A carteira de projetos já anunciados que o governo Bolsonaro pretende transferir para a iniciativa privada soma atualmente 115 ativos. Desse total, a promessa é que ao menos 64 sejam leiloados ainda neste ano, incluindo a venda de 6 estatais, o leilão do 5G, além de concessão de aeroportos, rodovias, ferrovias e até parques nacionais.
O número de leilões previstos para 2020 é maior que o realizado em 2019, quando o governo conseguiu tirar do papel 47 projetos (13 terminais portuários, 1 ferrovia, 1 rodovia, 12 aeroportos, 14 projetos de energia, 4 de óleo e gás e o leilão da Lotex).
Nesta semana, o governo decidiu mudar, pela segunda vez em um ano, a pasta que comanda as privatizações. O Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) deixou a Casa Civil do ministro Onyx Lorenzoni e, conforme foi publicado no Diário Oficial da União desta sexta-feira (31), passou a ser coordenado pelo Ministério da Economia de Paulo Guedes.
Para conseguir cumprir a agenda prevista para 2020, entretanto, o governo terá que vencer uma série de obstáculos, que inclui aval do Congresso para a privatização de estatais como a Eletrobras e Casa da Moeda. Também será preciso acelerar projetos que ainda não tiveram o modelo definido e não receberam autorização das agências reguladoras ou do órgão de controle, como é o caso do leilão do 5G e da parceria para a conclusão das obras da usina nuclear de Angra 3.
Levantamento feito pelo G1 a partir dos dados disponibilizados pelo PPI mostra que, dos 115 projetos já estruturados ou em fase de estudos, 45 são concessões e 18 privatizações. A lista ainda inclui arrendamentos, apoio a licenciamento ambiental, prorrogação de contrato e outros modelos de parceria ou venda de ativos.
As estimativas iniciais do governo são de ao menos R$ 264 bilhões em investimentos com os 115 projetos da carteira, principalmente nos setores de rodovias, ferrovias e energia, além de uma previsão inicial de arrecadação de mais de R$ 55 bilhões com venda de estatais.
Essa carteira de projetos foi apresentada a investidores nas últimas semanas em Davos e na Índia, e é tratada pelo governo federal como estratégica para garantir aumentar o volume de investimentos no país, diminuir gastos públicos, reduzir o tamanho do Estado e viabilizar uma maior abertura da economia brasileira.
Em janeiro do ano passado, o Mapa das Privatizações do G1 mostrou que o PPI reunia 69 projetos herdados do governo Temer. Em setembro do ano passado, o número estava em 119.
Leilões previstos para 2020
Dos 64 projetos federais que o governo quer transferir para a iniciativa privada neste ano, apenas 13 têm leilões previstos para acontecer no 1º semestre. A maioria dos projetos ainda está na fase de estudos técnicos e só deverá chegar na etapa de licitação a partir da segunda metade de 2020 – período que também será marcado pelas eleições municipais, o que historicamente costuma dificultar ou desacelerar o ritmo de aprovação de projetos no Congresso Nacional.
O cronograma atual do PPI informa apenas 4 leilões com data marcada.
O primeiro leilão do ano será o da BR-101 (SC), marcado para 21 de fevereiro, que deverá ser o último do setor de rodovias a ser concedido sem cobrança de outorga (taxa paga para o governo para explorar a concessão). A partir dos próximos, a modelagem terá um modelo híbrido, que prevê como critério para definir o vencedor da disputa, além da oferta de menor tarifa de pedágio, o pagamento de um valor para o Tesouro.
Para o dia 3 de março está marcada a abertura de envelopes das propostas para a primeira PPP (Parceria Público-Privada) do PPI: a da Rede de Comunicações integrada do Comando da Aeronáutica (Comaer), que irá transferir para o setor privado o gerenciamento do espaço aéreo brasileiro.
Veja abaixo os projetos previstos para o ano:
6 privatizações (Eletrobras, Casa da Moeda, Ceagesp, CeasaMinas, ABGF e EMGEA)
22 aeroportos (Bloco Norte, Sul e Central)
7 rodovias (BR-101-SC, BR-153/080/414-GO/TO, BR-381/262-MG/ES, BR-163/230-MT/PA, Dutra, Concer e CRT)
5 ferrovias (Ferrogrão, Fiol e renovações da Malha Paulista, EFVM e EFC)
9 terminais portuários
4 parques nacionais (Lençóis Maranhenses, Jericoacoara, Iguaçu e Aparados da Serra)
4 direitos minerários
1 leilão de óleo e gás (17ª Rodada)
3 projetos no setor de energia (Angra 3, leilão de geração A-4 e leilão de geração A-5)
2 PPPs (Comaer e comunicação das polícias)
1 leilão do 5G
Fluxo de projetos
Em entrevista ao G1, a secretária especial do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Martha Seillier, disse que o governo ainda avalia a inclusão de outros projetos na agenda de leilões para 2020. Entre eles, novos lotes de linhas de transmissão de energia. A próxima reunião do conselho interministerial está prevista para ocorrer ainda em fevereiro.
"A carteira do PPI é um fluxo. Tem projeto entrando e saindo o tempo todo. Temos a expectativa que volte para a carteira parte dos blocos de óleo e gás que não foram vendidas no ano passado", adiantou.
Sobre o desafio de realizar em um ano eleitoral projetos que dependem de aprovação de deputados e senadores, ela afirmou que a maior preocupação é em relação ao "timing" de votação no Congresso.
"O desafio do ano eleitoral é o calendário do Congresso. Todos os esforços têm que ser feitos para que a gente consiga aprovar os projetos de preferência no 1º semestre, porque sabemos que o calendário eleitoral envolve o afastamento de muitos parlamentares", avalia.
Além dos 64 projetos federais, o PPI prevê realizar em 2020 outros 15 leilões de projetos municipais que estão sendo estruturados com o apoio do governo federal, incluindo concessões de iluminação pública, de resíduos sólidos e na área de saneamento básico.
As 6 estatais que o governo quer privatizar em 2020
A Eletrobras segue como a primeira na fila de privatizações. O plano de privatizar a gigante do setor de energia mediante aumento de capital e venda do controle acionário foi anunciado ainda em 2017 durante o governo de Michel Temer, mas segue sem um cronograma definido.
O projeto de lei prevê que autoriza a capitalização e que a União fique com menos de 50% das ações da empresa foi enviado pelo governo Bolsonaro em novembro do ano passado ao Congresso, mas ainda enfrenta forte resistência de parlamentares, mesmo após a decisão do governo de incluir no Orçamento de 2020 a estimativa de arrecadação de R$ 16 bilhões com operação.
"A parte que cabia ao Executivo já foi feita. Agora, os próximos passos estão com o Congresso. Mas é tão importante que se viabilize neste ano que o orçamento de 2020 foi estruturado contando com a capitalização da Eletrobras até o final do ano", afirma a secretária.
A venda da Casa da Moeda aguarda, além da finalização das análises de precificação, a aprovação de medida provisória (MP), editada em novembro, que põe fim ao monopólio da estatal na fabricação de dinheiro (papel moeda e moeda metálica) e passaportes.
Já as outras privatizações previstas para o ano não dependem de aprovação legislativa, mas ainda aguardam a conclusão de estudos para definição não só do que será de fato vendido como também da eventual transferência de serviços prestados pela estatal para outros órgãos. No caso da Ceagesp e da CeasaMinas, por exemplo, a ideia é vender os imóveis e terrenos e transferir a administração desses entrepostos.
Estimativas do PPI considerando o valor de patrimônio líquido das estatais projeta uma arrecadação de ao menos R$ 37,9 bilhões com as 6 estatais que o governo quer privatizar em 2020.
Valor estimado de arrecadação com cada uma das 6 desestatizações:
Eletrobras: R$ 16 bilhões
Emgea (Empresa Gestora de Ativos): R$ 10,276 bilhões
Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo): R$ 5 bilhões
Casa da Moeda: R$ 2,3 bilhões
ABGF (Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias): R$ 2,827 bilhões
CeasaMinas: R$ 1,5 bilhão
Considerando também a venda de subsidiárias e coligadas de estatais como Petrobras e a redução de participações societárias detidas por empresas ou bancos públicos, o governo estima obter R$ 150 bilhões em 2020 com privatizações.
As outras 12 estatais da lista de privatizações
Correios (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos- ECT)
Porto de Santos - Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp)
Codesa (Companhia Docas do Espirito Santo)
Porto de São Sebastião (SP)
Telebrás
Dataprev (Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência)
Ceitec (Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada)
Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados)
CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos)
Trensurb - Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre
Nuclep (Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A)
EBC (Empresa Brasileira de Comunicação)
Segundo Seillier, além da necessidade de autorização do Legislativo para privatizar também empresas como Correios, outro desafio é estruturar modelos para áreas que nunca foram concedidas para a iniciativa privada, como é o caso dos grandes portos.
"O Porto de Santos está previsto para 2021. Mas a concessão de modelos que nunca foram feitos antes demanda análise regulatória cuidadosa para que depois possa ser replicada numa fábrica de projetos", afirma.
A secretária avalia ainda que é possível avançar com a agenda de privatizações, independente da intenção do governo de enviar ao Congresso projeto de lei propondo um "fast track" (caminho rápido) para a venda dos ativos públicos.
"A gente não precisa da autorização legislativa para avançar com o grosso das empresas. Precisa para alguma muito relevantes, mas que até o momento também não tem decisão do presidente Bolsonaro de avançar com elas, como é o caso do Banco do Brasil e Petrobras", diz.
O país tem atualmente 203 estatais, sendo 46 de controle direto e 157 subsidiárias, a maioria delas controladas pela Eletrobras (71), Petrobras (52) e Banco do Brasil (26), segundo último balanço divulgado pelo Ministério da Economia.
Investimento e dinheiro extra para o governo
O PPI foi criado em 2016, ainda no governo do presidente Temer, e desde então já transferiu para a iniciativa privada um total de 172 projetos. Segundo o último balanço da secretaria especial do PPI, os projetos viabilizados pelo programa já garantiram uma arrecadação de R$ 137,1 bilhões para o governo, além de uma estimativa de cerca de R$ 700 bilhões em investimentos ao longo dos próximos anos.
No 1º ano do governo Bolsonaro, 47 projetos leiloados no âmbito do PPI garantiram investimentos da ordem de R$ 446,2 bilhões e uma arrecadação R$ 90,7 bilhões, com a maior parte desses valores associados aos leilões do setor de óleo e gás.
Apesar da arrecadação com os leilões ter ajudado o governo federal a reduzir o tamanho do déficit em 2019, o discurso oficial é que o principal objetivo é alavancar os investimentos no país, reduzir gastos e otimizar a prestação de serviços públicos.
Conclusão de Angra 3
Entre as novidades da carteira do PPI para o ano está o projeto para a conclusão das obras da usina nuclear de Angra 3, paralisadas há anos. No lugar de estruturar o ativo como uma estatal, o governo decidiu optar por uma parceria com a iniciativa privada. O valor do investimento está estimado em R$ 17 bilhões e a ideia é que a empresa que vencer a licitação receba uma parte das receitas de geração de energia.
"É uma usina que ficou paralisada depois da Lava Jato. O valor necessário para finalizar o empreendimento e começar a gerar de fato energia não cabe dentro do orçamento do governo federal", afirma a secretária.
Parques nacionais
Está previsto para o 2º semestre do ano as primeiras concessões de parques nacionais no âmbito do PPI. O primeiro leilão deverá ser o dos parques de Aparados da Serra (RS) da Serra Geral (SC), que já foi colocado em audiência pública. Na sequência, serão licitados os parques de Jericoacoara, Lençóis Maranhenses e do Iguaçu, cuja atual concessão vence em 2020.
A modelagem prevê contratos de 30 anos mediante a melhor proposta de investimentos. "A ideia é garantir que o privado venha com obrigações mínimas de investimentos e que sejam focadas na preservação do parque e que permita uma melhor utilização e visitação dos parques com conforte e segurança para os turistas" diz Seillier.
Eletrobras, 5G e outras incertezas
Entre os analistas de mercado, as principais dúvidas em relação à viabilidade desses leilões previstos pelo governo para o ano dizem respeito não só à capacidade de articulação política do governo Bolsonaro no Congresso em um ano eleitoral, mas também à aprovação dos projetos pelo Tribunal de Contas da União, sem que haja necessidade de ajustes dos editais ou adiamentos.
Via de regra, o tempo médio para levar um projeto à leilão costuma demorar pelo menos 1 ano, podendo chegar a 3 anos. Esse tempo depende não só da realização de estudos de viabilidade como também de audiências públicas, aprovação do Tribunal de Contas da União e, em alguns casos, autorização legislativa.
O advogado especialista em infraestrutura e Direito Administrativo Maurício Zockun lembra que o cronograma dos projetos costuma mudar quando são submetidos à análise do TCU.
"O TCU desacelera estes projetos, pois realiza a análise prévia de editais de licitação, sendo este processo naturalmente moroso por envolver reexame inúmeros aspectos jurídicos e de economicidade. Nestas hipóteses, para que os programas de parcerias sigam adiante, faz-se necessária a realização de ajustes e modificações nos editais, como se deu, por exemplo, na licitação da Ferrovia Norte-Sul", afirma, lembrando os inúmeros adiamentos no cronograma da ferrovia leiloada no ano passado.
Especialistas ouvidos pelo G1 apontam a venda das estatais e o leilão do 5G como as maiores incertezas da lista de projetos previstos para o ano.
"Os projetos que dependem de atualização legislativa ou constitucional tendem a demorar mais, evidentemente. Quanto ao leilão da rede 5G também me parece pouco factível sua conclusão ainda em 2020. Tem-se visto tanto entraves técnicos como indefinições regulatórias que vêm dificultando a evolução desta agenda", afirma Fernando Vernalha, sócio do escritório VGP Advogados e especialista em infraestrutura.
O PPI estima que o leilão do 5G garanta ao menos R$ 20 bilhões, entre investimentos e eventual valor de outorga. Mas ainda não há definição sobre a modelagem da licitação, cuja proposta de edital ainda não foi aprovada pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A nova tecnologia também é um dos pontos da guerra comercial entre China e Estados Unidos.
"Por um lado, há problemas técnicos relacionados à convivência desta tecnologia com o sistema de TVs por satélite. E por outro a falta de consenso no conselho da Anatel quanto ao formato do leilão. Além disso, após estas definições, este edital teria de entrar em consulta para depois ir ao TCU, o que provavelmente jogaria a realização do leilão apenas para 2021", diz Vernalha.
Há otimismo do mercado, entretanto, em relação ao avanço no ritmo da agenda de concessões e privatizações no país.
"Em 2020, a agenda reformista não deve evoluir significativamente no Congresso, uma vez que estamos em ano de eleições. As constantes crises políticas também não devem ajudar. Resta, assim, a perspectiva de aceleração da atividade e planos de privatizações e concessões como atrativos", avaliou José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, em nota a clientes.
Dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) mostraram que o Investimento Estrangeiro Direto (IED) cresceu 26% em 2019, puxado pelas privatizações, o que fez o Brasil subir da 9ª para a 4ª colocação entre os maiores destinos dos fluxos de recursos para o capital produtivo, que inclui fusões e aquisições, construção de fábricas, infraestrutura e empréstimos.
"Provavelmente, seja o programa de desestatização mais abrangente do mundo atualmente. Não duvido que boa parte destes 64 projetos possa sair ainda em 2020, mas isso dependerá da capacidade do governo de concluir a sua estruturação e, ainda, do tempo de análise e da extensão das recomendações do TCU", resume Vernalha.
Por G1