sábado, julho 27, 2013

O Brasil dos sem-água

Família de Domingos tem TV e parabólica, mas recebe água a conta gotas,
em Serra Talhada-PE (Foto: Alexandre Mazzo)
Homem rústico, aspecto andrajoso, Domingos José dos Santos leva nas órbitas um olhar profundo e triste. A pátina do tempo deu-lhe as rugas antes do previsto, algumas de tristeza, outras de desamparo e umas quantas de desilusão. Mimetizar-se à árida realidade não foi o bastante. Parecia não haver lugar mais seco e rançoso do que o sertão pernambucano, e assim o produtor rural fugiu há 10 anos buscando a sorte no sertão baiano. Foi no desespero atrás de algo tão prosaico quando essencial: a água. Deu com os burros na falta dela. A seca tem o condão de dissolver sonhos em rigores extremos, e Domingos voltou.

O velho sertanejo de 71 anos foi traído pela tal “tirania das contingências”. Vê-se agora em condição pior do que antes da estiagem de três anos a fio no semiárido nordestino. Abandonou no povoado de Lajedo do Pau d’Arco tudo o que tinha: dois terrenos e duas casas de alvenaria – “só uma delas levou 40 sacos de cimento”. Ninguém compra, ninguém tem dinheiro, “tá todo mundo indo embora”. No regresso, há um ano, ergueu uma casa de taipa, feita de ripas e barro, nos costados do terreno que a filha, Maria de Lurdes, 37 anos, ganhou em 2006 num assentamento rural de Serra Talhada (PE).

Domingos e sua família fazem parte de um paradoxo brasileiro, menos pelo fenômeno natural nele subjacente e mais pela incapacidade coletiva de lidar com ele. O sertanejo e a mulher, Maria da Penha, de 69 anos, moram na tapera de barro; a filha, o genro e três netos vivem na residência de alvenaria ao lado. As reuniões familiares se dão na casa de taipa, de frente para a televisão, com sinal da parabólica. A energia elétrica e alguns confortos por ela proporcionados chegaram muito antes do que a água tão procurada por Domingos nos sertões de Pernambuco e da Bahia.

Riqueza sob os pés

Há razões para acreditar em água boa sob os pés, pela abundância no poço artesiano a 300 metros. O vizinho não dá nem vende uma gota, e Domingos não tem dinheiro para uma perfuração. O carro-pipa tarda dois meses para voltar, e abastece só oito dos 16 mil metros cúbicos da cisterna. Se terminar antes, azar. O racionamento priva as crianças de uma brincadeira tão trivial quanto divertida: banho de mangueira. Sentiriam o peso do remorso por se darem o luxo de uma distração quando mal se tem para beber. Entre a sorte de ter uma parabólica e o azar de não ter água, Maria de Lurdes prefere uma inversão. “A água faz mais falta.”

Eles não estão sós. A seca avançou sobre outros 280 municípios além dos 1.135 que compõem o semiárido bra­­sileiro, região mais castigada pela pior estiagem em 50 anos, forjando dias instáveis a 22 milhões de pessoas. A Secretaria Nacional de Defesa Civil decretou situação de emer­­gência e estado de calamidade pública em 1.046 cidades. O saldo é aterrador. Pelas contas do Conselho Nacional de Pe­­cuária de Corte, a seca já levou um milhão de cabeças de gado. Metade morreu e a outra metade foi abatida antes da hora ou mandada para outras regiões.

Há um mês o governo brasileiro anunciou R$ 9 bilhões para o combate emergencial à seca e R$ 32 bilhões em barragens, canais, adutoras e estações elevatórias para garantir o permanente abastecimento de água no Nordeste. Porém, os projetos suscitam dúvidas. “Falta colocar foco no sujeito mais desassistido, que está no campo. Muitos têm energia elétrica, têm parabólica, alguns têm telefone, têm acesso à internet. Mas está faltando água”, destaca o professor de recursos hídricos da Uni­­versidade Federal do Rio Grande do Norte, João Abner Guimarães Júnior.

Doutor em hidráulica e saneamento pela Universidade de São Paulo, Abner joga areia na transposição da Bacia do Rio São Francisco, o grande orgulho do governo brasileiro no combate à seca. Para ele, não passa de um programa inócuo (leia mais na edição de quinta-feira). O problema não é a falta de água, mas a má distribuição. Grandes obras não darão cabo do sofrimento imposto pela estiagem, diz o agrônomo e pesquisador da Fundação Joaquim Na­­buco João Suassuna. As 70 mil represas do Nordeste acumulam mais de 37 bilhões de metros cúbicos de água. “Mas não existe uma política para captar e levar para quem precisa”.

Para ler a matéria completa, clique aqui>www.remabrasil.org/O Brasil dos sem-água

Fonte: Gazeta do Povo em Rema Brasil

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