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Orçamento apertado: com frustação de receitas, governo já congelou R$ 31,3 bilhões do Orçamento este ano e conta pode aumentar — Foto: Jorge William/Agência O Globo
Por Bernardo Lima, Bruna Lessa, Geralda Doca, Thaís Barcellos e Letícia Lopes — O Globo Brasília e Rio
Com um orçamento engessado por mais de 90% de gastos obrigatórios, a falta de recursos para investimentos e para a manutenção da máquina já afeta o dia a dia de instituições públicas no atendimento direto ao cidadão e à economia. É o caso de agências reguladoras, universidades federais, do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e das Forças Armadas, alguns dos órgãos que estão enfrentando dificuldades orçamentárias diante do aperto fiscal.
Neste ano, o Orçamento já tem congelamento de R$ 31,3 bilhões em gastos por causa de frustração de receitas e alta de despesas. É um número que representa 14,1% da verba não obrigatória dos órgãos e que pode crescer após a derrubada do decreto que elevou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
O bloqueio impactou diretamente as agências reguladoras, que tiveram corte médio de 25% de sua verba para este ano. O quadro agrava reduções orçamentárias que já vinham sendo vistas nos últimos anos. Para especialistas, como Juliana Inhasz, do Insper, só um ajuste estrutural de longo prazo poderá liberar recursos para investimentos e serviços básicos para a população. Caso contrário, há risco de apagão da máquina pública.
Pirataria à solta
Na extensa lista de exemplos de serviços afetados, a agência de telecomunicações, a Anatel, informou que a “restrição orçamentária atingiu diversos projetos em andamento”, entre eles ações de bloqueio de bets ilegais, combate à pirataria em TV por assinatura e iniciativas contra a desinformação junto ao Tribunal Superior Eleitoral.
A agência de mineração, a ANM, corre o risco de paralisar completamente a fiscalização de barragens, rejeitos e lavra ilegal, de suspender contratos de tecnologia da informação e segurança patrimonial e de interromper serviços administrativos. O órgão disse que opera “no limite” para dar conta de suas atribuições legais e que a limitação de recursos afeta diretamente atividades essenciais à segurança da população e à integridade do setor mineral.
A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) informou que, com o bloqueio, precisará parar atividades essenciais, mesmo adotando novos cortes de custos. O agendamento dos exames teóricos exigidos para obtenção de licenças e habilitações de profissionais como pilotos e mecânicos foi suspenso. Atividades como a supervisão e inspeção da conformidade de requisitos mínimos de segurança de operações e oficinas de manutenção podem ser reduzidas a até 60% do patamar planejado.
“O cenário é preocupante na medida em que pode aumentar o risco para as operações da aviação civil. Questões de segurança poderão passar despercebidas ou não serem corrigidas tempestivamente, elevando a possibilidade de incidentes ou acidentes aeronáuticos”, afirma o órgão.
“Autoridades de aviação civil de outros países têm manifestado formalmente a preocupação com capacidade de supervisão da segurança aérea no Brasil”, diz a agência. Segundo a Anac, isso pode resultar em restrições para companhias brasileiras em outros destinos, como os EUA, ou afetar parcerias comerciais.
Gastos vinculados
Robson Gonçalves, professor da FGV, frisa que mais de 90% dos gastos da União são obrigatórios, como salários, previdência e gastos vinculados à saúde e à educação. Os gastos primários somam R$ 2,3 trilhões:
— Existe limitação aos investimentos por conta da imposição de gastos vinculados.
No segmento de energia, a Aneel demitiu mais de 140 funcionários terceirizados na semana passada. Em carta, a associação dos servidores alertou que os cortes podem levar a serviços mais caros e menos confiáveis, atraso na modernização e inovação setorial, a afastar investidores e prejudicar usuários e consumidores.
Menos fiscalização
“A redução das fiscalizações aumentará os riscos de falhas no fornecimento de energia elétrica e o aumento dos períodos de reestabelecimento de serviços de energia elétrica falhados”, assinala o documento.
Sede da Aneel — Foto: Divulgação
Recorrer à Justiça foi a saída para a aposentada Elisa de Souza Santos Gonçalves, de 62 anos, após buscar a Aneel e não ter o problema com a concessionária de energia resolvido. Árvores da rua onde mora caíram nos fios e interromperam o fornecimento de luz, deixando a família às escuras por 24 horas.
Técnicos apontaram a necessidade de uma poda preventiva, mas esse serviço acabou sendo pago com recursos próprios. Ainda assim, a oscilação na energia queimou uma TV da família. Ela procurou a empresa, mas o ressarcimento não veio. Então, buscou ajuda junto à Aneel, mas o problema não foi resolvido.
— O problema não foi resolvido, a oscilação continua e não tem fiscalização — lamenta a aposentada.
Na ponta, especialistas avaliam que é crescente a dificuldade enfrentada por consumidores ao recorrer às reguladoras para solucionar problemas com a prestação de serviço de concessionárias de energia e água ou operadoras de telefonia.
— As queixas são registradas porque os canais são digitais, mas ter um retorno é muito difícil, muito demorado — observa o advogado Tarciso Amorim, presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB-RJ.
O enfraquecimento das agências, “última instância” para a solução administrativa de problemas com empresas dos setores regulados, pode resultar em um aumento da judicialização de questões que poderiam ser solucionadas de maneira mais célere e simplificada. É o que aponta Amanda Cunha, especialista em Direito do Consumidor do escritório Paschoini Advogados:
— Parece que estamos entrando num “vácuo” na proteção do consumidor.
Queda na qualidade dos serviços
Professor da FGV Direito SP, Fernando Eberlin diz que o principal risco é o coletivo, de queda na qualidade dos serviços das empresas com o enfraquecimento da fiscalização:
— As agências precisam de autonomia e estrutura financeira e organizacional. Se isso não é garantido ou é precarizado, a atuação é prejudicada.
No setor de petróleo, a ANP vai suspender o monitoramento de combustíveis. Outra ação é redução da pesquisa de preço de produtos.
Já a agência de água e saneamento, a ANA, diminuiu a frequência de manutenção das estações de monitoramento, essenciais para prever eventos extremos como secas e enchentes. Programas como o Qualiágua, que monitora a qualidade da água dos rios brasileiros, e o Progestão, que apoia a gestão estadual dos recursos hídricos, tiveram repasses suspensos.
A Rede Hidrometeorológica sofreu com o corte de metade das manutenções anuais, comprometendo a qualidade dos dados hidrológicos: “Há limitações nas ações de fiscalização presencial em açudes do Nordeste, no início do período de seca e de potencial aumento dos conflitos pelo uso da água na região”.
O presidente da Associação de Agências Reguladoras (Abar), Vinicius Benevides, diz que os órgãos enfrentam um sucateamento de seus quadros e estruturas, provocado por cortes históricos de governos na última década:
— Estamos chegando a um ponto que está colocando a regulação do país em xeque, está colocando a credibilidade de investir no país em xeque. Essa é a questão.
Veja quais serviços e órgãos estão sendo afetados
Falta de pessoal atrasa concessão de benefícios e provoca fila — Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
INSS tem fila crescente
A falta de pessoal é um dos principais fatores que levaram à disparada da fila de requerimentos do Instituto de Segurança Social (INSS). Ela começou o ano em 2,3 milhões de requerimentos, depois de já ter subido ao longo de 2024. E, em abril, chegou a 2,6 milhões, de acordo com o próprio órgão. Na elaboração do orçamento deste ano, o instituto já alertara o governo sobre a necessidade de recursos para manter o sistema previdenciário funcionando.
Atividades essenciais podem ser paralisadas por falta de recursos colocando em xeque a segurança aeronáutica — Foto: Ailton de Freitas - Agência O GLOBO
Anac aponta risco para segurança
A Anac disse que precisará parar atividades essenciais: “questões de segurança poderão passar despercebidas ou não serem corrigidas tempestivamente, elevando a possibilidade de incidentes ou acidentes aeronáuticos”. Segundo o órgão, autoridades de aviação civil de outros países têm manifestado formalmente a preocupação com a capacidade de supervisão da segurança aérea no Brasil. “A perda de confiança por parte desses órgãos pode resultar em restrições severas”.
Prédio da reitoria da UFRJ na Ilha do Fundão, no Rio: falta de luz e queda de parte do muro — Foto: Roberto Moreyra / Agência O Globo
Na UFRJ, de falta de luz a muro caído
Em novembro do ano passado, quinze prédios da maior universidade federal amanheceram sem luz, após a Light cortar o fornecimento por atraso das contas. No mesmo dia, a concessionária Águas do Rio cortou também o fornecimento de água em diversos pontos do campus. Foi necessário um repasse emergencial de R$ 1,5 milhão do Ministério da Educação para restabelecer os serviços. Na semana passada, um trecho do muro do CAp-UFRJ), na Lagoa, desabou.
Por Bernardo Lima, Bruna Lessa, Geralda Doca, Thaís Barcellos e Letícia Lopes — O Globo Brasília e Rio
Neste ano, o Orçamento já tem congelamento de R$ 31,3 bilhões em gastos por causa de frustração de receitas e alta de despesas. É um número que representa 14,1% da verba não obrigatória dos órgãos e que pode crescer após a derrubada do decreto que elevou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
O bloqueio impactou diretamente as agências reguladoras, que tiveram corte médio de 25% de sua verba para este ano. O quadro agrava reduções orçamentárias que já vinham sendo vistas nos últimos anos. Para especialistas, como Juliana Inhasz, do Insper, só um ajuste estrutural de longo prazo poderá liberar recursos para investimentos e serviços básicos para a população. Caso contrário, há risco de apagão da máquina pública.
Pirataria à solta
Na extensa lista de exemplos de serviços afetados, a agência de telecomunicações, a Anatel, informou que a “restrição orçamentária atingiu diversos projetos em andamento”, entre eles ações de bloqueio de bets ilegais, combate à pirataria em TV por assinatura e iniciativas contra a desinformação junto ao Tribunal Superior Eleitoral.
A agência de mineração, a ANM, corre o risco de paralisar completamente a fiscalização de barragens, rejeitos e lavra ilegal, de suspender contratos de tecnologia da informação e segurança patrimonial e de interromper serviços administrativos. O órgão disse que opera “no limite” para dar conta de suas atribuições legais e que a limitação de recursos afeta diretamente atividades essenciais à segurança da população e à integridade do setor mineral.
A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) informou que, com o bloqueio, precisará parar atividades essenciais, mesmo adotando novos cortes de custos. O agendamento dos exames teóricos exigidos para obtenção de licenças e habilitações de profissionais como pilotos e mecânicos foi suspenso. Atividades como a supervisão e inspeção da conformidade de requisitos mínimos de segurança de operações e oficinas de manutenção podem ser reduzidas a até 60% do patamar planejado.
“O cenário é preocupante na medida em que pode aumentar o risco para as operações da aviação civil. Questões de segurança poderão passar despercebidas ou não serem corrigidas tempestivamente, elevando a possibilidade de incidentes ou acidentes aeronáuticos”, afirma o órgão.
“Autoridades de aviação civil de outros países têm manifestado formalmente a preocupação com capacidade de supervisão da segurança aérea no Brasil”, diz a agência. Segundo a Anac, isso pode resultar em restrições para companhias brasileiras em outros destinos, como os EUA, ou afetar parcerias comerciais.
Gastos vinculados
Robson Gonçalves, professor da FGV, frisa que mais de 90% dos gastos da União são obrigatórios, como salários, previdência e gastos vinculados à saúde e à educação. Os gastos primários somam R$ 2,3 trilhões:
— Existe limitação aos investimentos por conta da imposição de gastos vinculados.
No segmento de energia, a Aneel demitiu mais de 140 funcionários terceirizados na semana passada. Em carta, a associação dos servidores alertou que os cortes podem levar a serviços mais caros e menos confiáveis, atraso na modernização e inovação setorial, a afastar investidores e prejudicar usuários e consumidores.
Menos fiscalização
“A redução das fiscalizações aumentará os riscos de falhas no fornecimento de energia elétrica e o aumento dos períodos de reestabelecimento de serviços de energia elétrica falhados”, assinala o documento.
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Recorrer à Justiça foi a saída para a aposentada Elisa de Souza Santos Gonçalves, de 62 anos, após buscar a Aneel e não ter o problema com a concessionária de energia resolvido. Árvores da rua onde mora caíram nos fios e interromperam o fornecimento de luz, deixando a família às escuras por 24 horas.
Técnicos apontaram a necessidade de uma poda preventiva, mas esse serviço acabou sendo pago com recursos próprios. Ainda assim, a oscilação na energia queimou uma TV da família. Ela procurou a empresa, mas o ressarcimento não veio. Então, buscou ajuda junto à Aneel, mas o problema não foi resolvido.
— O problema não foi resolvido, a oscilação continua e não tem fiscalização — lamenta a aposentada.
Na ponta, especialistas avaliam que é crescente a dificuldade enfrentada por consumidores ao recorrer às reguladoras para solucionar problemas com a prestação de serviço de concessionárias de energia e água ou operadoras de telefonia.
— As queixas são registradas porque os canais são digitais, mas ter um retorno é muito difícil, muito demorado — observa o advogado Tarciso Amorim, presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB-RJ.
O enfraquecimento das agências, “última instância” para a solução administrativa de problemas com empresas dos setores regulados, pode resultar em um aumento da judicialização de questões que poderiam ser solucionadas de maneira mais célere e simplificada. É o que aponta Amanda Cunha, especialista em Direito do Consumidor do escritório Paschoini Advogados:
— Parece que estamos entrando num “vácuo” na proteção do consumidor.
Queda na qualidade dos serviços
Professor da FGV Direito SP, Fernando Eberlin diz que o principal risco é o coletivo, de queda na qualidade dos serviços das empresas com o enfraquecimento da fiscalização:
— As agências precisam de autonomia e estrutura financeira e organizacional. Se isso não é garantido ou é precarizado, a atuação é prejudicada.
No setor de petróleo, a ANP vai suspender o monitoramento de combustíveis. Outra ação é redução da pesquisa de preço de produtos.
Já a agência de água e saneamento, a ANA, diminuiu a frequência de manutenção das estações de monitoramento, essenciais para prever eventos extremos como secas e enchentes. Programas como o Qualiágua, que monitora a qualidade da água dos rios brasileiros, e o Progestão, que apoia a gestão estadual dos recursos hídricos, tiveram repasses suspensos.
A Rede Hidrometeorológica sofreu com o corte de metade das manutenções anuais, comprometendo a qualidade dos dados hidrológicos: “Há limitações nas ações de fiscalização presencial em açudes do Nordeste, no início do período de seca e de potencial aumento dos conflitos pelo uso da água na região”.
O presidente da Associação de Agências Reguladoras (Abar), Vinicius Benevides, diz que os órgãos enfrentam um sucateamento de seus quadros e estruturas, provocado por cortes históricos de governos na última década:
— Estamos chegando a um ponto que está colocando a regulação do país em xeque, está colocando a credibilidade de investir no país em xeque. Essa é a questão.
Veja quais serviços e órgãos estão sendo afetados
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INSS tem fila crescente
A falta de pessoal é um dos principais fatores que levaram à disparada da fila de requerimentos do Instituto de Segurança Social (INSS). Ela começou o ano em 2,3 milhões de requerimentos, depois de já ter subido ao longo de 2024. E, em abril, chegou a 2,6 milhões, de acordo com o próprio órgão. Na elaboração do orçamento deste ano, o instituto já alertara o governo sobre a necessidade de recursos para manter o sistema previdenciário funcionando.
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Anac aponta risco para segurança
A Anac disse que precisará parar atividades essenciais: “questões de segurança poderão passar despercebidas ou não serem corrigidas tempestivamente, elevando a possibilidade de incidentes ou acidentes aeronáuticos”. Segundo o órgão, autoridades de aviação civil de outros países têm manifestado formalmente a preocupação com a capacidade de supervisão da segurança aérea no Brasil. “A perda de confiança por parte desses órgãos pode resultar em restrições severas”.
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Na UFRJ, de falta de luz a muro caído
Em novembro do ano passado, quinze prédios da maior universidade federal amanheceram sem luz, após a Light cortar o fornecimento por atraso das contas. No mesmo dia, a concessionária Águas do Rio cortou também o fornecimento de água em diversos pontos do campus. Foi necessário um repasse emergencial de R$ 1,5 milhão do Ministério da Educação para restabelecer os serviços. Na semana passada, um trecho do muro do CAp-UFRJ), na Lagoa, desabou.
Por Bernardo Lima, Bruna Lessa, Geralda Doca, Thaís Barcellos e Letícia Lopes — O Globo Brasília e Rio
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