domingo, abril 14, 2013

Petrolândia: Palestra apresentada por Paulo Campos na Audiência Pública do Projeto Icó-Mandantes

Paulo Campos apresenta palestra à Comissão de Agricultura da ALEPE
Foto: Assis Ramalho
A Redação do Blog de Assis Ramalho recebeu o conteúdo da palestra apresentada por Paulo Campos à Comissão de Agricultura da ALEPE, na audiência pública realizada na tarde de 04/04/2013, no Projeto Icó-Mandantes, na zona rural de Petrolândia. Abaixo reproduzimos a mensagem, na íntegra.

O Projeto Icó Mandantes de Petrolândia-Pernambuco ontem, hoje e amanhã
Palestra apresentada por Paulo Campos à Comissão de Agricultura da Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco durante audiência pública do projeto Ico Mandantes, em Petrolândia Pernambuco.

O Projeto Icó Mandantes ontem

O projeto para deslocamento e reassentamento, compulsório, das famílias atingidas pela usina hidrelétrica de Itaparica entre os Estados de Pernambuco e Bahia foi financiado pelo BIRD - Banco Internacional pela Reconstrução e Desenvolvimento. O mutuário foi a ELETROBRAS e a executora a CHESF - Companhia Hidrelétrica do São Francisco. A concepção do projeto foi muito além do acordado com o Polo Sindical do Submédio São Francisco. Foi o primeiro desta natureza financiado pelo Banco Mundial. Uma de suas exigências foi que a CODEVASF fosse a executora do sistema de irrigação a ser implantado. Pretendia mostrar para o mundo que seria possível transformar uma área de extrema pobreza em verdadeiro paraíso: Acesso aos projetos irrigados todos pavimentados, escolas de altíssima qualidade, sistema de irrigação de última geração e muito mais.

Até 2010 o Governo Federal já investiu mais de três bilhões e a Chesf uma média de 103 milhões anuais.

O Projeto Icó Mandantes em Petrolândia Pernambuco insere-se neste contexto. É constituído de dois Blocos: O Bloco 3 com 10 Agrovilas, projetado inicialmente para 502 famílias e uma área irrigada de 1.302 hectares. Hoje, 25 anos após, há aproximadamente 1.200 famílias residindo só no bloco 3, e uma área irrigada de aproximadamente 2.700 hectares. A mesma proporção de crescimento verifica-se no Bloco 4 que tinha inicialmente 6 Agrovilas e uma Área irrigada de 1.250 hectares. A infraestrutura do sistema de irrigação e de todos os serviços públicos são os mesmos. A rede escolar, os serviços de saúde, sistema de eletrificação das agrovilas, do sistema de abastecimento de água continuam inalterados, com uma diferença: Todos sucateados. A conservação das estradas que dão acesso ao projeto, tão necessário ao escoamento da produção foi abandonada. A euforia que num determinado momento tomou conta dos filhos dos reassentados, falo filhos dos reassentados, porque os reassentados jamais acreditaram que o governo Federal e a Chesf quisessem transformar esta região na terra prometida, começa agora a entrar numa fase de desesperança, a mesma desesperança que levou ao insucesso o fracassado reassentamento promovido pela Chesf em Sobradinho.

Para que possamos entender, quem sabe, a esse nosso provisório momento de pessimismo é necessário retrocedermos um pouco no tempo.

Em 1987 as Famílias do Projeto Icó Mandantes foram descoladas compulsoriamente para as Agrovilas. Todos foram obrigados a se dedicar a agricultura irrigada tivessem ou não experiência ou vocação. Aqui reside uma grande diferença entre os projetos de irrigação operados pela Codevasf em Petrolina e Juazeiro. Lá a Codevasf elaborou, criou e opera o sistema de irrigação para pessoas que querem voluntariamente dedicar-se a Agricultura. Aqui a Chesf via Codevasf com apoio do sindicado e polo sindical elaborou criou e operam um sistema de irrigação para pessoas que involuntariamente devem ou deveriam se dedicar a agricultura irrigada.

Pelo projeto do Banco Mundial o sistema de irrigação teria que estar em plena fase de produção em 1989, ou seja, dois anos após o deslocamento, mas o primeiro lote a ser irrigado só aconteceu 10 anos depois, o que corresponde a uma geração. Para compensar a CHESF concedeu a VMT verba de manutenção temporária correspondente a dois salários mínimos. Se por um lado dava para as famílias se manterem, por outro ensinou ao homem do campo que antes lutava bravamente pela sua sobrevivência, a ser preguiçoso e muitos aprenderam a ser alcoólatras. Dez anos após muitos dos filhos dos reassentados já tinham atingido a maioridade e não tendo nada pra fazer, morando próximo ao polígono da maconha, o caminho mais fácil e atraente era o da delinquência. Destes, hoje, não tem ninguém preso. Alguns se auto eliminaram, outros a polícia resolveu o problema a sua maneira.

O Projeto Icó Mandantes hoje

A nova geração de filhos e netos de reassentados que surgiu a partir de meados da década de 2000, após oito anos de estudos em escolas de péssima qualidade, só tinha três caminhos a trilhar. Seguir o exemplo da geração anterior partindo para a delinquência, migrar para os centros urbanos – muitos fizeram isso, mas regressaram em pouco tempo, pois lá já não havia espaço para pessoas com o nível de escolaridade aqui obtido ou invadir as áreas de cerqueiro que a Chesf nunca se preocupou em distribuir conforme prometido no acordo assinado com os reassentados. Este foi o caminho escolhido. A água para irrigação eles foram buscar nos lotes vizinhos ou em áreas comuns do projeto. Muitos foram processados e tiveram seus sonhos e o desejo de serem trabalhadores produzindo alimentos para si e para os outros interrompido várias vezes pela polícia. Não desistiram e continuaram tentando. Sem assistência técnica, sem financiamento, aprenderam com a vida a trabalhar a terra e assim, transformaram o projeto Icó mandantes na galinha dos ovos de ouro de Petrolândia. Este projeto é hoje, visto e visitado por estudantes do setor primário de todos os estados vizinhos e empresários do agronegócio de todo o Brasil. Aqui são utilizados sistemas de irrigação de última geração. Todas as terras, antes condenadas e/ou indenizadas pela Chesf transformaram-se em fonte produtiva de geração de emprego e renda para os filhos e netos dos reassentados. A importância do Projeto Icó Mandantes para a Economia de Petrolândia pode ser medida, embora de forma empírica, pelo crescimento das casas comerciais no seguimento de produtos agrícolas nos últimos oitos anos. Em 2004, Petrolândia tinha três casas comerciais no seguimento agrícola. Hoje tem 13. Quem impulsionou tão expressivo crescimento? Como eram, em 2004, as casas comerciais no seguimento eletrodoméstico e material de construção? A diferença que for encontrada tem como maior fonte propulsora a agricultura familiar, ou seja, o trabalho de centenas de formiguinhas que trabalham na agricultura irrigada aqui no Icó Mandantes produzindo alimentos e contribuindo decisivamente para manter e impulsionar a economia de Petrolândia. Não sei por que razão os dados da produção deste projeto são divulgados de forma incorreta ou equivocada.

Mas se os dados são tão promissores, por que o pessimismo atual? A resposta é o que vem acontecendo desde o início da implantação do projeto e que dá sinais de está levando-nos ao fundo do poço em queda livre. Resumidamente os problemas principais são os seguintes:

01-SISTEMA DE IRRIGAÇÃO

01.01-Degradação do sistema comum de abastecimento de água para irrigação devido à falta de manutenção preventiva e a má qualidade do material empregado na execução do projeto;

01.02-Provável alto custo da água para irrigação. As moto-bombas utilizadas para elevação da água já eram obsoletas em termo de consumo de energia quando o projeto foi implantado;

02-SERVIÇOS PÚBLICOS

02.01-SAÚDE-Os serviços de saúde prestados aos reassentados funcionam satisfatoriamente apenas no que se refere ao tratamento da doença. Não trata das causas. O índice de suicídio, pessoas com problemas renais e crianças que nascem com deficiência (de audição, de visão entre outros) estão acima de limites aceitáveis.

02.02-EDUCAÇÃO-Mais de 80% dos professores não são habilitados ou qualificados para os níveis de educação infantil e ensino fundamental. A maioria tem contrato temporário. O sistema de gestão é inadequado e recorre-se a sistemas de ensino multisseriado inaceitáveis para estas etapas de ensino. Ex: Forma-se turma multisseriada de educação infantil com ensino fundamental. Recorre-se a todo tipo de artifício para reduzir a carga horária dos alunos: Pinta-se a escola no período letivo, promove-se todos os tipos de reuniões no horário de aula, capacita-se professores em dias letivos, procede-se a dedetização da escola numa 4ª feira, para que os alunos fiquem três dias sem aula. Na Escola Dr. Trajano Pires da Nóbrega, onde minha filha Laura de seis anos estuda, em 2011 o ano letivo efetivo correspondeu apenas a 148 dias em vez de 200. Em 2012 não chegou a 140. Agora em 2013 as crianças de todo projeto passou mais de 15 dias sem merenda escolar e com isso a maioria só tinha duas horas de aula. Não existe espaço adequado para a prática de esporte e lazer. O Sistema de Ensino, como está estruturado, desde a Educação Infantil ao ensino médio não tem permitido a ascensão social e intelectual da comunidade.

Nas Escolas das 16 Agrovilas e Vila dos Pescadores do Projeto Icó Mandantes estão Matriculados, hoje, cerca de 1.500 crianças na faixa etária entre 4 e 10 anos. Isto significa que daqui a quinze anos nós teremos 1.500 jovens entre 19 e 25 anos sem saber para onde ir se mantidas a qualidade dos serviços públicos oferecidos no momento.

02-03-ÁGUA POTÁVEL- Por falta de manutenção preventiva, o sistema de tratamento da água potável é praticamente inexistente e a maioria recorre à água bruta.

02-04-ESTRADA-Por falta de manutenção preventiva, o acesso ao projeto e aos lotes irrigados é precário e às vezes impossível. Isto dificulta o escoamento da produção e compromete a qualidade dos produtos;

O Projeto Icó Mandantes amanhã

Os produtores Rurais do Projeto Icó Mandantes do Bloco 03 estão prontos e desejam ingressar o mais rápido possível no processo de cogestão e futura autogestão do Sistema de irrigação. Para isso é necessário que sem prejuízo de outras soluções algumas pré-condições sejam cumpridas:

01-Substituição das quatro motobombas da EB1 por equipamentos modernos e de baixo consumo de energia;

02-Recuperação e/ou substituição de todo sistema de tubulação correspondente à área comum;

03-Automação de todo sistema de irrigação.

04-Que a Codevasf a partir de financiamento do Governo Federal, Estadual ou Municipal, Elabore, crie e opere um sistema de irrigação a fim de regularizar a situação de todos os produtores que se encontram produzindo nas áreas de expansão de conformidade com a Política Nacional de Irrigação instituída pela Lei Federal nº 12.787/2013.

05-Que até a implantação do projeto acima, seja encontrada uma solução negociada entre Chesf, Codevasf, Sindicato e Polo Sindical para que os referidos produtores não sejam prejudicados, evitando assim problemas sociais latentes no projeto.

06-Que o Governo Federal, Estadual e Municipal criem uma política que permita agregar valor aos produtos agrícolas aqui produzidos fomentando a criação de mini-indústria familiar.

07-Transparência total de todos os recursos destinados ao Reassentamento de Itaparica de acordo com a LEI Nº 12.527, DE 18 DE NOVEMBRO DE 2011.
Fonte: Documento enviado à Redação pelo vereador Carlos Alberto Correia Araújo
Foto: Assis Ramalho

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