quarta-feira, agosto 04, 2021

Petrolândia: Família relata drama de três filhos com Doença de Batten; Duas crianças já perderam a visão, uma outra corre risco

Rosilda afirma que o impacto inicial ao descobrir a doença em seus filhos foi muito grande, mas, reconhece que os problemas fizeram com que ela, hoje, seja uma pessoa melhor.'' Através deles, Deus me ensinou a ser uma pessoa melhor''

Por causa da pandemia do novo coronavírus, temendo o risco de levar o vírus para dentro de casa, o pai das crianças, Josinaldo, abriu mão do emprego. Ele trabalhava em uma loja da cidade. ''As dificuldades aumentaram, mas, fiz tudo isso por amor aos meus filhos''

Rosilda fala do orgulho que sente dos filhos e encoraja mães e pais de crianças com deficiência ''Lute pelos seus filhos, não tenha vergonha de seus filhos''

A vida da família de Rosilda Maria da Silva, 37 anos, residente na Quadra 02 de Petrolândia-PE, mudou completamente há sete anos, quando sua filha mais velha, Stefany, hoje com 14 anos, começou a apresentar os primeiros sintomas da Doença de Batten. Crises convulsivas a levaram ao Instituto Materno Infantil de Pernambuco (Imip), localizado no Recife, a quase 500 km de distância. Na capital, o neuropediatra Lucas Alves solicitou exame para a lipofuscinose, como a enfermidade também é conhecida. 

Com o diagnóstico positivo para a doença, os dois outros filhos de Rosilda foram submetidos à mesma investigação, quando Adrian e Ayslam apresentaram os primeiros sintomas, aos seis e oito anos, respectivamente. Com o resultado positivo para os três filhos, Rosilda, que trabalhava como vendedora autônoma, e seu marido precisaram dedicar-se integralmente às crianças. A rotina inclui, além dos cuidados e exercícios que precisam ser feitos em casa, viagens rotineiras ao Recife, onde eles fazem exames e sessões de terapia para retardar, ao máximo, o avanço da doença e promover a adaptação das crianças às limitações progressivas causadas pela doença.


''Hoje, todos tratamentos das crianças são realizados na capital. "A cada três meses, nós vamos ao Imip para a consulta com o neurologista. Com o oftalmologista, eles vão a cada 15 dias, na Fundação Altino Ventura, para aulas de Braille. A fisioterapia é no Hospital Maria Lucinda, mas, estamos tentando trazer para Arcoverde", diz a mãe. 

A redução gradual da visão é a principal consequência da doença. Stefany já lê em Braille. De acordo com a mãe, a adolescente só consegue distinguir a claridade da escuridão. "Adrian esquece as coisas. Ele sabia escrever o nome e agora não sabe mais. Não consegue decorar o alfabeto. Ayslam consegue ler, mas, com as letras ampliadas", conta.

A família vive atualmente da renda do auxílio-doença dos dois filhos mais velhos. Eles tentaram receber o mesmo benefício também para o caçula, no entanto, o benefício foi negado, inclusive, em setença judicial, sob alegação de que dois já haviam sido concedidos para a família.

Os irmãos são tratados com o medicamento carbamazepina, usado para crises de epilepsia. "Quem tem mais crise convulsiva é o Adrian. Se ele não tomar de manhã, já apresenta. Stefany só tem se parar o medicamento e o Ayslam, também".

Por causa da pandemia do novo coronavírus, temendo o risco de levar o vírus para dentro de casa, o pai das crianças, Josinaldo, abriu mão do emprego. Ele trabalhava em uma loja da cidade. ''As dificuldades aumentaram, mas, fiz tudo isso por amor aos meus filhos'', afirma Josinaldo.


Quanto ao apoio do governo municipal, Josilda afirma que a prefeitura disponibiza apenas o transporte e a Casa de Apoio no Recife, onde ficam hospedados durante as viagens.

''A única coisa que eles [da prefeitura de Petrolândia] dão é o transporte e a Casa de Apoio. Somente isso. Acho que a gente merecia um olhar diferente, não para nós, mas, para essas três crianças'', diz Rosilda. Segundo ela, as crianças também recebem aulas de Braille no Centro Beethoven, instituição municipal de educação especial de Petrolândia, porém, acredita que se as crianças recebessem as aulas em casa seria melhor. ''Elas, a professora Luciana, faz as atividades e passa para fazer em casa, mas, não é a mesma coisa, porque é muito difícil para a gente ensinar a eles, o Braille é muito difícil. Portanto, pelo menos [aulas em casa] duas vezes por semana seria o suficiente''.

Rosilda fala do orgulho que sente dos filhos e encoraja mães e pais de crianças com deficiência.

''Lute pelos seus filhos, não tenha vergonha de seus filhos, lute pelos direitos que ele tem. Corra atrás, para que eles possam aprender, porque elas são crianças normais como qualquer outras. Às vezes, uma criança deficiente é muito mais inteligente do que quem não tem a deficiência. Não é vergonha você ter um filho com deficiência. Muita gente pergunta assim: 'Você tem vergonha de seus filhos?', e eu digo: 'Não, jamais! Eu tenho orgulho deles'. Eles são obedientes em casa, e fora de casa, são crianças que viajam direto para o Recife, e você não vê eles reclamarem, até os médicos se admiram deles.''

Rosilda afirma, ainda, que o impacto inicial ao descobrir a doença em seus filhos foi muito grande, mas, reconhece que os problemas fizeram com que ela, hoje, seja uma pessoa melhor. 

'' Através deles, Deus me ensinou a ser uma pessoa melhor''

Veja a íntegra da entrevista e saiba mais sobre a Doença de Batten no vídeo abaixo.


Saiba mais:

Doença de Batten é rara e compromete a parte motora e cognitiva das crianças

Exclusivamente associada à velhice, a demência também pode aparecer em crianças. Esse é um dos quadros da Doença de Batten, também conhecida como CLN2, e um dos 14 tipos conhecidos de Lipofuscinose Neuronal Ceróide (CLN, sigla em inglês). É uma das doenças mais raras conhecidas, que tem acomete um a cada 200 mil nascidos vivos. A causa é um gene defeituoso, incapaz de produzir as proteínas necessárias. Sem elas, as céluas não funcionam corretamente e o resultado é um quadro, por si só surpreendente, mas que ganha ainda cores mais fortes por aparecer em crianças a partir de dois anos de idade: danos cerebrais, epilepsia, cegueira e perda das funções motoras, além da já citada demência.

O drama para as famílias é que a criança apresenta um desenvolvimento normal até começar a regredir. "É raro uma criança apresentar um quadro demencial, mas pode acontecer. Ela começa a não reconhecer mais os pais, cai com frequência, apresenta problemas na linguagem e convulsões. Pode-se dizer que a criança vai ficando mais 'bobinha'", explica o neuropediatra do Hospital das Clínicas de Pernambuco, Lucas Alves.

O diagnóstico normalmente é tardio, pois os primeiros sintomas induzem a outros problemas, como epilepsia ou algum distúrbio fonológico. Até se chegar ao resultado definitivo muito tempo se perde. E nesse caso, um tempo que não volta, pois os danos cerebrais são irreversíveis, como acontecem com doenças progressivas e degenerativas. "O cérebro vai atrofiando e pode levar à cegueira, retardo mental e alterar toda coordenação e equilíbrio, levando o paciente a não conseguir mais andar", explica Lucas.

Filhos de casal em que tanto o pai como a mãe carregam essas alterações têm 25% de chance de desenvolver a CLN2. Há, ainda, 50% de chances de a criança herdar o gene anormal apenas de um progenitor, ser um portador e não ser afetado pela doença. Durante a gestação é possível fazer um exame genético para detecção do gene defeituoso, mas ele só é indicado para quem tem casos na família. "Tenho uma família de Petrolândia com três irmãos que têm essa doença. Por isso é importante um aconselhamento genético", diz o Lucas, lembrando que um casal que possui um filho com Batten tem 25% de chance de ter outro com a mesma doença.

A investigação é feita através de um exame com uma gota de sangue, com a mesma técnica do teste do pezinho. O laboratório que faz a análise fica em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. "O SUS disponibiliza o exame. A coleta é feita com papel filtro, com uma gota de sangue numa caderneta. Em três ou quatro semanas o resultado é conhecido", aponta o neuropediatra.

MEDICAMENTO

Como não há cura para a Doença de Batten, o trabalho da medicina é desacelerar o processo degenerativo. O problema é que a ferramenta principal é praticamente inacessível. O medicamento utilizado é o Brineura, cuja caixa com duas ampolas custa entre R$ 130 e 150 mil. sua administração é feita diretamente no cérebro através de um cateter uma vez a cada 15 dias.

"Esse medicamento, já se mostrou capaz de desacelerar a doença, entretanto não é um tratamento de cura, apenas permite que a criança tenha uma progressão lenta da doença", explica o neuropediatra Alexandre Fernandes, que atende crianças com esse problema no Rio de Janeiro. Além disso, como lembra o médico Lucas Alves, do Hospital das Clínicas de Pernambuco, os efeitos colaterais são muitas convulsões.

Para tentar o medicamento, muitas famílias que não têm condições tentam duas vias: Justiça e doações. A primeira, não há relatos de um desfecho que garanta o fornecimento. A segunda é a consequência da primeira. Para correr contra o tempo, muitos pais mantêm campanhas de doação pela internet.

Enquanto o tratamento mais eficaz no momento não é universalizado, os pacientes ficam a cargo de equipes multidisciplinares, incluindo fisioterapeutas, psicólogos, psiquiatras, oftalmologistas, além do onipresente neurologista.

SINAIS E SINTOMAS

Os primeiros sintomas da CLN2 são o atraso da linguagem e as crises epilépticas seguidos por perda de habilidades motoras e cognitivas já adquiridas. Contudo, há sintomas específicos de acordo com cada faixa etária:

- Entre 1 e 4 anos: a principal manifestação inicial é o atraso na linguagem. No entanto, a epilepsia e a regressão neurológica também fazem parte desta fase.

- Entre 3 e 5 anos: há piora da regressão neurológica, da epilepsia (que torna-se refratária) e também há ataxia e distonia (contrações musculares involuntárias, que podem provocar movimentos e posturas anormais do corpo ou de um segmento dele).

- Entre 5 e 6 anos: a criança pode parar de falar, de andar e inicia o uso de cadeira de rodas.

- Entre 7 e 8 anos: fica mais evidente o quadro de demência, espasticidade (alteração no tônus muscular) e perda da visão.

- Entre 8 e 12 anos: a criança pode já estar acamada, com perda de visão e epilepsia refratária.

Em alguns casos, os sinais clínicos são sutis, com mudança da personalidade e de comportamento e aprendizagem lenta.

Por Redação do Blog de Assis Ramalho
Colaboração: Wladmir Paulino/Diário de Pernambuco Mais Saúde

Nenhum comentário:

Postar um comentário