domingo, maio 20, 2018

Fraude em doações de eleitores preocupa

O Tribunal Superior Eleitoral pretende trocar informações com a Receita Federal e outros órgãos. 

O início da arrecadação on-line para campanhas eleitorais na última semana reacendeu a discussão sobre a transparência das doações após a reforma eleitoral. Como elas serão mais restritas do que há quatro anos, ainda há dúvidas se o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) conseguirá trazer, com facilidade, informações sobre o doador para descobrir se está, indiretamente, ligado a uma empresa ou não. Apenas serão aceitos Cadastros de Pessoas Físicas (CPF).

A mudança passou a valer depois da minirreforma eleitoral, em 2015, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, por oito votos a dois, que empresas não poderiam mais financiar campanhas. Na tentativa de ganhar a corrida eleitoral, os candidatos tiveram que buscar meios de conseguir dinheiro. Os recursos do próprio bolso foram determinantes na campanha de 2016 do agora ex-prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB). Também devem ser para o pré-candidato à Presidência da República Henrique Meirelles, caso seja escolhido para disputar o cargo pelo MDB. Outra modalidade que pode conquistar novos fundos são as vaquinhas virtuais, como ficou conhecido o crowdfunding.

A ideia é que esse novo modelo possa aproximar o eleitor do candidato e oferecer maneiras para que o político consiga recursos. Com o veto aos financiamentos privados, a Justiça pretende barrar o “toma lá dá cá” entre empresas e políticos, em que os financiados, depois de eleitos, precisam aprovar medidas que favoreçam os doadores.

Por outro lado, como não haverá mais vínculo entre doações e o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), pode ser mais difícil saber se há ligação entre uma pessoa, com CPF, e uma empresa. “Seria ingênuo da nossa parte pensar que grandes atores econômicos vão aceitar ficar longe do processo. Mas agora ficou mais difícil”, diz a professora de direito da FGV Rio e procuradora-regional da República Silvana Batini.

De acordo com Batini, o uso de doações empresariais trouxe prejuízo para o processo político brasileiro. “O STF reconheceu que o CNPJ não tem vontade política, tem interesses”, afirmou. Batini reconhece a possibilidade de haver manipulação de CPF, inclusive fraudes, durante o processo, mas disse que impedir radicalmente isso “daria muito mais trabalho”. “Seria ingênuo imaginar que não vai haver fraude, mas é uma tentativa de priorizar a participação da cidadania, e não das bancadas econômicas”, avalia.

Apesar de a regra ter passado a valer nas eleições municipais de 2016, não é possível, segundo a procuradora, usar o parâmetro para comparar o resultado com outubro deste ano, já que as eleições nacionais têm características diferentes. Por isso, é a primeira vez que se vai se poder entender o impacto do fim da doação privada, assim como também verificar os resultados do crowdfunding — oficializado neste ano. Sobre o financiamento coletivo, Batini é categórica: “É importante para o candidato que não está em grandes partidos, e não vai ter muito dinheiro do fundo partidário. O candidato de sucesso será o que se vender melhor”.

Para o cientista político Geraldo Tadeu, a grande ideia das vaquinhas virtuais é fazer com que o próprio eleitor simpatizante contribua financeiramente com o candidato escolhido, e assim, aproximar o cidadão da política. No entanto, o grande desafio do TSE é dar transparência e fiscalizar as doações. “É claro que isso vai exigir dos órgãos de controle uma peneira maior, porque podem estar sendo usados laranjas para fazer a doação”, comenta o especialista, ao recordar casos em 2016 no qual foram usados nomes de pessoas mortas e de beneficiários do Bolsa-Família.

Segundo Tadeu, os possíveis “laranjas” correm muitos riscos. “Essas pessoas podem ser alvo de investigação da Receita e do Ministério Público. Em um esquema, seria necessário usar mais de 100, 200 pessoas para fazer doações. Basta que uma delas denuncie”, explica. O TSE garante que vai cruzar o dado dos doadores com outros órgãos, como a Receita Federal, para coibir as fraudes.

Plataforma

O CEO do Doação Legal, Luciano Antunes, ligada a “Vakinha.com”, um dos maiores do ramo no país, afirma que a empresa luta para impedir que haja fraude do doador. Por meio de um sistema de compliance, ou adequação, buscam a garantia de origem do dinheiro. “Conferimos se o CPF está ativo, se não faz parte de programas sociais, se o cartão usado é o do próprio doador, se não é estrangeiro”, conta. “O que a plataforma passa é segurança, transparência, validez. O TSE recebe na hora e o doador também consegue ver. Lá, temos tudo transparente: quem doou, como doou, quanto doou”, explica.

Até agora, a plataforma tem 493 pré-candidatos inscritos. De 80 a 100 pessoas entram com pedidos de novas parcerias por dia. A meta do site é de 1.500 candidatos nas eleições. “Acredito que talvez se supere, porque realmente a procura é grande”, diz.

Entre os novos clientes, há governadores, senadores, deputados, e até presidenciáveis. Por enquanto, a empresa fechou com o pré-candidato à Presidência da República Álvaro Dias (Pode-PR), mas Antunes diz ter parceria “encaminhada” com outros três. Até o fechamento desta edição, o senador já havia arrecadado R$ 1,9 mil. “Muita gente achava que os políticos não iriam entrar ou que as pessoas não iam doar, mas a gente está bem satisfeito com o resultado nesses primeiros dias”, completa Antunes.

Vaquinha virtual

Entenda mais sobre o financiamento coletivo das campanhas eleitorais:
» Desde 15 de maio, candidatos podem pedir dinheiro para as eleições por meio do sistema
» A ideia principal é colocar o eleitor mais próximo do candidato
» Poderão doar apenas pessoas físicas
» O limite máximo para a doação é de 10% do valor da renda declarada para a Receita Federal no ano anterior às eleições
» Até o momento, 20 plataformas para financiamento coletivo tiveram certificados aprovados pelo TSE
» Apesar de ter começado na semana passada e ser permitido aos políticos pedir doações, eles só podem pedir voto e fazer campanha depois de 15 de agosto, quando houver a homologação da candidatura.
» Até lá, todos os valores arrecadados ficarão retidos nas plataformas
» As empresas deverão divulgar a arrecadação nos próprios sites
» Depois da homologação das candidaturas no TSE em agosto, o dinheiro será repassado ao político
» A partir de 15 de agosto, o candidato deve prestar informações a cada 72h à Corte Eleitoral
» Caso haja desistência ou impedimento da candidatura, os valores captados devem ser devolvidos integralmente aos doadores

Correio Braziliense/Diário de Pernambuco

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