O que ambientalistas mais temiam foi anunciado ontem, no Dia Mundial da Água: a contaminação por metais pesados do Rio São Francisco, via Lago de Três Marias, em Felixlândia, na Região Central de Minas. De acordo com a Fundação SOS Mata Atlântica, que monitora o Rio Paraopeba desde o rompimento, em 25 de janeiro, da Barragem 1 da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Grande BH, foi constatada turbidez no centro do reservatório acima do aceitável (248 NTU), elevada concentração de metais pesados (manganês, ferro, cobre e cromo), “também muito acima do limite legal”, e diminuição da vida aquática, informou a coordenadora do Projeto Água da entidade, Malu Ribeiro.
“A situação preocupa muito, principalmente por que a temperatura da água do reservatório de Três Maria está acima do normal, pondo em risco a atividade dos criadores de tilápia”, disse Malu, explicando que foi coletada água para posterior análise em 12 pontos e a dois metros de profundidade, da Usina Hidrelétrica de Retiro Baixo, entre Curvelo e Pompeu, até Três Marias. Em três pontos em Felixlândia, incluindo a Ilha do Mangabal e Porto das Melancias, a situação da água é considerada regular. “Regular é estado de alerta”, destaca Malu.
A coordenadora da entidade explicou que, para evitar interferência de outros córregos, foram feitas as análises de metais pesados constatados no Paraopeba desde Brumadinho, onde foram despejados cerca de 12,7 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério na bacia hidrográfica, soterrando córregos como o Ferro Carvão. Nas pesquisas foram detectados rejeitos finos de metais pesados no meio e nas curvas da margem direito do lago, que recebe o Paraopeba. A grande preocupação dos ambientalistas, além da água imprópria para consumo, é o carreamento da chamada pluma ou onda de rejeitos de minério ao longo do leito do São Francisco em direção ao Oceano Atlântico.
Em nota, o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam)/Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), responsável pela análise do Governo de Minas, confirmou que os rejeitos chegaram à UH Retiro Baixo. No entanto, o órgão nega que a lama tenha chegado a Três Marias. De acordo com a direção do Igam, os rejeitos já percorreram cerca de 310 quilômetros e estão entre os municípios de Pompeu e Curvelo, no remanso do reservatório da usina de Retiro Baixo.
Ainda de acordo com o Igam, não é possível afirmar o período que a lama chegará ao reservatório de Três Marias. Atualmente, uma consultoria contratada pela Vale, dona da Barragem 1 de Brumadinho, está fazendo um estudo de transporte de sedimentos; a estimativa é que o trabalho fique pronto no início de junho. Enquanto o estudo não é finalizado, o Igam avalia o movimento da lama.
CONSUMO O relatório da Fundação SOS Mata Atlântica mostra que em apenas 6,5% dos rios da bacia da Mata Atlântica, a qualidade da água é considerada boa e própria para o consumo. Dos 278 pontos de coleta de água monitorados em um total de 220 rios, 74,5% apresentam qualidade regular, 17,6% são ruins e, em 1,4%, a situação é péssima. Nenhuma amostra foi considerada ótima. Os rios estão perdendo lentamente a capacidade de abrigar vida, de abastecer a população e de promover saúde e lazer para a sociedade, afirmam os técnicos.
A qualidade de água péssima e ruim, obtida em 19% dos pontos monitorados, mostra que 53 rios estão indisponíveis, com água imprópria para usos, devido à poluição e da precária condição ambiental das suas bacias hidrográficas, segundo a fundação.
O relatório traz ainda o balanço das análises feitas nos 220 rios, de 103 municípios dos 17 estados abrangidos pela Mata Atlântica. Nos 278 pontos monitorados, foram feitas 2.066 análises de indicadores internacionais que integram o Índice de Qualidade da Água (IQA), composto por 16 parâmetros físicos, químicos e biológicos na metodologia desenvolvida pela SOS Mata Atlântica.
A SOS Mata Atlântica considera que houve poucos avanços na gestão da água dos rios da bacia. Com o relatório deste ano, foi possível mensurar, pela primeira vez, a evolução dos indicadores de qualidade da água em todos os 17 estados abrangidos pela Mata Atlântica, comparando com o ciclo de monitoramento anterior, no ano passado, quando foram coletadas amostras em 236 pontos. (Com Pedro Lovisi)
Relatório da Vale divulgado ontem sustenta que o Rio Paraopeba poderá ser recuperado. Em testes de ecotoxicologia – que medem os efeitos dos elementos químicos em organismos sensíveis a alterações ambientais, presentes ao longo da bacia hidrográfica do Paraopeba e São Francisco, incluindo a sua foz, no Atlântico – não foi detectada alteração aguda. Ensaios com a bactéria Vibrio fisheri evidenciaram que as condições anteriores estão sendo mantidas após a passagem da pluma, sendo não tóxico para 97% das amostras. Já em relação às análises para medir a contaminação de peixes, os resultados demonstram ausência de toxicidade para 100% das amostras coletadas, sustenta a empresa.
'Contaminação química é inevitável'
Os reflexos da lama de rejeitos que vazou da Barragem 1 da Mina Córrego do Feijão da Vale devem contaminar toda a bacia do Rio São Francisco, com efeitos “para sempre”. A avaliação é do professor Ricardo Motta Pinto Coelho, docente aposentado do Departamento de Biologia Geral da Universidade Federal de Minas Gerais e atualmente lecionando no Departamento de Geociências da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), ao analisar o relatório da Fundação SOS Mata Atlântica que aponta o Parapoeba, um dos principais afluentes do Velho Chico, como um “rio morto” por causa dos estragos provocados pelas 12 milhões de toneladas de rejeitos que vazaram da represa da Vale.
Ricardo Pinto Coelho afirma que os metais pesados deixarão uma “nova química” na Bacia do São Francisco, com efeitos permanentes sobre a vida do Rio da Unidade Nacional. Além disso, segundo ele, será preciso gastar bilhões de dólares na recuperação dos danos ambientais provocados pelo desastre de Brumadinho, ocorrido em 25 de janeiro.
Antes de estudo divulgado ontem, apontando que parte dos rejeitos de Brumadinho já está na Hidrelétrica de Três Marias, portanto no leito do São Francisco, a organização não governamental SOS Mata Atlântica promoveu uma expedição com especialistas e pesquisadores pelo Rio Paraopeba, de 31 de janeiro a 9 de fevereiro, para avaliar os impactos da lama de rejeitos no curso d’água que é afluente do São Francisco. De acordo com o documento resultante, o manancial “está sem condições de vida aquática e de uso da água pela população”, com alta concentração de metais pesados como ferro, manganês, cromo e cobre.
Após ler o relatório da expedição, o professor Ricardo Motta Pinto Coelho, que passou a coordenar um grupo de trabalho sofre os efeitos ambientais da tragédia de Brumadinho, afirmou “não tem a menor dúvida” de que os metais pesados desceria pelo Rio Paraopeba e chegaria até o Reservatório da Três Marias, contaminando também o São Francisco. Segundo ele, trata-se de uma “contaminação química”, que não pode ser impedida pelas barreiras de contenção colocadas no leito do Paraopeba pela mineradora Vale.
“Essa contaminação (por metais pesados), pelas características de viscosidade e, principalmente, pela densidade desses rejeitos, é uma poluição difusa. Não existem barreiras físicas para a contaminação química. As barreiras podem diminuir a contaminação de turbidez, em pequeno grau, mas não a contaminação por metais pesados”, explica.
“Haverá uma ‘assinatura química’ (com efeitos permanentes) em toda Bacia do São Francisco. Disso não há dúvida. O que é discutível é se essa contaminação vai ultrapassar os limites legais – isso eu não posso garantir. Mas que haverá contaminação em toda a bacia, disso não tenho a menor dúvida”, sustenta o especialista.
Ao longo de 305 quilômetros do Rio Paraopeba, os estudiosos da Fundação SOS Mata Atlântica constataram que água já não tem condições de uso para consumo humano e animal. Dos 22 pontos analisados, 10 apresentaram resultado ruim e 12, péssimo. “Pela metodologia do índice de qualidade da água usada por eles, (o resultado) significa que o Rio Paraopeba está praticamente impedido de ter o seu uso liberado. Em muitos pontos, a qualidade da água é tão ruim que é desaconselhável seu uso da água para tratamento e depois para distribuição para a população”, alerta.
O professor Ricardo Motta Pinto Coelho salienta que a tragédia de Brumadinho provocou grandes danos ambientais, não somente pela poluição da água, mas também, como registra a Fundação SOS Mata Atlântica, pela devastação de mais de 100 quilômetros de vegetação nativa, dos quais 55 hectares de mata virgem. “É um desastre de proporções gigantescas, que vai exigir alguns bilhões de dólares para a recuperação ambiental”, destaca.
Ele cobra medidas que incluam a punição aos culpados pela tragédia de Brumadinho. “Se as pessoas forem, eventualmente, colocadas como responsáveis pelo desastre, que elas possam, de alguma maneira, ser punidas. Isso vale para instituições, empreendedores e também autoridades ambientais que tenham sido responsáveis pela emissão de licenças da barragem da Mina Córrego do Feijão. A sociedade espera que venham a ser responsabilizados e que eles venham a pagar efetivamente por esse enorme dano”, afirma Ricardo Pinto Coelho. (LR)
Estado de Minas
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Os rejeitos de minério que vazaram com o rompimento da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Grande BH, contaminaram o rio São Francisco. A afirmação foi feita pela Fundação SOS Mata Atlântica que, nesta sexta-feira (22), data em que se celebra o Dia Mundial da Água, divulgou o relatório “O retrato da qualidade da água nas bacias da Mata Atlântica".
O resultado do estudo, que aponta índices de turbidez e alguns metais acima do permitido por lei, foi contestado porém pela Agência Nacional das Águas (ANA), pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) e pelo Serviço Geológico do Brasil. Os órgãos oficiais dizem que o Velho Chico já estava contaminado antes mesmo do desastre ocorrido na cidade mineira.
A Vale também garantiu que a pluma de lama está contida no reservatório da Usina Hidrelétrica Retiro Abaixo, "e não acessou o rio São Francisco".
Relatório
Segundo a SOS Mata Atlântica, dos 12 pontos analisados do rio, nove estão em condições ruins e somente três estão regulares. A contaminação acontece, de acordo com a fundação, do Reservatório de Retiro Baixo, entre os municípios de Felixlândia e Pompéu, até o Reservatório de Três Marias, no Alto São Francisco. O laudo revela que a água está imprópria para consumo da população.
Nos pontos contaminados foram constatados turbidez acima dos limites aceitáveis pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Em alguns trechos, o indicador está seis vezes além do permitido. Além disso, as concentrações de ferro, manganês, cromo e cobre também estavam acima dos limites máximos permitidos na legislação. A coleta da água foi feita entre os dias 8 e 14 de março.
Os dados mostram, ainda, que a situação poderia ser pior. O estudo comprova que o Reservatório de Retiro Baixo está segurando o maior volume dos rejeitos de minério que estão sendo carregados pelo Paraopeba. "Apesar das medidas tomadas no sentido de evitar que os rejeitos atinjam o rio São Francisco, os contaminantes mais finos estão ultrapassando o reservatório e descendo o rio e já são percebidos nas análises em padrões elevados", destacou a fundação.
Manifestações
A ANA informou que, desde o dia 25 de janeiro, quando ocorreu o desastre em Brumadinho, faz o monitoramento da qualidade da água do Velho Chico. As análises, que acontecem em conjunto com o Igam e o Serviço Geológico do Brasil, não confirmam que os rejeitos da barragem já tenham passado da Usina de Retiro Baixo, antes da Usina de Três Marias e, portanto, antes do Rio São Francisco.
"Análise da qualidade da água do rio Paraopeba feita antes do evento da ruptura da barragem de Brumadinho já apontava níveis de contaminação, por ferro e alumínio, que mascaram a passagem da lama. Por exemplo, o rio Ribeirão das Almas, imediatamente a jusante de Retiro Baixo, lança muitos sedimentos no Paraopeba, o que pode confundir análises feitas sem contemplar as séries anteriores de dados", explicou o órgão.
A Vale também ressaltou que os rejeitos da Mina Córrego do Feijão não chegaram até o Velho Chico. "Esta afirmação está fundamentada na análise integrada do comportamento dos resultados de turbidez (até 20/03/2019) e metais (até 16/03/2019) que estão associados ao deslocamento da pluma", explicou a mineradora.
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A empresa ainda destacou que, diariamente, monitora 65 pontos nas áreas afetadas pelo desastre, "em pontos a jusante no rio Paraopeba, principais tributários, reservatórios de Retiro Baixo e de Três Marias, rio São Francisco e em pontos a montante não afetados."
A Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Semad) também foi procurada pela reportagem, e reforçou o posicionamento do Igam, afirmando que "não se observam alterações na qualidade das águas na estação de amostragem localizada a jusante da Usina Hidrelétrica Retiro Baixo que indiquem a chegada da pluma de rejeitos neste trecho".
Triste realidade
Não é só o rio São Francisco que está padecendo. No país, dos 278 pontos de coleta de água monitorados, em 49 (17.6%) a qualidade é ruim, e em 4 pontos (1,4%), péssima. Conforme o estudo, somente 18 pontos (6,5%) apresentam qualidade boa da água e nenhum dos rios e corpos d’água tem qualidade ótima.
“Os rios brasileiros estão por um triz. Seja por agressões geradas por grandes desastres ou por conta dos maus usos da água no dia a dia, decorrentes da falta de saneamento, da ocupação desordenada do solo nas cidades, por falta de florestas e matas ciliares que protegem os rios e nascentes e por uso indiscriminado de fertilizantes químicos e agrotóxicos. Nossos rios estão sendo condenados pela falta de boa governança“, afirma Malu Ribeiro, assessora da Fundação SOS Mata Atlântica, especialista em água.
Por Renata Evangelista - Jornal Hoje em Dia - MG