sexta-feira, junho 17, 2016

Norte de Minas: Sem saneamento, rio São Francisco pode ser invadido por mexilhão-dourado

Na Bacia do Rio Grande, a população de molusco já chegou a 150 mil organismos por m². "Não estamos falando de um processo de anos, mas de algo rápido, pois em três meses essa população pode entupir toda uma tubulação", alertou analista ambiental da Cemig.

Sem uma política pública de recursos hídricos, investimento em saneamento básico e conscientização de segmentos como os pescadores, não haverá como evitar a presença de mexilhão-dourado na bacia do Rio São Francisco em Minas Gerais. Foi o que advertiram, nesta quinta-feira (16/6/16), pesquisadores e gestores convidados para audiência na Comissão de Minas e Energia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Mexilhão-dourado ameaça rio no Norte de Minas

Molusco originário da Ásia, o mexilhão-dourado é conhecido por causar sérios prejuízos à flora e à fauna e a empreendimentos de captação de água e geração de energia por sua capacidade de obstruir tubulações.

Uma das grandes preocupações manifestadas por participantes da audiência foi com a possibilidade de que o molusco chegue a regiões mais carentes do Estado e de condições mais precárias de vida ao longo do São Francisco, como o Norte de Minas, o que dificultaria ainda mais o seu controle, sobretudo diante da precariedade do saneamento básico.

Segundo a analista ambiental do Intituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), Regina Márcia Pimenta de Mello, estudos já confirmaram a correlação entre a água de pior qualidade e a maior propensão à presença do molusco, o que no seu entendimento também mostra que ações de prevenção que passem pelo saneamento básico são essenciais para evitar esta invasão.

Nordeste - Conforme alertaram vários participantes, o risco de que o molusco invada o Estado pelo São Francisco ficou mais forte com a confirmação, em outubro do ano passado, da presença do mexilhão-dourado na Região Nordeste, na divisa entre Bahia e Pernambuco, no reservatório de Sobradinho e no canal de transposição do Rio São Francisco.

“E como não se tem métodos definitivos para a erradicação do molusco uma vez detectado, isso torna mais importante ainda a discussão com todos os envolvidos para o alinhamento de ações, sobretudo preventivas”, frisou a diretora de proteção à fauna do Instituto Estadual de Florestas (IEF), Sônia Cordebelle, para quem o assunto é de grande complexidade tanto em função dos prejuízos causados a várias atividades econômicas como pela dificuldade de controle.

O pesquisador do Centro de Bioengenharia de Espécies Invasoras de Hidrelétricas (Cbeih), Newton Barbosa, endossou a importância do saneamento ao informar que, uma vez vivendo fora de seu habitat original, o mexilhão-dourado impressiona pela velocidade incrível com que consegue filtrar a água suja ou de alto teor de matéria orgânica para se alimentar.

Municípios sob risco não se mobilizam por esgoto tratado

Diante dessa capacidade do molusco de filtrar a água para se alimentar, dados trazidos pelo vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Wagner Soares Costa, comprovaram que a situação em muitos municípios mineiros pode vir a comprometer seriamente o controle do mexilhão-dourado.

Após lembrar que a carga orgânica lançada no Rio São Francisco é hoje uma das grandes preocupações do comitê, Wagner classificou como “assustador” o baixo resultado de edital aberto pelo CBHSF para financiar planos municipais de saneamento junto aos 680 municípios abarcados pela bacia do São Francisco. Do primeiro edital, no ano passado, participaram 25 municípios; do segundo, no mês passado, somente 18.

Uma boa adesão, frisou Wagner, teria sido um passo importante para a qualidade da água nesse cenário de riscos, defendeu ele, para quem outra frente de ação deve atuar para garantir o que definiu como conectividade entre as diversas pesquisas sobre o mexilhão-dourado existentes no País, segundo ele feitas sem qualquer integração ou ao menos conhecimento umas das outras.

Por sua vez, o gerente da Divisão de Licenciamento da Copasa, Paulo Emílio Guimarães Filho, afirmou que o mexilhão-dourado não foi detectado ainda nos 79 municípios atendidos pela concessionária na área de influência da Bacia do Sâo Francisco. Contudo, ele admitiu que em apenas seis desses municípios a concessionária capta água diretamente na calha do São Francisco. "Mas isso não impede que estejamos atentos", disse.

Seriedade - Já o representante do Conselho Regional de Biologia em Minas Gerais, Tales Viana, cobrou que o Estado trate do assunto com mais empenho e seriedade, inclusive por meio de mecanismos legais. “Falamos de água aqui, mas estamos brincando com fogo. É preciso uma política de recursos hídricos e formas que obriguem, por exemplo, a ligação das residências à rede de tratamento de esgoto onde houver”, insistiu Tales.

O biólogo chamou a atenção, também, para a importância da conscientização de pescadores amadores e profissionais. Isto porque o molusco, que se adere a praticamente qualquer substrato sólido, inclusive vidros, PET e teflon, pode se incrustar em cascos de barcos e em tanques-rede usados na psicultura, o que contribuiu para sua disseminação.

Pesquisador quer ampliar programa DRRI

Mesmo apontando um cenário também preocupante, Fabiano Alcísio e Silva, também pesquisador do Cbeih, afirmou que Minas é Estado referência em pesquisas sobre o molusco, participando de fóruns internacionais e mantendo relações estreitas com grupos de pesquisas de países como Estados Unidos e Argentina.

Entre propostas de ações para lidar com o mexilhão-dourado, ele destacou o Programa de Detecção Rápida e Resposta Imediata (DRRI), que vem sendo adotado em usinas da Cemig. A concessionária é parceira do Cbeih e colaborou para sua fundação. O DRRI, explicou, é baseado em programa norte-amerciano responsável pelo combate a espécies invasoras nos EUA.

Combina coletas de amostras e testes laboratoriais de ponta, para detecção do molusco, com ações de identificação de riscos, para envio de equipes de monitoramento permanente, e ainda de implantação de barreiras físicas e de educação ambiental. Segundo Fabiano, por meio de um site colaborativo do programa é possível atualizar dados e comunicar alertas e suspeitas de forma rápida.

Destacando que o programa já foi implantado com sucesso em algumas usinas da Cemig, Fabiano defendeu sua ampliação para outras frentes, em conjunto com os demais órgãos. “Apesar da crise econômica, a hora de agir é agora”, manifestou o pesquisador, para quem uma ação piloto do programa no São Francisco poderia evitar que o molusco chegue ao Norte de Minas e afete ainda a Usina de Três Marias.

Cemig - Analista ambiental da Cemig, Marcela David Carvalho, acrescentou que a Cemig concentra suas ações de controle em casas de máquinas de usinas hidreléticas da Bacia do Rio Grande, onde a população de molusco em trecho monitorado já chegou a 150 mil organismos por metro quadrado. "Não estamos falando de um processo de anos, mas de algo rápido, pois em três meses essa população pode entupir toda uma tubulação", alertou.

Marcela defendeu, ainda, avanços em pesquisas de tratamentos alternativos, entre eles os que usam produtos químicos, sem prejuízos a atividades como a psicultura. Segundo frisou, já é possível usar um produto já liberado, mas para uso somente emergencial. Outros ainda permanecem sob análise do Ibama em conjunto com a Anvisa.

Deputado defende grupo de trabalho

Para o presidente da comissão e autor do requerimento da audiência, deputado Gil Pereira (PP), as informações apresentadas comprovam que investimentos em saneamento básico são fundamentais para prevenir a invasão do molusco, assim como o trabalho em rede apontado como necessário por todos os convidados. “O molusco, chegando ao São Francisco, uma bacia importante para Minas e o País, significa um desastre maior para sistemas industriais e hidroelétricas que dependem do São Francisco”, afirmou.

Gil Pereira adiantou que vai sugerir, por meio de requerimento, a formação de um grupo de trabalho pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, junto com órgãos como Ibama, IEF, Igam, Cemig, Copasa, Codevasf, Sociedade Mineira dos Engenheiros e Conselho Regional de Biologia e Comitês de Bacias. O objetivo, explicou, é unir ações e estudos sobre o assunto.

O presidente da comissão sugeriu, ainda, que o IEF implemente um programa de educação ambiental voltado para pescadores e que o Instituto Mineiro da Agricultura (IMA) atue na mesma direção junto ao segmento de agricultores e irrigadores.

Clique>Consulte o resultado da reunião.

ALMG

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