terça-feira, março 14, 2017

Lula nega acusação de obstrução à Justiça" quase um massacre, mas um cidadão que nasce no Nordeste e não morre de fome aos cinco anos não tem medo de cara feia"

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixa o prédio da Justiça Federal, em Brasília, onde foi interrogado.
Carro com o ex-presidente Lula é cercado por manifestantes que acompanharam o depoimento do petista em Brasília "Lula, guerreiro, do povo brasileiro" (Foto: Jorge William / O Globo)

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva negou em seu depoimento à 10ª Vara da Justiça Federal de Brasília a acusação que lhe é feito de ter atuado para impedir a delação premiada de Nestor Cerveró. Ele afirmou nesta terça-feira que vem sofrendo nos últimos três anos "quase que um massacre" pela série de acusações que lhe são dirigidas. É o primeiro depoimento de Lula na condição de réu.

— Há mais ou menos três anos tenho sido vítima de quase que um massacre — disse Lula.

— Estou orgulhoso e prazeroso de estar aqui e contar a versão desse fato. Me ofende profundamente a informação de que o PT é uma organização criminosa — afirmou.

Lula afirmou que o ex-senador Delcídio Amaral disse uma inverdade ao envolvê-lo no caso. O ex-presidente disse que Delcidio deve ter ficado incomodado por ter sido chamado de "imbecil" quando o ex-senador apareceu em uma gravação falando de tentativas de interferir em decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).

— Me parece que não gostou da minha declaração. Não quis ofendê-lo — afirmou.

O ex-presidente disse ter ouvido falar que há um incentivo para que os delatores citem o seu nome.

— Por tudo que ouço na imprensa tem alguém instigando a falar meu nome. É bem possível. Vi entrevista dele na Globonews e parecia que tinha recebido um prêmio Nobel da delação, vi no Roda Viva também. Depois que faz a bobagem que fez, se é que fez, ele teria que jogar no colo de alguém. Minha relação com Delcídio era institucional — afirmou.

'EU NÃO, ELE'

Lula afirmou que Delcídio era quem tinha relação com Cerveró, e não ele. O ex-presidente relatou ainda como seriam os processos de indicação para diretorias da Petrobras destacando que as nomeações eram técnicas e que a decisão final era do Conselho de Administração da Petrobras.

Ele foi questionado pelo juiz Ricardo Leite sobre uma declaração sua no passado de que acompanhava tudo que acontecia na Petrobras. O juiz chegou a questionar Lula se ele desejava ver o vídeo em que fazia essa declaração. Lula disse que não era necessário e reiterou como era o processo de escolha dos diretores da estatal.

— O presidente não indica, recomenda ao Conselho a indicação de tal pessoa recomendada por tal partido político a partir da capacidade técnica. Era assim que funcionava no governo anterior, no governo militar e deve funcionar hoje — afirmou.

INSTITUTO LULA

Lula afirmou que não existia burocracia no Instituto Lula e que realizava reuniões tanto relativas ao trabalho da instituição quanto para debater política.

— Deveria ter alugado uma sede do lado e quando discutisse uma coisa ia numa cadeira e outra em outra cadeira. É uma burocracia. Eu sou o mesmo ser humano — afirmou.

O ex-presidente brincou que havia até um apelido para o instituto com base na diversidade de assuntos que eram tratados lá, provocando risos na sala.

— Sabe qual era o apelido do instituto? Posto Ipiranga. Lamentavelmente era assim. não era por causa do Instituto, era do personagem. Tem problema em tal lugar? Vai no posto Ipiranga. Tenho orgulho disso — disse.

Lula fez ainda um desabafo reclamando das acusações a que tem respondido.

— Sabe o que é levantar todo dia com a imprensa na porta de casa achando que você vai ser preso? — questionou.

LAVA-JATO ‘QUE VÁ FUNDO’

O ex-presidente afirmou que deseja que a Lava-Jato "vá fundo", mas sem vazamentos.

— Tem gente que acha que sou contra a Lava-Jato, mas pelo contrário, quero que vá fundo para ver se acaba com a corrupção. Sou contra querer fazer pela imprensa e não pelos autos — disse.

Lula reclamou por diversas vezes da imprensa e afirmou que vai "matar de raiva" a imprensa porque continuará aparecendo na liderança das pesquisas. Afirmou que vai fazer uma defesa da sua honra.

— Um cidadão que nasce no Nordeste e não morre de fome aos cinco anos não tem medo de cara feia. Quero defender minha honra, que é o valor mais importante que eu tenho — afirmou.

Lula fez ainda reclamações sobre a postura de integrantes da Polícia Federal, do Ministério Público e do Judiciário.

— Estou cansado de ver procurador não precisa prova, tem convicção, juiz dizer não preciso prova, tenho fé — afirmou.

— Juiz, promotor e delegado não tem que ficar fazendo pirotecnia. Investiga, denuncia e condena, não é tirando fotografia, inventando mentira e ilações — disse.

O ex-presidente contou ainda que em uma audiência de um processo que move contra uma jornalista um juiz riu quando sua advogada se referia a ele como doutor mesmo a sua defensora afirmando que usava o título devido às condecorações de "doutor honoris causas" recebidas por ele.

— O juiz deu gargalhada e pouco depois inocentou a jornalista. Vou recorrer até à Suprema Corte. Tenho fé em Deus. Em nome da liberdade de imprensa ninguém pode avacalhar — afirmou.

Ao longo do depoimento Lula fez ainda uma defesa de seu governo e do PT. Afirmou que quando o partido é acusado de ser uma organização criminosa os deputados e vereadores deveriam acionar a Justiça para exigir provas.

BOM HUMOR

Lula fez ainda algumas brincadeiras, mostrando descontração. Antes do início do depoimento brincou com o juiz que o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) roubou uma cadeira para conseguir ficar dentro da restrita sala de audiência. Já durante a sua fala disse que recorria à Bíblia diante da quantidade de pessoas que usavam seu nome "em vão". Quando a defesa de José Carlos Bumlai questionou se uma ligação do pecuarista para Lula em 2015 seria para cumprimentar sua mulher Marisa pelo aniversário, o ex-presidente não se conteve:

— Ele ia nos aniversários. No dia 7 de abril tem ligação. É o mínimo que eu esperava dele, que ligasse pra ela no aniversário.

Do lado de fora um grupo de cerca de 50 manifestantes acompanhou a entrada e a saída do ex-presidente aos gritos de "Lula, guerreiro, do povo brasileiro".

O Globo

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