É equivalente a dar oito voltas na Terra — ou a andar 344 mil quilômetros — a distância percorrida por pesquisadores durante 212 expedições ao longo e no entorno do Rio São Francisco, entre julho de 2008 e abril de 2012. O trabalho mapeia a flora do entorno do Velho Chico enquanto ocorrem as obras de transposição de suas águas, que deverão trazer profundas mudanças na paisagem. Mais do que fazer relatórios exigidos pelos órgãos ambientais que licenciam a obra, o professor José Alves Siqueira, da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), em Petrolina,Pernambuco, reuniu cem especialistas e publicou o livro “Flora das caatingas do Rio São Francisco: história natural e conservação” (Andrea Jakobsson Estúdio). A obra foi lançada em Recife este mês.
A reportagem é de Cláudio Motta, publicada pelo jornal
O Globo, 25-09-2014.
Em 556 páginas e quase três quilos de textos, mapas e muitas fotos, a publicação é o mais completo retrato daCaatinga, único bioma exclusivo do Brasil e extremamente ameaçado. O título do primeiro dos 13 capítulos, assinado por Siqueira, é um alerta: “A extinção inexorável do Rio São Francisco”.
— Mostro os elementos de fauna e da flora que já foram perdidos. É como uma bicicleta sem corrente, como anda? E se ela estiver sem pneu? E se na roda estiver faltando um raio, e quando a quantidade de raios perdidos é tão grande que inviabiliza a bicicleta? Não sobrou nada no Rio São Francisco.
Sinceramente, não sei o que vai acontecer comigo depois do livro, mas precisava dizer isso — desabafa o professor da Univasf. — Queremos que o livro sirva como um marco teórico para as próximas décadas. Vou provar daqui a dez anos o que está acontecendo.
Ao registrar o estado atual do Rio São Francisco, o pesquisador estabelece pontos de comparação para uma nova pesquisa, a ser feita no futuro, medindo os impactos dos usos do rio.
Além do desvio das águas, há intenso uso para o abastecimento humano, agricultura, criação de animais, recreação, indústrias e muitos outros. Desaguam no Velho Chico milhares de litros de esgoto sem qualquer tratamento. Barramentos — sendo pelo menos cinco de grande porte em Três Marias, Sobradinho, Itaparica, Paulo Afonso e Xingó — criam reservatórios para usinas hidrelétricas. Elas produzem 15% da energia brasileira, mas têm grande impacto. Alteraram o fluxo de peixes do rio e a qualidade das águas, acabaram com lagoas temporárias e deixaram debaixo d’água cidades ou povoados inteiros, como Remanso, Casa Nova, Sento Sé, Pilão Arcado, Sobradinho e Petrolândia.