida pela própria agência de energia nuclear das Nações Unidas e é a primeira biofábrica do mundo a utilizar a tecnologia de raios-x para esterilização de insetos e controle biológico de pragas.

Em entrevista à Agência Brasil, o doutor em radioentomologia pelo Centro de Energia Nuclear Aplicada à Agricultura da Universidade de São Paulo (USP) e diretor-presidente da Moscamed, Jair Virgínio, explicou que a chegada de um irradiador gama de cobalto-60 vai permitir à biofábrica a produção de até 12 milhões de machos estéreis do Aedes aegypti por semana.

Uma vez superados os procedimentos de desembaraço para a entrada do aparelho no país, sobretudo no que diz respeito às normas técnicas para equipamentos nucleares, a expectativa é que a produção em larga escala de machos estéreis seja iniciada até setembro. Já a liberação dos mosquitos está prevista para começar até o final do ano – inicialmente, em municípios com até 30 mil habitantes.

Segundo ele, a técnica a ser usada se assemelha a uma espécie de controle de natalidade do mosquito.

"É sempre bom lembrar que o macho não pica as pessoas. Ele se alimenta de substâncias açucaradas, como néctar e seiva. É a fêmea quem precisa de sangue para maturar os ovos e colocá-los. E a fêmea do Aedes copula uma única vez na vida", explica Jair Virgínio.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista com o especialista:

Agência Brasil: O Brasil tem o conhecimento necessário para utilizar esse tipo de tecnologia?

Jair Virgínio:
Na biofábrica de Juazeiro, já temos um aparelho irradiador de raios-x que também foi doação da Agência Internacional de Energia Atômica. O processo com o irradiador gama de cobalto-60 é o mesmo. O que muda é a escala de produção, já que o irradiador de raio-x é um equipamento menor, sem capacidade para a produção necessária no combate à população de Aedes aegypti. Desde 2005, utilizamos a técnica de esterilização de insetos para controle de praga, sobretudo em moscas-das-frutas.

Agência Brasil: Como será feita a liberação dos machos estéreis do Aedes?

Jair Virgínio:
O processo de soltura desses mosquitos ainda está sendo discutido. Há a possibilidade de fazermos a liberação em ambiente de forma terrestre e também de forma aérea. A primeira consiste na simples abertura de recipientes que contenham os insetos. Imagine da seguinte forma: dentro de um carro, o responsável vai abrindo uma espécie de Tupperware® [vasilha plástica com tampa] e liberando o mosquito, já adulto e estéril. A segunda estratégia consiste na utilização de helicópteros e drones para auxiliar na soltura.

Agência Brasil: Uma vez soltos, como esses machos estéreis interferem no ambiente?

Jair Virgínio:
A liberação desses mosquitos é semanal, sendo que, a cada sete dias, liberamos exatamente a mesma quantidade. Vamos usar como exemplo a proporção de dez machos estéreis para cada macho selvagem. Estamos promovendo uma concorrência desleal, fazendo com que a probabilidade de cruzamento com um macho estéril seja dez vezes maior que com um macho selvagem. Na semana seguinte, a mesma quantidade de insetos é liberada. A concorrência, agora, será de 20 para um. Desta forma, a possibilidade de acasalamento entre um macho selvagem e uma fêmea selvagem vai diminuindo em escala exponencial. Em cinco gerações, não havendo novas infestações, atingiríamos zero população selvagem naquela localidade.

Agência Brasil: O macho, mesmo estéril, não representa perigo à população?

Jair Virgínio:
É sempre bom lembrar que o macho não pica as pessoas. Ele se alimenta de substâncias açucaradas, como néctar e seiva. É a fêmea quem precisa de sangue para maturar os ovos e colocá-los. E a fêmea do Aedes copula uma única vez na vida. A técnica que vamos utilizar se assemelha a uma espécie de controle de natalidade do mosquito. Funciona assim: vamos produzir, em laboratório, machos estéreis. Em seguida, vamos liberar esses insetos, que vão procurar fêmeas selvagens para acasalar. Os ovos que resultam dessa cópula, entretanto, não conseguem eclodir e se tornam inviáveis. Eles não chegam sequer a virar larvas.

Agência Brasil: Como será feita a seleção de municípios que vão receber esses machos estéreis?

Jair Virgínio:
Esse processo ainda está em discussão. O Ministério da Saúde deve definir prioridades, levando em consideração características como população, relevo e disponibilidade de recursos. Bahia e Pernambuco, por exemplo, já fizeram um levantamento de cidades com surto de dengue, Zika e febre chikungunya. A ideia é trabalhar com municípios de até 30 mil habitantes para que a gente tenha maior controle e monitoramento. O processo é mais complexo em grandes áreas. À medida que conseguirmos sucesso, vamos avançando para cidades maiores.

Agência Brasil: Uma única biofábrica dará conta de conter a infestação de Aedes no Brasil?

Jair Virgínio:
Não. Precisaríamos de muitas outras biofábricas para atender todo o país. Mas vale lembrar que estamos falando de tecnologias inovadoras e que precisam ser colocadas em escala para serem melhor analisadas. Algumas cidades, por questões de relevo, tamanho e condição demográfica, por exemplo, não teriam êxito com esse tipo de técnica. É preciso checar onde os machos estéreis devem ser liberados e onde eles não devem ser liberados. Só quem vai dizer isso para a gente é a experiência com esse programa.

Agência Brasil

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