Hoje, o dia amanheceu com cheiro de terra molhada e saudade boa. Daquelas que a gente sente quando conversa com alguém que carrega no peito um pedaço inteiro do Nordeste. Foi assim que me senti ao bater um papo com meu confrade da ABRAES, Ivan Ferraz – esse cabra arretado nascido em Floresta, sertão de Pernambuco, mas com alma espalhada pelos cantos do Brasil onde o forró ainda pulsa forte.
Mesmo vivendo há décadas em Recife, é em Floresta que ele se ancora quando quer reencontrar as raízes. Porque ali, diante do coreto da praça, um dia, menino ainda, viu Luiz Gonzaga pela primeira vez. E como quem é tocado por uma bênção, aquele encontro selou um destino: a vida de Ivan Ferraz seria dedicada a guardar, preservar e espalhar a cultura nordestina como quem espalha sementes num roçado de futuro.
E que lavoura bonita ele construiu! No rádio, na televisão, nas casas de show, em cada microfone que empunhou, havia um compromisso com a sanfona, com a poesia dos repentistas, com o lamento alegre do xote e a vibração quente do baião. Ivan não foi apenas um comunicador — ele virou ponte entre gerações. Levou ao povo os mestres como Dominguinhos, Marinês, Jackson do Pandeiro, Genival Lacerda, e abriu espaço para os novos forrozeiros que continuam a ecoar o som da terra.
Sua trajetória é um cordel comprido, daqueles que não cabem em uma parede só. Na Rozemblit, conheceu os grandes da música pernambucana, gravou seu próprio xote, “Riqueza do Sertão”, e plantou ali a certeza de que o sertão é mesmo um celeiro de talento e resistência. Depois veio “O Forró de Ivan” e, mais adiante, o emblemático “Forró, Verso e Viola” — programa que virou altar para os sons e versos do Nordeste, onde a cultura popular encontra voz e respeito.
Ivan Ferraz não fala apenas sobre cultura; ele a vive. Em 1987, no palco de Serra Talhada, cantando com Luiz Gonzaga em homenagem a Zé Marcolino, recebeu, das mãos do próprio Rei do Baião, o reconhecimento por sua luta. A emoção daquele momento ainda pulsa em sua voz quando me contou — e pulsou também no meu peito, como se eu tivesse estado lá.
Hoje, Ivan Ferraz segue firme, todos os dias, das 16h às 18h, na Rádio Universitária, celebrando a alma nordestina com quem quiser escutar — e quem escuta, nunca esquece. Porque quando ele fala, canta ou entrevista, é como se estivesse acendendo uma fogueira junina no coração da gente.
Conhecer sua história mais de perto é como abrir um baú de memórias vivas. E saber que ele é meu confrade na ABRAES é mais que orgulho — é honra. Porque Ivan Ferraz não é apenas um homem da comunicação. Ele é um capítulo inteiro da nossa cultura. E desses que merecem ser lidos em voz alta, com sanfona ao fundo, em noite de lua cheia.
— Gilmar Teixeira
Confrade de Ivan Ferraz, na ABRAES – Academia Brasileira de
Estudos do Sertão Nordestino.