sexta-feira, dezembro 19, 2014

Caso Chesf: construtora Mendes Júnior perde causa trilhionária

Vista aérea da Hidroelétrica Luiz Gonzaga e represa de Itaparica
A empresa Mendes Júnior não conseguiu comprovar que fez empréstimos para terminar a obra de Itaparica (Foto: Bruno R. C. Nunes)

A atuação estratégica e compromissada de advogados públicos engajados na defesa do patrimônio da União garantiu a vitória da Advocacia-Geral da União (AGU) na ação que cobrava indenização de R$ 1,23 trilhão da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf). A ação, movida pela Mendes Junior S/A, ainda no final da década de 80, visava o ressarcimento pela construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de Itaparica, localizada no estado de Pernambuco. Porém, a obrigação da companhia para com a siderúrgica já havia sido cumprida, mediante pagamento dos serviços, inclusive com juros e correção monetária.

A Mendes Júnior alegava ter direito a ser ressarcida de custos adicionais decorrentes de empréstimos que teria precisado tomar para financiar as obras da UHE de Itaparica. A empreiteira foi contratada em 1981 e concluiu a construção em 1986. Nesse período, a Chesf pagou com atraso algumas faturas, e a construtora alegou ter precisado buscar recursos no mercado financeiro para dar continuidade ao empreendimento.

O ponto central da defesa apresentada pela Procuradoria Regional da União na 5ª Região (PRU5) aos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), que concluíram o julgamento do caso no último dia 25 de fevereiro, foi que não houve comprovação dos empréstimos que teriam sido feitos para a construção da UHE. A AGU demonstrou que os mais de R$ 1 trilhão, cobrados a título de indenização, representam um valor exorbitante, pois não há nenhum tipo de comprovação dos empréstimos e débitos que levassem a essa quantia.

Julgamento

Um documento de 80 páginas com informações, que afirmavam não haver provas sobre a relação entre os alegados empréstimos contraídos pela Mendes Júnior e as parcelas em atraso, fundamentou o voto do desembargador federal Francisco Cavalcanti, relator o processo no TRF5. Durante o julgamento, o magistrado salientou que a quantia requerida representa quase a metade do PIB Brasileiro e seria suficiente para construir outras 18 usinas similares à Hidrelétrica de Itaparica. À unanimidade, os desembargadores que compõem a Primeira Turma do Tribunal concordaram que a indenização é indevida. Com a decisao, a Mendes Júnior fica obrigada a pagar os honorários advocatícios de sucubência, no valor de R$ 100 mil. Este valor será destinado à União e à Chesf.

O advogado da União Hermes Bezerra Brito Júnior, responsável pela defesa da União, explicou que a efetiva participação da AGU, por meio da PRU5, com acompanhamento e atuação sistemática no processo, garantiu a tramitação na Justiça Federal e a possibilidade de julgamento no TRF5. "O voto do desembargador Francisco Cavalcanti foi preciso e amplamente fundamento. É importante lembrar que caso a Mendes Júnior saísse vitoriosa, os cofres públicos iriam arcar com a indenização".

Hermes Júnior também salientou que a vitória no caso se deu em virtude do trabalho em equipe das Procuradorias Geral e Regional da União e o Ministério de Minas e Energia (MME), representado pelo advogado da União que atua na Consultoria Jurídica (Conjur), Dario Spegiorim. Ele também acompanhou o processo na íntegra. "É importantíssima a aproximação do Consultivo ao Contencioso da AGU nesse tipo de caso", declarou.

Atuação eficaz

Para a Procuradora-Geral da União, Helia Maria de Oliveira Bettero, "resultados positivos como esse, alcançados pela atuação engajada da Procuradoria Regional da União da 5ª Região, demonstram o profissionalismo e o comprometimento dos advogados da União na defesa do patrimônio público". O trabalho em equipe contou com parceria da Consultoria Jurídica do Ministério das Minas e Energia e do Departamento jurídico da Eletrobrás, explicou.

A importância do trabalho em equipe também foi destacada pelo Procurador Regional da União na 5ª região, José Roberto Farias. "O êxito nessa atuação deve-se ao trabalho em equipe, onde a confiança, a liberdade e o compromisso foram fundamentais".

Já o advogado da União Rogério Sother, lembrou que a vitória não é só da Chesf ou da AGU. "Toda a sociedade sai ganhando, pois a indenização de R$ 1,23 trilhão iria sair dos cofres públicos. Defendemos, assim, os direitos do cidadão`, ressaltou.

Histórico

Em 1981, a construtora Mendes Júnior S/A foi contratada pela Chesf para realizar as obras da Hidrelétrica de Itaparica, concluídas em 1986. Após o fim dos trabalhos, em 1988, a empreiteira entrou com ação declaratória na 4ª Vara Cível da Comarca de Recife, com objetivo de exigir ressarcimento pela Chesf.

Na época o pedido foi acatado, mas não houve quantificação do débito alegado. O valor seria apurado em outra ação, de cobrança.

Em setembro de 2009, sentença de 1ª instância julgou parcialmente procedente o ressarcimento, ma a Chesf recorreu dessa decisão na 2ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Pernambuco que, por unanimidade de votos, anulou o processo.

Insatisfeita, a Mendes Júnior entrou então com Recurso Especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Foi quando União pediu o seu ingresso como assistente simples da Chesf, sendo o pedido atendido pela Corte. O STJ não chegou a analisar o Recurso Especial da Mendes Júnior, mas como a União entrou no caso, o Tribunal acabou determinando que o processo fosse examinado pela Justiça Federal.

Os autos foram levados para a 12ª Vara Federal em Pernambuco no ano de 2000. Lá foi proferida sentença parcialmente favorável à empresa Mendes Júnior. No laudo pericial foi reconhecido como devido à companhia o valor de R$ 80.165.962.549,61 na data de 30 de abril de 2002. Esta quantia deveria ser corrigida a juros de mercado de 3,60 ao mês, acrescido e honorários de 20%.

A Advocacia-Geral da União, a Chesf e o Ministério Público Federal apelaram dessa decisão, destacando que a indenização era indevida. No julgamento pelo TRF5, a sentença da primeira instância da Justiça Federal foi reformada, de modo que o pedido da Mendes Júnior foi julgado improcedente por unanimidade.

Durante a tramitação do processo, advogados da PRU5 realizaram várias reuniões com o departamento jurídico da Chesf visando alinhar a linha de defesa. Foram apresentados ao TRF5 memoriais e realizados despachados diretamente com os desembargadores.

A conclusão a que chegaram a Chesf e a PRU 5ª Região era de que os valores pleiteados não apresentavam nenhuma razoabilidade, uma vez que tese defendida era de que não existia nenhum débito a ser pago.

Perícias

De acordo com a PRU5, ocorreram duas perícias na tramitação do processo, sendo a primeira perante a justiça comum do estado de Pernambuco, que foi anulada por decisão do TJPE e posteriormente confirmada pelo STJ. A segunda perícia ocorreu perante a 12ª Vara Federal de Pernambuco, chegando ao valor de mais de R$ 80 bilhões. Em março de 2010 estes valores atingiram R$ 2. 672.934.188.969,67, incluindo os juros e correções. A AGU e a Chesf contestaram os cálculos, e obtiveram a vitória no TRF5.

A Advocacia-Geral da União entende que a questão já esta decidida, uma vez que o relator fundamentou a sua decisão na falta de prova por parte da Mendes Junior a comprovar o seu suposto direito. Se a Mendes Júnior recorrer ao STJ, a União deverá manter sua linha de defesa.

Segundo o advogado da União Israel Pinheiro Torres Júnior, da Coordenação Geral Jurídica da PRU da 5ª Região, trata-se da"maior causa já julgada no país e na América do Sul."Ele explicou que,"se fosse mantida a decisão judicial que determinava o pagamento da indenização somente com base em cálculos matemáticos, desconsiderando a comprovação de que os valores resultaram de empréstimos aplicados na obra, haveria violação de princípios constitucionais como a razoabilidade e da proporcionalidade".

Indenização seria maior que o valor da Hidrelétrica de Itaparica

Para demonstrar a impropriedade dos cálculos apresentados após as perícias judiciais, a PRU5 apresentou números e valores comparativos obtidos junto à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e à Eletrobrás.

A Usina Hidrelétrica de Itaparica tem capacidade instalada de 1.480 MW. Já a Usina Hidrelétrica Santo Antonio, no Rio Madeira, recentemente licitada, terá uma capacidade instalada de 3.150 MW, e está orçada em aproximadamente R$ 9.4 bilhões por megawatt instalado.

" Com esses parâmetros, a Usina de Itaparica custaria, conforme preços praticados nos leilões de energia nova, algo em torno de R$ 4.4 bilhões, de modo que o valor a que pretendeu chegar a Mendes Júnior equivale à construção de seiscentas usinas (880.000 MW) com a mesma potência da UHE Itaparica ", explica Israel. Significa mais que octuplicar a capacidade total de geração hoje instalada no país, que é de 103.600 MW.

" Se compararmos com valores constantes do Balanço Consolidado da Eletrobrás, controladora da Chesf, a quantia equivale a mais de 32 o seu patrimônio líquido registrado no dia 31 de dezembro de 2008 em R$ 81,3 bilhões ", salientou.

Na avaliação da PRU5, se a Eletrobrás tivesse que pagar toda a indenização, teria que comprometer, por mais de 86 anos, toda a sua receita comercial anual, que é de R$ 30.731.000.000,00.

Considerando dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a indenização que a Mendes Júnior não vai receber graças à atuação da AGU, da Chesf e do Ministério Público Federal, ultrapassa um terço do Produto Interno Bruto (PIB) registrado no último ano, que foi de R$ 2.889.718.577.034,63, menos de 3 trilhões de reais.

FONTE: Advocacia-Geral da União/JusBrasil

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