quarta-feira, junho 19, 2013

"A pior derrota das atuais manifestações seria a sua cooptação por uma pauta nacional-moralista"


Mais ou Menos R$ 0,20

De todos os lados se ouve que é por mais de vinte centavos. Esse “mais”, às vezes, não escapa de uma nova quantificação monetária, se tenta colocar na ponta do lápis quais são os outros preços que precisam ser revistos: mais dinheiro pra educação, mais dinheiro pra saúde, mais dinheiro pra segurança (!), mais dinheiro fora da cueca dos corruptos, mais nota fiscal paulista.

O “mais” muda de qualidade quando não se deixa subtrair à uma demanda monetária – ou ainda quando vira “menos”: menos controle do Estado sobre o corpo da mulher, menos Igreja, menos patriarcalismo, menos moral familiar, menos controle sobre o usuário de drogas, menos violência policial, menos vidas inteiras desperdiçadas trabalhando abstratamente, menos cotidiano, menos cadeia, etc…

A pulverização das manifestações contra o aumento da passagem acompanhou uma ampliação das pautas e contraditoriamente pode gerar um rebaixamento da reflexão crítica sobre a resistência ao sistema em que vivemos, caso sejam reduzidas a um apelo nacionalista e moralista contra a corrupção na política.

Por mais que a crítica da corrupção possa ser pensada como um primeiro momento do argumento de crítica do sistema, se nossa reflexão parar por aí corre um sério perigo de se tornar profundamente conservadora. Basta lembrar que tanto o nacionalismo quanto a crítica moral à política foram pilares para a guinada autoritária do golpe militar de 64. A crítica da corrupção não toca nem na segunda pele da crítica necessária a se fazer ao Estado e ao sistema em que vivemos. No Brasil já vivemos um acordo entre a capitalização do sistema financeiro pelo Estado, via dívidas públicas, e a distribuição de renda vias auxílios e bolsas e expansão do crédito (e do endividamento da população).

O Estado, pós crise de 2009, se fortaleceu como credor de uma reprodução fictícia do Capital global ao mesmo tempo em que as relações de trabalho são profundamente acirradas. Aos poucos o trabalhador se torna parte do sistema de escravidão por dívidas ao mesmo tempo em que vê sua vida inundada por uma avalanche de mercadorias com IPI reduzido, seu cotidiano é profundamente coisificado, seu tempo controlado e seu ir e vir vigiado pelo olhar atento do policial, este pressionado por índices de produtividade da secretaria de segurança pública – e como qualquer trabalhador, pressionado pela concorrência capitalista e se vender no mercado.

Neste sentido, vivemos um momento de acirramento da modernização brasileira, que quer alavancar os níveis de produtividade da economia brasileira a todo custo (principalmente com o aumento da repressão aos movimentos de grevistas (como Belo Monte), aos movimentos sociais urbanos (como o MTST e o MPL), as populações indígenas (MS), etc… Modernizar é mobilizar trabalho à todo custo.

As críticas nacionalistas e moralistas à corrupção dos governos não são capazes de refletir sobre a modernização como causadora destes protestos. Para se tomar um exemplo, a pequena cidade de Pomerode, em Santa Catarina, também organizou seus protestos em apoio as manifestações de São Paulo, marcada para o dia 18 de junho e promete arregimentar mais de 100 pessoas. Enquanto a manifestação não acontece, os internautas de Pomerode especulam sobre os motivos da mobilização: em letras garrafais o bordão ufanista “um filho teu não foge à luta” abençoa mais um consenso burro: “somos contra a corrupção”.

Esse conservadorismo não é originário do Brasil dos rincões, do interior atrasado e provinciano, como se poderia argumentar. Em recente reportagem realizada pela TV Folha, do jornal Folha de São Paulo, a jornalista Barbara Gancia (Ok, ela não é exemplo do pensamento mais crítico) também relaciona imediatamente os protestos nas ruas à corrupção no país.

A grande mídia no Brasil também é conservadora, também se poderia argumentar. As pessoas estão nas ruas para colocar a vida que levamos em xeque. Alguns jovens gregos enfrentaram com desesperança a crise e o desemprego desde os acordos impostos pela Troika. Mesmo assim não desistem de ampliar o horizonte para além do acirramento da concorrência capitalista e da busca por trabalho.
Um caráter destrutivo só conhece um lema: criar espaço; apenas uma atividade: esvaziar. A sua necessidade de ar puro e espaço livre é maior do que qualquer ódio. O carácter destrutivo não vê nada de duradouro. (…) Mas por isso mesmo vê caminhos por toda a parte, mesmo quando outros esbarram com muros e montanhas. Como, porém, vê por toda a parte um caminho, tem de estar sempre a remover coisas do caminho. Nem sempre com brutalidade, às vezes fá-lo com requinte. Como vê caminhos por toda a parte, está sempre na encruzilhada. Nenhum momento pode saber o que o próximo trará. Converte em ruínas tudo o que existe, não pelas ruínas, mas pelo caminho que as atravessa. (Walter Benjamin)
Por outro lado, alguns jovens espanhóis de Madrid tem se posicionado de forma muito mais conservadora, preocupados antes de tudo com os próprios empregos e futuros incertos no mercado de trabalho, antes de colocá-los em questão como única forma de vida social.

A pior derrota das atuais manifestações seria a sua cooptação por uma pauta nacional-moralista, amedrontada com a falta de horizontes dentro das possibilidades conhecidas (da política, do Estado, do mercado, do dinheiro, do trabalho, do patriarcado). O caráter destrutivo deve destruir principalmente nossa fé nesse mundo, tal qual ele existe. Quem sabe começamos a criticar o que há de sujeito em nós mesmos?

Blog Comedores de Sapatos

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