terça-feira, setembro 04, 2018

“Brasil não olha suficientemente para o passado”, afirma historiadora francesa


Museu do Amanhã, inaugurado em 2015, é a prova de que o mito do “país do futuro” ainda persiste na mentalidade brasileira (Foto: Vou Viajando)

O Brasil pode ter perdido nesta segunda-feira (3) obras importantes e insubstituíveis com o incêndio no Museu Nacional do Rio de Janeiro. Além de arquivos que contavam a história brasileira, havia peças que contribuíam para a recapitulação do passado da humanidade, como o fóssil de Luzia, crânio humano mais antigo das Américas. Em entrevista à RFI, a historiadora do Instituto de Altos Estudos da América Latina de Paris, Juliette Dumont, afirma que falta ao país uma consciência da importância da preservação do patrimônio.

“Foi uma tragédia anunciada”, afirma Juliette Dumont, que também é presidente da Associação para a Pesquisa sobre o Brasil na Europa. Sua voz se junta a de tantos outros na denúncia de uma ausência de investimentos na área da cultura e da educação, deixando as instituições em péssimas condições de infraestrutura.

A observação de dois museus no Rio de Janeiro permite a revelação de duas faces do Brasil, para a pesquisadora. O primeiro deles, o Museu Nacional, é o símbolo por excelência da riqueza patrimonial, do “lugar de memória”, como dizia o historiador francês Pierre Nora. “É também a primeira instituição científica fundada no Brasil”, lembra.

O segundo, o Museu do Amanhã, inaugurado em 2015, é a prova de que o mito do “país do futuro” ainda persiste na mentalidade brasileira – fazendo com que, enquanto o passado se torna cinzas, o presente seja a espera infinita por dias melhores. “Até 2015, o Museu Nacional tinha uma verba de 500.000 reais por ano, o que é ridículo para uma instituição desse tamanho e sobretudo se comparado com a do Museu do Amanhã, que foi criado sem acervo. Não se olha suficientemente para o passado no Brasil. Um país que não cuida de seu passado não pode ter um futuro feliz.”

Negligência com a história

A historiadora francesa Juliette Dumont acredita que mito do "país do futuro" impede Brasil de observar seu passado (Arquivo pessoal)

“Meus colegas estão todos publicando testemunhos nas redes sociais, de várias partes do Brasil, relatando que os museus estão caindo aos pedaços. Tem um discurso político de negligência com historiadores. Para mim, cultura e educação são essenciais e isso é só mais um sinal de que a democracia brasileira não está bem”, afirma a historiadora. “Espero que essa seja a ocasião dos candidatos à presidência falarem do programa para a cultura e a educação, o que por enquanto não foi feito. Enquanto isso, o diretor da Capes já alertou que, a partir de 2019, as bolsas para a pós-graduação não serão pagas.”

Para Juliette, o incêndio foi resultado da união entre a falta de políticas contínuas para a preservação do patrimônio histórico e o congelamento de verbas para a cultura e para a educação. “O Brasil tem arquivos magníficos, como o do Itamaraty, no Rio de Janeiro, mas é somente por causa de funcionários muito dedicados que isso ainda funciona. Não é nem por vontade política, nem por uma consciência da sociedade brasileira sobre o valor da cultura, da história, do patrimônio”, explica.

Resta agora, de acordo com a historiadora, que ações de solidariedade ajudem a recuperar o máximo possível de memória, como tem sido feito pelos estudantes da Unirio, que pediram nas redes sociais fotos dos arquivos do Museu. Ainda não se sabe o quanto foi perdido, mas as estimativas não são boas. Juliette Dumont espera que o acidente sirva de lição para que o país não abandone mais a cultura, a história e a educação.

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