Nas feiras, já é possível ver o preço das frutas caírem, mas analistas dizem que o impacto das tarifas deve baratear mais os produtos. Perecíveis deverão ser os bens mais afetados pela incerteza criada por Trump — Foto: Júlia Aguiar / O Globo
Por Cássia Almeida e Roberto Malfacini* — O Globo/RioA ameça do presidente americano Donald Trump de aplicar tarifas de importação de 50% sobre os produtos brasileiros já começa a ecoar nos preços de alimentos no Brasil. O país é o principal exportador de carnes, café, frutas e suco de laranja para o mercado americano. As carnes e frutas já estão em queda no atacado.
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Analistas são cautelosos em cravar que é já é efeito do tarifaço, mas veem uma associação. No caso do café, o efeito é o oposto: os preços estão em alta em Nova York e começam a subir por aqui, invertendo uma tendência que já vinha há alguma semanas.
As carnes bovinas vinham em queda entre março e junho, depois de terem subido quase 21% no ano passado. E, agora, esse movimento deve se acentuar. No atacado, de 24 de junho a 21 de julho, o preço da carne no atacado caiu 7,8%. O preço da arroba do boi gordo teve recuo semelhante, de 7,5% no mesmo período.
— Os frigoríficos que têm os Estados Unidos como destino viram recuar as compras e procuram direcionar para o mercado doméstico. Esse movimento intensifica os efeitos recentes de baixa de preço com mais oferta e menor consumo, movimento sazonal nessa época do ano — explica Thiago Bernardino de Carvalho, pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da USP.
Impacto em agosto
Ele lembra que a JBS, a maior produtora de carne do mundo, tem fábricas na Austrália, e a Minerva, a segunda maior, tem unidades na Argentina, Uruguai, Colômbia. Assim, diz Carvalho, podem exportar desses lugares para os Estados Unidos e destinar a produção local ao mercado doméstico.
Ele estima que essa queda no atacado chegue ao consumidor no mês que vem, mas não arrisca quanto da redução será repassada ao preço final.
O economista da LCA 4Intelligence Fábio Romão mostra que a arroba de boi gordo vem caindo há três semanas seguidas “nas praças pecuárias de São Paulo” que são referência para o mercado nacional:
— As incertezas causadas pela taxação, aliadas à maior oferta de gado, devido ao declínio das pastagens durante o inverno (os pecuaristas abatem o boi antes da estação mais fria do ano), seguem afetando as cotações. Com a dificuldade para exportar, aumenta a oferta doméstica, e o preço cai.
Ele prevê que o impacto chegue ao varejo entre agosto e setembro. Uma diferença na expectativa que havia antes do tarifaço, quando só se esperava uma queda mais forte dos preços da carne no ano que vem.
Sérgio Capucci, vice-presidente do Sindicato das Indústrias de Frios, Carnes e Derivados de Mato Grosso do Sul, diz que o efeito para o consumidor será pequeno, porque os frigoríficos conseguiram desviar a produção:
— Teve um impacto pequeno logo depois do anúncio das tarifas. De queda de uns 5%, mas nenhum frigorífico diminuiu a produção.
Os compradores americanos não voltaram, diz ele, e a produção foi para o Chile, China e países do Oriente Médio.
As exportações de carne bovina têm crescido acima da produção. Este ano até junho, a alta é de 1,36% na produção e de 12,69% nas exportações.
O aposentado Maurício Vicente, de 70 anos, circulava pelo mercado com o carrinho abastecido de diferentes cortes de carne na semana passada. Embora tenha notado uma leve redução, considera que alguns produtos seguem caros:
— A carne vermelha continua muito cara. Não parece que a nova tarifa tenha feito efeito no mercado. Mas, se ajudar a reduzir os preços, será muito bem-vinda, porque o orçamento continua apertado.
No café, o movimento é inverso. A taxação dos produtos brasileiros fez subir a cotação do grão em Nova York. De 14 de julho a 17 de julho, a cotação subiu 6,8%, já antecipando a alta do produto com a tarifa de 50%. Por aqui, o café tem sido o vilão da inflação. Em 12 meses terminados em fevereiro, a alta pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chegou ao pico de 80,20%.
Mas os aumentos vêm diminuindo, saindo de quase 9% ao mês para 0,56% em junho. Na prévia do IPCA de julho, já houve uma queda, de 0,36% que pode não continuar, se a recente alta no atacado for repassada para o varejo.
— A cotação interrompeu o ciclo de queda que vinha desde junho —diz Romão.
Mas será difícil para os EUA prescindir do café brasileiro, diz o sócio diretor da MB Agro, José Carlos Hausknecht. O Brasil concentra 30% do volume global de exportações e há marcas americanas que usam o café brasileiro em seu blend, não é possível mudar rapidamente.
O preço vinha caindo no atacado brasileiro, mas voltou a subir. Em fevereiro, a saca de 60 quilos custava R$ 2.627. Caiu a R$ 1.602 em 7 de julho, dois dias antes do anúncio do tarifaço:
— Na última semana subiu para R$ 1.803. Pode ser uma rearrumação do mercado.
Consumidor assíduo de café, o cuidador de idosos Marcos Augusto, de 55 anos, vai quinzenalmente ao mercado. Ele notou redução nos preços nos últimos meses, mas recentemente já voltaram a subir:
— Se sair alguma coisa boa dessa briga com o Trump, espero que seja a queda nos preços e uma maior estabilidade.
Frutas mais baratas
Nas frutas, o Hortifrúti/Cepea já tem visto queda no preço das variedades típicas para exportação. No Vale do São Francisco, de onde saem mais de 90% das mangas e uvas para exportação, a manga tommy, tipo que é enviado aos EUA, foi negociada a R$ 1,50 o quilo entre 14 e 18 de julho, recuo de 4% em relação à semana anterior. E já caiu para R$ 1,36 na semana passada.
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Segundo o presidente da Associação Brasileira de Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados, Guilherme Coelho, o quilo de manga no Vale custa R$ 1,20 e pode cair para R$ 0,30 se as 48 mil toneladas que seriam enviadas nos próximos meses aos EUA ficarem aqui:
— O produtor pode ter prejuízo se baixar muito o preço e acabar não colhendo. Defendo que os alimentos fiquem fora do tarifaço.
Segundo Lucas Bezerra, especialista em manga do Cepea, o preço do quilo do produto caiu 30% entre 3 e 18 de julho, por causa da alta da oferta e do consumo menor no inverno e nas férias escolares:
— É um grande desafio para a fruticultura. Diferentemente de commodities, tem uma vida útil, é perecível, não consegue outras estratégias para conter possíveis impactos do tarifaço. Alguma coisa vai ter de ficar no mercado interno.
Alex Pinheiro, de 49 anos, trabalha como feirante desde os 10. Ele afirma que a maioria dos itens não teve grandes alterações de preço, mas a uva ficou mais barata.
— Nos depósitos, tem muita carreta de uva. No mês passado, estava pagando R$ 110 pela caixa. Hoje, está por R$ 40.
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