

Uma descoberta recente lançou dúvidas sobre a origem do renomado músico João Pernambuco. João Teixeira Guimarães – que é seu nome de batismo – recentemente reconhecido pelos moradores de Petrolândia como um ilustre “filho da terra”, pode não ter nascido na cidade.
Mas isso tem explicação.
A associação entre o artista e o município teve início nos anos 1990, quando o então prefeito local teve acesso ao livro João Pernambuco — A Arte de um Povo, do jornalista José Leal, publicado pela Fundarpe em 1982. Na obra, o autor aponta “Jatobá, no Sertão pernambucano” como local de nascimento do violonista. Como Petrolândia se chamava Jatobá até 1935, a gestão municipal passou a adotar essa narrativa e a promover João como personalidade histórica da cidade — até então pouco conhecida pela população.
O reconhecimento se traduziu , entre outras ações, na nomeação do Parque de Vaquejada e de uma rua com o nome do “poeta do violão”. Ainda assim, sua trajetória artística e pessoal só começou a ser mais divulgada a partir de 2021. Isso ocorreu com a criação do Instituto Arte Popular João Pernambuco, fundado pela petrolandense Necy Nascimento.
A partir de então, a trajetória do músico ganhou novo fôlego, com repercussão crescente em Pernambuco e outros Estados. O lançamento do livro Raiz e Frutos de João Pernambuco, também assinado por José Leal, contribuiu para renovar o interesse pela obra do artista, servindo de base para diversos outros projetos.
As principais fontes utilizadas por José Leal em seus dois livros sobre João Pernambuco foram familiares do músico: João Elpídio (Joca), meio-irmão de João, e um sobrinho, que repassaram relatos transmitidos oralmente pela família.
Agora, décadas depois, uma nova investigação lança um dado inesperado sobre essa narrativa. No livro João Pernambuco, O Violão Brasileiro – Biografia e Retrospectiva Artística, o músico e pesquisador Paulo Prata propõe uma hipótese surpreendente: o “Jatobá” mencionado pelos familiares não seria o de Tacaratu — atual Petrolândia —, mas sim o antigo distrito de Jatobá do Brejo, no Agreste de Pernambuco.
Esse distrito, hoje chamado Jataúba, pertencia a Brejo da Madre de Deus até se emancipar em 1962. A mudança de nome, oficializada em 1943, e o desconhecimento da região pela família, pode ter contribuído para o equívoco histórico que associou o nascimento do artista à região do Sertão.
Para sustentar sua tese, Paulo Prata apresenta registros de batismo de dois irmãos mais velhos de João Pernambuco, nascidos em Brejo da Madre de Deus, além de documentos de outros irmãos, vinculados à mesma região.
O pesquisador vai além e levanta outra possibilidade ainda mais intrigante: João poderia ter nascido na Paraíba, uma vez que a maioria dos seus irmãos mais novos teria nascido em Caraúbas (PB), município localizado a cerca de 50 quilômetros de Jatobá do Brejo. Vale lembrar que, nos registros antigos, o local de batismo nem sempre coincidia com o de nascimento. Era comum que as famílias batizassem seus filhos nas paróquias mais próximas ou acessíveis, o que muitas vezes dificulta a precisão documental sobre a origem de personalidades nascidas no século XIX.
Os registros de batismo de João, nascido em 1883, e de seu irmão Pedro, de 1885, não foram localizados em nenhuma das paróquias da região — seja em Brejo da Madre de Deus, Jataúba ou Caraúbas. Um detalhe importante: os livros paroquiais de Brejo da Madre de Deus abrangem registros apenas até o ano de 1885.
A hipótese de Paulo Prata enfrenta um ponto delicado: o próprio João Pernambuco sempre se declarou pernambucano. Em seu documento de identidade, emitido em 1942 no Rio de Janeiro, consta “Pernambuco” como estado de nascimento — o formulário exigia apenas essa informação, sem detalhar o município.

Caso João tivesse nascido na Paraíba, por que esconderia essa origem? Ainda mais considerando que sempre afirmou ser natural de um vilarejo modesto chamado Jatobá?
Ao ser questionado sobre a possibilidade de João — e de seu irmão Pedro — terem sido exceções e nascido em Jatobá de Tacaratu, atual Petrolândia, o pesquisador Prata é categórico: não há qualquer registro da presença da família Teixeira Guimarães naquela região. No entanto, é importante destacar que os livros de registro paroquial de Tacaratu, referentes ao período, foram extraviados.
O pesquisador levanta ainda uma questão de ordem prática: seria plausível que uma família com raízes estabelecidas entre Brejo da Madre de Deus e Caraúbas (PB) percorresse mais de 500 quilômetros até o Sertão pernambucano, no final do século XIX, permanecesse ali apenas o tempo suficiente para o nascimento de dois filhos e, em seguida, retornasse — tudo isso em uma época sem estradas nem meios de transporte motorizados?
Pouco se sabe sobre o pai de João Pernambuco. Segundo os relatos familiares reunidos por Prata, ele teria sido almocreve — condutor de animais de carga — e agricultor no Agreste. Não há, porém, registros que comprovem posse de terras na região. Ainda que existissem, isso não eliminaria completamente a possibilidade de alguns filhos terem nascido no Sertão.
Na época, a construção da ferrovia de Paulo Afonso — cujo ponto final era a vila de Jatobá de Tacaratu, inaugurada justamente no ano de nascimento de João — atraiu trabalhadores de diversas regiões. Diante da seca que assolava o Nordeste, não se pode descartar a possibilidade da família ter migrado temporariamente em busca de trabalho.
Mas há um detalhe inquietante: em diversos depoimentos de terceiros, João Pernambuco é citado como natural de “Jatobá”, sem que se especifique a qual local o nome se refere. No entanto, em seu livro, o pesquisador Prata transcreve — embora sem indicar a fonte — um longo artigo de 1947, aparentemente publicado em uma revista, assinado por Guilherme Aragão, em homenagem ao músico recém-falecido. No texto, João é descrito como “o gigante bronzeado de Jatobá do Brejo” — uma referência direta ao antigo nome de Jataúba, o que reforça a tese sustentada por Prata.
Portanto, apesar do estranhamento que possa causar, diante dos fatos apresentados, a hipótese mais consistente até o momento é a de que o “Jatobá” mencionado nos relatos familiares se refira ao antigo distrito de Brejo da Madre de Deus.
Embora a possibilidade provoque consternação entre moradores de Petrolândia, ela em nada diminui a admiração pelo talento e pela importância de João Pernambuco. Caso confirmada, no entanto, essa hipótese afastaria definitivamente qualquer vínculo de nascimento entre o músico e a cidade.
Ainda assim, a teoria carece de comprovação definitiva. Para afirmar com segurança que João não nasceu em Petrolândia — e, principalmente, que não era pernambucano —, seriam necessárias provas documentais conclusivas.
Afinal, se o próprio artista sempre se declarou pernambucano, quem pode dizer o contrário?
Por enquanto, tudo permanece no campo das hipóteses. A história de João Pernambuco segue aberta a novas investigações.
Para entender melhor, veja a árvore genealógica de João Pernambuco, e indicações de registro, segundo Paulo Prata, em entrevista por telefone:
Avós maternos (residentes no Recife):Domingos Vieira Braga
Hermínia Rosalina Guedes de Lacerda
Pais:Manuel Teixeira Guimarães
Theresa Vieira de Lacerda Braga
Filhos do casal (1º casamento de Teresa Vieira):Manoel (1874) — batizado na capela Morro dos Ventos , com registro nos livros da matriz de São José do Brejo da Madre de Deus (localizado pelo autor após a publicação do livro)
Maria Emília (1875/76) — registro não localizado; no casamento e nos registros dos filhos, declarou ser pernambucana.
Anna Rosalina (1877)— batizada na Matriz de Brejo da Madre de Deus.
Segundo Manoel (1881) — batizado na Capela do Rosário, em Caraúbas. Registrado no livro de São João do Cariri, tem seu óbito registrado no memo livro, há após poucos dias de nascido.
José (1882) — batizado em Caraúbas-PB, com registro nos livros de São João do Cariri. No casamento, declarou ser pernambucano.
João (1883) — sem registro localizado.
Pedro (1885) — idem.
Joanna Theresa (1886/7) — sem registro localizado; no casamento, declarou ser paraibana.
Domingos (1889) — batizado em Caraúbas-PB.
Segundo casamento de Teresa Vieira:
Após a morte de Manuel Teixeira Guimarães, Teresa casou-se em Recife com Eugênio Alves Mendes. Dos filhos do casal, João Elpídio Alves Mendes – conhecido como Joca- foi o entrevistado por José Leal em 20 de julho de 1980.
Por: Paula Francinete Rubens de Menezes - Escritora e Presidente do IGH Petrolândia O Instituto que tem como finalidade preservar a memória do município de Petrolândia.
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