quarta-feira, março 08, 2023

DIA INTERNACIONAL DA MULHER... QUE SEJA TODOS OS DIAS - Por Manoel Gabriel Neto

 (No Brasil, a cada duas horas uma mulher tem sua vida ceifada; em 2018, estatística macabra, foram 4.800 feminicídios).

Peço vênia, sem querer ser impertinente, para um intróito, sinto, logo existo, a vida é de encantos e encontros, apesar de tantos desencantos e desencontros, permeando as relações entre homens e mulheres, já em tempos imemoriais, no trespassar da sociedade matriarcal, acolhedora, solidaria e pacificadora, para a sociedade patriarcal, indubitável, uma abrupta ruptura de paradigmas, com predominância na violência, igolatria, anti-solidariedade, da guerra de todos contra todos, por fim, o tutela da mulher pela força.

De consignar que se perde na noite dos tempos, o marco da divisão sexual do trabalho, com a submissão da mulher, uma vez que os chefes tribais em constantes guerras, para expandirem seus territórios necessitavam de mais guerreiros, impondo as belas fêmeas as restritas atividades, cozinha e cama para procriação de combatentes. 

O ex-Frei Leonardo Boff em inenarrável obra literária(Saber cuidar: ético do humano – compaixão pela terra. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999), em benfazejo repositório, faz um bosquejo referente as transformações ocorridas nas relações humanas, no perpassar da era paleolítica a neolítica, perlustremos, 

No paleolítico esta percepção de que somos Terra constituiu a experiência-matriz da humanidade. Ela produziu uma espiritualidade e uma política.

Primeiro uma espiritualidade: a começar pela África, há alguns milhares de anos, especialmente a partir do Saara, quando era ainda uma terra verde, rica e fértil, passando por toda a bacia do Mediterrâneo, pela Índia e pela China, predominavam as divindades femininas, a Grande Mãe negra e a Mãe-rainha. A espiritualidade era de uma profunda união cósmica e de uma conexão orgânica com todos os elementos como expressões do Todo.

Ao lado desta espiritualidade surgiu, em segundo lugar, uma política; as instituições matriarcais. As mulheres formavam os eixos organizadores da sociedade e da cultura. Surgiram sociedades sacrais, perpassadas de reverência, de enternecimento e de proteção à vida. p. 77/78.

A partir do neolítico começaram a predominar os valores do masculino, fundando uma nova política. Os homens assumiram a hegemonia da sociedade. Instauraram o patriarcado com o submetimento da mulher e a dominação sobre a natureza. A perda da re-ligação de tudo com tudo é fruto da cultura patriarcal que não integrou as contribuições anteriores do matriarcado. Ela subjaz nas nossas principais instituições políticas e religiosas atuais, grifos não constantes no original. p. 81.

O modo-se-ser-cuidado revela a dimensão do feminino no homem e na mulher. O feminino esteve sempre na história. Mas no paleolítico ganhou visibilidade histórica quando as culturas era matrifocais e vivia-se uma fusão com a natureza. As pessoas sentiam-se incorporadas no todo. Eram sociedades marcadas pelo profundo sentido sagrado do universo e pela reverência face à misteriosidade da vida  e da terra. p.96/97. 

O advogado José Roberto de Castro Neves, em profícua obra “A Invenção do Direito” - 1. ed. Rio de Janeiro: Edições de janeiro. 2015. P. 207. - , através da dramaturgia grega, precisamente  431 a.c. apresenta  a preocupante situação da mulher, naquela sociedade machista, vejamos,

“Também em Medeia, Euripedes denuncia, para a machista Atenas de sua época, que  de  todos os seres que sobre a terra morrem e brotam, o mais sofredor é a mulher.” 

Na seqüência do dito processo pré-civilizatório, exsurge a poliandria, a mulher sequer tinha o poder de escolher, o básico, seu parceiro(Engels, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado), era realidade palmar do abissal fosso de paridade entre os sexos; também de fácil percepção na fase pré-contratual hobbesiana, com o homem solitário, violento, ególatra, impregnado de individualismo, permeava as relações, descambando ao extremo da “guerra de todos contra todos”, num contraponto ao bom selvagem de Rousseau.

Em Casa Grande e Senzala do saudoso Gilberto Freyre, os meios de produção da monocultura escravocrata, delineavam as relações do sistema patriarcal machista preconceituoso, com as atividades das mulheres resumindo-se procriar e  fazeres domésticos. 

Há que se registrar as lutas históricas pela emancipação da mulher, o direito ao voto e trabalho digno, origens do dia Internacional da Mulher, com a passeata de 15 mil mulheres norte-americanas(1913), na Rússia(1917), indo as ruas contra a fome e a guerra, o pontapé inicial da Revolução bolchevique.

No Brasil, existe reivindicação do trágico acidente na fabrica de blusas Triangle nos Estados Unidos da América, com chamas iluminando as trevas de uma noite de terror, um grande incêndio ceifou a vida de 125 mulheres.

Com fim da trágica 2ª Guerra Mundial, exsurgiu a luta pela descolonização das nações do terceiro mundo, com o movimento pela libertação, as mulheres tiveram oportunidade de participarem proativamente, reivindicando seus direitos, sendo vanguarda a filosofa e escritora Simone de Beauvoir, com a profícua obra “ O Segundo Sexo”.

O ápice da quebra dos grilhões, ocorrera com o surgimento do contraceptivo entrelaçado pelo movimento da contracultura dos anos 60, desvinculando-a da função procriativa, jungidos a luta pelos direitos civis nos Estados unidos da America, reboou o grito de liberdade com mais firmeza contra o subjugar das mulheres.

Indubitável, que da vez primeira, a revolução industrial alargou o campo de labor para as mulheres, além do doméstico, mas punindo-as com árdua dupla jornadas.

Sem dúvida, que o divisor d”águas, foi a revolução tecnológica, da microeletrônica, cibernética, comunicação por satélites, velocidade dos transportes, expansão das redes de informações pela internet, em fim, a revolução tecnológica, deu condições as mulheres de libertar-se do jugo patriarcal.

Saindo da força dos bíceps, para a conexão neuronal, na captura das informações, interpretando o mundo e remodelando-o à sua maneira de pensar e agir, mitigou sua dependência, pois, hodierno o poder fica ao alcance do simples apertar de um mouse de computador. 

De outro giro, às vezes, irracionalmente irrompe em viés de violências intrafamiliar, causa indubitável do dogma da cultura patriarcal machista, no atento observa da filosofa, MARCIA TIBURI(FEMINISMO EM COMUM. RJ. ED. Rosas dos Tempos. 2018.45 e 96)

“O patriarcado se constitui por uma equação, de um lado ficam os homens e o poder, de outro, as mulheres e a violência.”

“O machismo se sustentou no mando, na autoridade e no autoritarismo.”

É de se ver, sem destoar, os belíssimos ensinamentos da notável doutrinadora,  MARIA BERENICE DIAS(A LEI MARIA DA PENHA NA JUSTIÇA. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. P.107)

“Ninguém duvida que a violência doméstica tenha causas culturais, decorrentes de uma sociedade que sempre proclamou a superioridade masculina, assegurando ao homem o direito correcional sobre a mulher e os filhos”.

Por fim, o legislador pátrio, não é um néscio, acompanhando a evolução das transformações das relações sociais, culturais, sexuais, e dos direitos dos homens, esculpiu na Magna Carta de 1988, o artigos 5.º caput e 226 § 5.º “Os direitos  e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.

A par disso, em diapasão, o legislador infraconstitucional, depois de muitas omissões, num lampejo de consciência cultural, saiu da hibernação ociosa, antenado, promulgou a seminal Lei 11.340/06 (Maria da Penha), mas que exige efetividade, evitando que fique apenas como peça decorativa de um “Museu de Grandes Novidades.”

Na constante evolução das normas protéticas inclusas em nosso ordenamento jurídico, escudo contra a violência de gênero, ódio ao feminino, foram promulgadas:(i) Lei 13.718/18(importunação sexual, artigos, 215-A do CPB); (ii)Lei 14.132/21(crime de perseguição incessante ou stalkin;, artigo, 147-A do CPB);(iii)Lei 14.188/21(crime de ordem psicológica; define o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a violência doméstica; artigo 129 § 3º c/c 147-B do CPB;(iv)Lei 14.192/21(combate a violência política contra a mulher; artigos 243,323,326-B e 327 do Código Eleitoral).

O uso da força e truculência, método de dominação machista patriarcal, pulsações dos instintos atávicos nas primevas sociedades, dogma das relações instáveis da humanidade, basta em ínfimo segundo, simples abalo sísmico, para fraturar a fina camada protetora que nos separa do mundo cão, e submergirmos na barbárie sexista, do estereotipo da mulher objeto, um prêmio em disputa entre os machos.

Sobre o binômio confiança/segurança nos relacionamentos, o saudoso sociólogo Bayman, exorta, “Quando a insegurança sobe a bordo, perde-se a confiança, a ponderação e a estabilidade da navegação. À deriva, a frágil balsa do relacionamento oscila entre as duas rochas nas quais muitas parcerias esbarram: a submissão e o poder absolutos, a aceitação humilde e a conquista arrogante, destruindo a própria autonomia e sufocando o do parceiro.” (Amor Líquido, Zigmunt Bauman. P. 31.)

No dia a dia, no imaginário machista, mormente em lugares públicos, mulher desacompanhada está à disposição, diáfana demonstração atávica do retorno a vetusta sociedade endogâmica.

Sozinha em restaurante ou bares, é observada com um objeto de conquista, mas enquanto só, não existe estímulo, basta um macho se aproximar, para o despertar daqueles que a espreitavam. 

É de se ver a exacerbação simbólico do erotismo-sensual arraigada na mulher objeto, fazedor do imaginário machista, também explorado pela mídia, propagadora da venda de desejos, mormente na festa dionisíaca o Carnaval, uma grande rede TV exibe uma mulata seminua, “Globeleza”, indaga-se por que não “Globelezo”, um mulato seminu sambando.

A par disso, é revelador a marca de uma cerveja “devassa”, e não “devasso”, a justificar o arquétipo da mulher objeto, o fetichismo da erotização do corpo em detrimento dos valores intrísecos da dignidade do ser mulher.

No mercado de vestuário feminino, são fixados em vitrines, sempre com decotes sensuais expondo parte do corpo; de outro giro, o vestuário masculino, são roupas comportadas e confortáveis.

“Não nasce mulher, torna-se mulher” exortava a filósofa francesa Simone Beauvoir, diante de um mundo construído pelo homem, a mulher tem que refazê-lo, enfrentando as barreiras de coerções, ícones, símbolos e tabus.

Para instigar o debate, a filósofa e escritora criticava esse mundo fragmentado, ambivalente, ausência de unicidade no mundo feminino, o preto descobriu seu opressor, o amarelo Vietcon, o operário, menos a mulher, ainda não  descobriu seu opressor.

O feminismo sem uma educação libertadora, torna-se maniqueísta, numa inversão de pólos, o oprimido de hoje transmude em opressor do amanhã. 

Ademais, importa sim, uma interação com os excluídos da partilha dos bens da vida, mormente, Justiça. 

Não descuremos, repiso, que o empoderamento - distribuir poder a quem tem pouco poder – esteja alinhado com o comungar do conceito freiriano – Paulo Freire – de libertação, uma vez que, o sonho do oprimido é transmudar-se em opressor.

Quase sempre, sem perceber, a cultura da virilidade masculina apresenta-se em forma de disfarce machista, dogmas do patriarcado arraigado na cultura dos trópicos, uma vez que a Madame Bovary, usa e abusa de tailleurs Chanel, Versace, bolsas Louis Vuitton, porém, paga misero salário a sua empregada doméstica.

O psicanalista Flávio Gicovake, em grandiosa obra, Homem: O Sexo Frágil?, trata do inato poder de atração feminino, num contraponto ao inferior e dependente  poder erótico visual masculino.

Por derradeiro, em harmonia, outra obra do psicanalista citado, “Uma Nova Visão do Amor”, sobre o perscrutar nos atritos das relações entre homem e mulher e como mitiga-las, exorta pela mudança de paradigmas, onde os opostos se atraem, substitui-se o generoso+egoistas, por genoroso+generosos.

MGNeto.

OAB-PE n. 16.596.

*Atualmente o petrolandense Manoel Gabriel Neto mora em Belo Jardim/PE


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