sábado, julho 27, 2013

Terra: uma história climática

O geólogo alemão Ulrich Glasmacher foi um dos grandes destaques da 65ª Reunião Anual da SBP, realizada na UFPE, em Recife. Sem alarmismo nem ceticismo, ele ofereceu um panorama ponderado sobre os fatores que determinam o clima no planeta.


O debate climático tem se tornado tão monótono – ou, mesmo, enfadonho – que o leitor pode até desanimar diante de mais um texto sobre a questão. Mas vale a pena ouvir Ulrich Glasmacher, geólogo da Universidade de Heidelberg (Alemanha) – nem que seja para discordar. Sua conferência sobre mudanças climáticas foi um dos grandes momentos da 65ª Reunião Anual da SBPC. A abordagem lúcida e informada – sem espaço para alarmismos ou discursos politizados – rendeu elogios ao conferencista. Pois, segundo os participantes, sua fala foi marcada por precisão e austeridade.

A conferência de Glasmacher foi, na verdade, uma aula. Ele narrou a história geológica do planeta e explicou aos ouvintes quais são os principais fatores que determinam o clima da Terra.

Breve iniciação: o beabá da climatologia

“O principal condicionante do clima na Terra é o Sol”, esclareceu o geólogo. Nosso astro rei segue ciclos bem definidos – o principal deles respeita a periodicidade de 11 anos, aproximadamente. A cada um desses ciclos, a atividade solar aumenta sua intensidade. Resultado: mais energia, na forma de luz e calor, é emitida para a Terra. Um notável pico de intensidade solar referente a esse ciclo aconteceu por volta do ano 2000. “Naquele ano, o Sol irradiou muito calor”, lembrou. Um novo pico, menos intenso, foi registrado por volta de 2010 – Glasmacher, sempre muito didático, mostrou interessantes gráficos para ilustrar esses dois momentos.

Outro condicionante climático destacado pelo pesquisador foi o chamado ciclo de Milankovitch – os movimentos planetários que alteram as distâncias e os ângulos entre a Terra e o Sol. E, como bom geólogo, não esqueceu de mencionar o papel do vulcanismo e das atividades sísmicas – que também são importantes variáveis a interferir em nosso sistema climático. “Mas, infelizmente, nem sempre nos lembramos disso: esses dois elementos não costumam fazer parte das modelagens do clima.”

Naturalmente, Glasmacher também falou acerca da influência dos gases de efeito estufa, como o metano (CH4), o dióxido de nitrogênio (NO2), o dióxido de carbono (CO2), entre tantos outros, sobre o clima. Preferindo não oxigenar as polêmicas, o pesquisador lembrou que debates a esse respeito costumam ser exaustivos. “Mas nós, sozinhos, não causamos aquecimento; essa é uma afirmação que faço como cientista”, ressaltou, referindo-se à variedade e à complexidade dos mecanismos reguladores do sistema climático.

Outros momentos da história do clima da Terra, como a ‘pequena idade do gelo’ e o ‘ótimo climático medieval’, também foram explicados durante a palestra – reafirmando seu caráter didático. Até aí, teria sido uma excelente aula, e ficaria por isso mesmo. Mas Glasmacher foi além, lançando uma instigante reflexão: “quem tem o direito de decidir que clima queremos?”

“Um esquiador na Alemanha vai adorar ver mais neve no inverno; alguém no Brasil pode querer mais Sol e calor, enquanto o vizinho pode desejar mais chuvas para suas plantas”, exemplificou o pesquisador. “Quem deve opinar sobre isso? As Nações Unidas? Os Estados Unidos? A União Europeia? Governos? Indivíduos? Que temperatura queremos manter?”, questionou. “Esse não é um problema trivial, e deve ser devidamente tratado pela sociologia, pela política, pela geografia...”

O geólogo lembrou que costumamos dizer que o degelo da Groenlândia, por exemplo, nos traria resultados catastróficos; mas, para os vikings, foi ótimo ter encontrado lá um clima aprazível e um continente sem gelo. “Entre os anos 900 e 1000, as condições climáticas por lá eram bem mais amenas que hoje.”

Em tempo: Glasmacher não deixou de falar sobre os desvairados projetos de geoengenharia, propostos em várias ocasiões por diversos cientistas – tema que já rendeu boas reflexões na CH On-line. São iniciativas que visam controlar o clima da Terra por meio de megaempreitadas do tipo espelhos gigantes no espaço, captura de carbono em depósitos subterrâneos, fertilização do oceano, fabricação de nuvens artificiais e por aí vai. “Não tenho nenhuma simpatia por esse tipo de ideia”, declarou.

Perspectivas e reflexões

O pesquisador afirmou que, ao contrário do que esperávamos, a temperatura média do planeta não está aumentando. “Por quê? Não sabemos.” O que se observa, segundo ele, é o aumento da frequência de eventos extremos, como enchentes, por exemplo, que castigaram a Alemanha em 2013.
Glasmacher: Ao contrário do que esperávamos, a temperatura média do planeta não está aumentando. O que se observa é o aumento da frequência de eventos extremos, como enchentes

“Sempre tivemos, na Terra, alternância entre períodos de clima quente e períodos de clima frio”, disse o geólogo. “Em termos geológicos, nosso planeta caminha para um resfriamento.” Esse processo teria se iniciado por volta de 35 milhões de anos atrás, quando a Antártica passou a ser coberta por gelo. “Mas também há muita incerteza sobre essa questão”, confessou.

Certeza, segundo ele, é que as atividades antrópicas estão alterando a composição química da atmosfera. Glasmacher mencionou ainda que “preocupante mesmo é o fato de, em muitos países, pessoas continuarem a ocupar áreas inapropriadas, áreas de risco, suscetíveis a eventos climáticos rigorosos”.

“Nós precisamos do planeta; mas o planeta não precisa de nós”, disse o geólogo. “A Terra continuará sua evolução e, ao longo dos próximos milhões de anos, a vida certamente seguirá se perpetuando, com ou sem a presença humana no planeta”, profetizou. “Quem diz o contrário, só quer gerar medo.”

Henrique Kugler em Ciência Hoje On-line

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