quinta-feira, maio 15, 2025

Povo Pankararu lidera iniciativa para reconhecer o Rio São Francisco como Sujeito de Direito

Foto: Divulgação

Em uma iniciativa histórica, o povo Pankararu, comunidade indígena do sertão de Pernambuco, está à frente de um movimento para conceder personalidade jurídica ao Rio São Francisco, reconhecendo-o como entidade viva com direitos próprios. A proposta, inspirada em casos internacionais como o Rio Whanganui (Nova Zelândia) e o Ganges (Índia), busca proteger o Velho Chico, ameaçado por problemas crônicos como poluição, desmatamento, superexploração, além das secas.

Para os Pankararu, o Velho Chico é mais que um recurso hídrico: é um ancestral. “O Rio São Francisco é um território ancestral, morada dos nossos antepassados e quando digo morada dos nossos antepassados, me refiro a morada da nossa espiritualidade, porque ali não era apenas para pesca, caça ou morar e buscar a própria sobrevivência, mas, sobretudo é o lugar onde nossos antepassados praticavam também seus rituais sagrados, por isso um lugar sagrado que vive na memória das nossas pessoas, dos nossos indígenas. Então, lutar para tornar o rio um sujeito de direito é, sobretudo, cuidar desse rio que está praticamente agonizando com os maus-tratos dos não indígena e aí envolve desde os grandes empreendimentos até a poluição, a pesca predatória, a construção das barragens e isso levou, historicamente o nosso afastamento, a expulsão dos nossos povos desse território sagrado e que é um espaço que mora no consciente”, explicou a professora indígena, Elisa Pankararu, Mestre e Doutoranda em Antropologia Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Sofrendo há décadas, o rio enfrenta degradação acelerada, alteração do seu fluxo natural devido a construção de barragens além da contaminação por empreendimentos diversos. Ao longo do seu leito o rio ainda enfrenta a salinização no baixo São Francisco e o avanço do mar. A escassez de peixes e a salinização do próprio solo, ameaçam práticas tradicionais de pesca e agricultura.

Direitos da Natureza: Uma Revolução Jurídica

O povo Pankararu, se articula para garantir o apoio de organizações em movimentos iniciados no final de abril em busca do reconhecido como sujeito de direito visando a integridade do Rio, protegida por lei, o que permitiria ações legais em seu nome. A primeira ação aconteceu com a realização de uma mobilização pública promovida pela Escola de Ancestralidade Viva da Nação Pankararu, com apoio de organizações parceiras. O movimento inicial foi direcionado aos municípios onde estão os povos Pankararu e a comunidade do Entre Serras.

“A primeira mobilização que vamos considerar um ponto de partida, do ponto de vista dessa ação, foi a mobilização pública, mas sempre estivemos conversando sobre isso, reivindicando esse assunto. No entanto, essa chamada de atenção ao público acontece a partir desse seminário e dessa ação inicial com as nossas lideranças e a comunidade”, afirmou Elisa que destacou quais serão os próximos movimentos. “Os próximos passos agora serão de mobilização de outras pessoas que têm respeito a esse lugar tão sagrado e esse movimento é importante ainda do ponto de vista de chamar a atenção das autoridades governamentais, da sociedade civil, e, sobretudo conscientizar que o rio requer cuidado não apenas por nós indígenas, mas por todas as populações ribeirinhas, povos e comunidades tradicionais, cidades também, porque esse rio não pode continuar da forma que está. O que vamos deixar para as futuras gerações? Um rio poluído? Um riacho?”, questiona Elisa.

O movimento desafia a visão tradicional do direito brasileiro, que, até o momento, não tem nenhuma ação concreta em rios sob domínio da União, embora um movimento tenha sido iniciado no Rio Doce, em Minas Gerais, após o rompimento da barragem de Mariana. O processo aberto junto ao judiciário brasileiro, pelos diversos problemas consequentes, foi extinto, sem resolução. Já no estado de Rondônia, em junho de 2023, o rio Laje em Guajará-Mirim (RO) foi reconhecido, através da Câmara de Vereadores, como um ente vivo e sujeito de direitos. A lei proposta pelo então vereador e liderança indígena Francisco Oro Waram (PSB), foi idealizada em território indígena.

O Rio Laje está localizado na parte noroeste do estado de Rondônia, no bioma amazônico, próximo à fronteira com o estado do Acre e da Bolívia e é a principal fonte de segurança alimentar dos povos indígenas que vivem na Terra Indígena Igarapé Laje.

No caso da Bacia do São Francisco, a discussão deve passar por diversas instâncias e pelos estados que percorre. Caso aprovado, o Rio São Francisco se tornaria o primeiro, sob domínio da União, a obter tal status, seguindo tendências globais como a Lei da Mãe Terra na Bolívia e o Estatuto do Rio Magdalena na Colômbia.

Discussão defendida pelo CBHSF

Para construir um debate importante sobre a preservação dos recursos hídricos, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) realizou em junho de 2023 um webinário com o tema ‘Água: Sujeito de Direito’. Reunindo profissionais com expertise na área, o encontro propôs discussões de como a água pode vir a ser tratada como detentora de direitos, o que facilitaria o processo de preservação.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil possui a maior reserva de água doce do planeta, onde 70% estão na região norte, 15% na região centro-oeste, 6% no sudeste, 6% no sul e 3% no nordeste sendo utilizada para os mais diversos fins como consumo humano, produção de alimentos, de bens de consumo, produção de energia, entre outros fins.

Pensando nisso, o CBHSF tem defendido a construção do debate sobre o cuidado com as águas, como garantia da vida dos povos e da preservação do meio ambiente. A professora Manuella Vergne destacou a importância dos povos tradicionais que veem a água como elemento central da humanidade para seu desenvolvimento e ainda para seus ritos. “Nesse contexto, penso que os povos tradicionais têm um papel fundamental na proteção das águas, da natureza e do meio ambiente, pois eles olham a água não só como sobrevivência, mas também para seus ritos”.

Assessoria de Comunicação do CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Juciana Cavalcante

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