segunda-feira, junho 08, 2015

Pernamburence ou Cearano? O drama das famílias retiradas do Sítio Malícia, em Salgueiro, pela Transposição

Famílias do Sítio Malícia, em Salgueiro-PE, foram transferidos para a cidade de Penaforte-CE, em reassentamento da Transposição (Fotos: Regina Lima/Ascom CBHSF) 

Por Ricardo Follador/Ascom CBHSF

Um imbróglio envolvendo o reassentamento de famílias pernambucanas por conta das obras de transposição do rio São Francisco vem gerando um grande impasse entre os estados de Pernambuco e Ceará. O problema: moradores do antigo Sítio Malícia, localizada no município de Salgueiro (PE), tiveram que abandonar o local em dezembro de 2014 por conta da construção de uma barragem, para serem automaticamente reassentados pelo Ministério da Integração Nacional em área do mesmo município. Mas, não se sabe por qual razão, as 20 famílias que integram o povoado acabaram transferidas para a vizinha cidade cearense de Penaforte.

A partir daí começaram os problemas para os reassentados. O aparente erro na localização dessa que passou a ser chamada de Vila Produtiva Rural Malícia acabou deixando os moradores sem acesso à saúde e à educação, além de estarem ameaçados de perder benefícios como Previdência Social, Bolsa Estiagem, além do Bolsa Família. Isso porque a nova localização do povoado vem gerando problemas administrativos para recebimento de verbas estaduais e federais. Apesar de ainda sob jurisdição de Pernambuco, a vila geograficamente pertence ao Ceará, que não tem como alocar recursos para um povoado que não é, regimentalmente, seu.

Ver mais fotos>Vila Malícia: de PE para o CE

O território para onde foi transferida a Vila Malícia abrange uma área total de 127 hectares, sendo aproximadamente 31 hectares localizados em área urbana do município cearense de Penaforte, onde foram construídas as novas residências para os reassentados. O restante do terreno, destinado ao setor produtivo, se localiza na área rural da vizinha Salgueiro, no território pernambucano. “Ou seja, as pessoas vivem no Ceará, mas as terras de trabalho estão em Pernambuco”, atesta um dos assentados.

Cada uma das famílias transferidas recebeu do Ministério da Integração Nacional, como compensação pela demolição das suas propriedades de origem, uma ajuda financeira mensal no valor de R$ 1.182, um terreno de 99 m² com uma casa de alvenaria e mais oito hectares para plantio de sequeiro (feijão, milho etc.). Fora isso, uma escola e um posto médico foram construídos na vila, para garantir educação e saúde para os moradores.

Passados seis meses da transferência da vila, a escola e o posto médico continuam fechados, pois nem a prefeitura de Salgueiro nem a de Penaforte garantiram o repasse de recursos para contratação e pagamento de professores e médicos. “A solução foi mandar as crianças estudar nas escolas da sede de um ou outro município, Salgueiro ou Penaforte, até que a situação se resolva”, diz Francisco Vieira dos Santos, apelidado de Franzin das Malícias, mostrando que os moradores da nova vila vivem ainda a incoerência de ter a sua conta de energia elétrica cobrada por Pernambuco e a água fornecida por carros-pipas do Ceará.

A confusão se estende à Associação dos Reassentados da Vila Malícia, que não sabe se pede o registro da entidade em Salgueiro ou Penaforte. Na dúvida, prefere continuar sem funcionar, como afirma a líder comunitária Luciana Santos Silva, 23 anos, eleita a primeira presidente da instituição. Ela acredita que o povoado só se tornará efetivamente produtivo no momento em que o conflito for resolvido. “Não queremos encontrar culpados. Gostamos muito daqui, e sair está fora de cogitação. Se for definido que pertencemos a Pernambuco, tudo bem; se vamos pertencer ao Ceará, tudo bem também! Aceitamos numa boa. Só queremos saber como isso vai se resolver”, diz.

O impasse já começa a interferir no dia a dia dos quase 75 moradores da nova Malícia. Um dos reassentados, Ademilton Ferreira Vital vive com sua esposa Francisca a preocupação com o atendimento médico para a filha, Larissa, de cinco anos, que nasceu com hidrocefalia. Por enquanto, eles contam com a assistência do serviço de saúde de Penaforte, mas ouviram falar que a prefeitura iria cortar o atendimento até que ficasse provado que a Vila Malícia pertence de fato ao Ceará. “Estamos receosos com essa situação”, diz Vital.

Outro morador, Orlando Vieira Santos, teme que a falta de atendimento médico por parte de Penaforte venha a prejudicar a comunidade. “Precisamos de uma solução. Saber de que lado estamos para, assim, buscar nossos direitos”.

O atual prefeito de Salgueiro, Marcondes Libório de Sá, acredita que cabe ao Ministério da Integração resolver o problema. “O MI forçou a transferência da vila antes de resolver este impasse territorial. Como os moradores queriam a todo custo se mudar, o MI resolveu realocá-los, com a promessa de ajeitar a situação depois, pensando de forma mais simplista possível. Agora, o problema está criado”, diz ele, confessando a impossibilidade de transferir recursos para uma localidade que, na realidade, pertence a outro estado da Federação.

O prefeito informa que outros problemas começarão a surgir por conta dessa indefinição territorial, principalmente com relação a auxílios do governo federal, a exemplo do Bolsa Estiagem, Garantia Safra, Bolsa Família, além da própria Previdência Social. “Eles terão os benefícios negados porque residem no Ceará, mas o setor produtivo está em Pernambuco. Tanto a residência quanto a terras de trabalho precisam estar no mesmo estado para garantir esses benefícios. Hoje é tudo uma questão cadastral”, declara.

Ele diz que a prefeitura de Salgueiro está aberta à negociação para a solução do impasse. “Não queremos criar empecilhos. No nosso entendimento, existem duas alternativas para resolver o conflito. A primeira é construir uma nova vila em território de Pernambuco. A segunda é estabelecer, por via legislativa estadual, uma permuta de área: ou seja, o estado de Pernambuco cederia ao Ceará uma área em igual tamanho à que vem sendo ocupada pela Vila Malícia; em troca, teria direito ao território onde está o povoado atual”, explica. Segundo ele, a questão está a cargo do Ministério da Integração, que terá que “intermediar o diálogo entre os dois estados”, conta.

São Francisco, uma esperança

A cidadã mais antiga da VPR Malícia, Ana Maria de Jesus, 93 anos, tem dúvidas sobre a chegada das águas do São Francisco pelo canal da transposição. “Será? Acho que eu não verei”. O pensamento pessimista da morada vira consenso na Vila Malícia quando o assunto está relacionado à efetividade das obras da transposição. “Uma coisa é certa: essas águas chegarem será sinônimo de prosperidade. Vivemos numa área muito seca. Chuva aqui é difícil. Queremos ter a nossa produção agrícola. Plantar nossa horta, feijão verde, milho, entre outros produtos que nos façam prosperar”, revela Damião Vieira dos Santos, neto de Ana Maria.

Além dos oito hectares de sequeiro, cada família da nova Malícia recebeu como indenização pela perda das casas um hectare irrigado que será utilizado com a chegada das águas do rio São Francisco. “Resta saber quando”, queixa-se Claudiana dos Santos Rocha.

Sem Informação

Em nota, o Ministério da Integração Nacional reconhece que o núcleo residencial da vila está em território cearense e o setor produtivo em Pernambuco. informa que, na época da implantação, considerou a área com condições topográficas mais adequadas para a sua construção. Até o fechamento desta edição, o órgão federal não respondeu os questionamentos da revista sobre o porquê da decisão de manter a VPR em uma área distribuída em dois estados. O MI também não informou como pretende resolver o impasse.

A revista tentou ouvir ainda, sem sucesso, a Prefeitura de Penaforte, no Ceará. Diversas ligações foram realizadas, mas não houve retorno por parte do prefeito da cidade, Luiz Celestina. Por telefone, o presidente da Câmara Municipal, Francisco Agábio Sampaio Gondim, afirmou ter conhecimento sobre o conflito, mas não quis tecer maiores detalhes sobre o assunto.

Maior obra hídrica do país

A transposição do São Francisco é a maior obra de infraestrutura hídrica já realizada no país. Orçada em R$ 8,2 bilhões, e ultrapassando os 74,5% dos trabalhos concluídos, prevê beneficiar 12 milhões de habitantes de 390 municípios que sofrem com a estiagem frequente em quatro estados brasileiros (Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba).

O chamado eixo norte, que tem o bombeamento direto das águas do Velho Chico na cidade de Cabrobó (PE), constitui um percurso de 260 quilômetros. Já o eixo leste, com captação no município de Floresta (PE), a partir da Usina Hidrelétrica de Itaparica, percorrerá 217 quilômetros. Iniciada em 2007, a obra englobará a construção de quatro túneis, 14 aquedutos, nove estações de bombeamento e 27 reservatórios, tendo previsão de término para 2016, após quatro anos de atrasos e custando o dobro previsto no orçamento inicial do projeto.

Ao todo, 18 vilas produtivas rurais (VPRs) estão sendo construídas pelo MI como parte do programa ambiental de reassentamento das 811 famílias que residem na faixa de obra do Projeto de Integração do Rio São Francisco – PISF. São elas: Malícia, Uri, Captação, Salão, Retiro, Pilões, Negreiros, Queimada Grande e Junco, em Pernambuco; e Ipê, Vassouras, Descanso e Retiro, no Ceará. Estão previstas ainda, na Paraíba, as vilas Quixeramobim, Jurema, Irapuá I, Irapuá II, Bartolomeu e Lafaiete. A estimativa é que até o final de 2015 todas sejam entregues pelo governo federal.

CBHSF - O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco é um órgão colegiado, integrado pelo poder público, sociedade civil e empresas usuárias de água, que tem por finalidade realizar a gestão descentralizada e participativa dos recursos hídricos da bacia, na perspectiva de proteger os seus mananciais e contribuir para o seu desenvolvimento sustentável. A diversidade de representações e interesses torna o CBHSF uma das mais importantes experiências de gestão colegiada envolvendo Estado e sociedade no Brasil.

Assessoria de Comunicação CBHSF

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