terça-feira, outubro 25, 2016

Com seca e sem carro-pipa, famílias ficam sem água no Sertão de PE

Famílias inteiras sofrem com a falta de água no Sertão de Pernambuco (Foto: Taisa Alencar/G1)
Reservatório do Assentamento Maria Gorete secou (Foto: Taisa Alencar/G1)

Com uma estiagem prolongada que já dura quatro anos no Nordeste, mais de duas mil famílias sofrem com a seca em comunidades de Petrolina, no Sertão de Pernambuco. O problema, que deveria ser amenizado com carros-pipa, piorou depois que os caminhões pararam o fornecimento na zona rural, por falta de pagamento do governo estadual.

A "Operação Carro-Pipa" é atualmente feita somente pelo Exército, que faz distribuição em cisternas comunitárias. Antes, o serviço contava com a parceria do Instituto Pernambucano Agronômico (IPA) e da Coordenadoria de Defesa Civil de Pernambuco (Codecipe). Os órgãos estaduais informaram que o calendário de pagamento passa por revisão e os débitos serão quitados, mas não deu uma previsão de quando o valor total será pago.



Segundo dados do Ministério da Integração Nacional, Pernambuco ocupa a terceira posição no ranking dos estados brasileiros em situação de emergência, com 68% dos municípios afetados pela forte estiagem. Dos 185 municípios, 125, estão em situação de emergência.

Os 90 pipeiros do IPA e da Codecipe paralisaram as atividades quando o pagamento foi suspenso. Eles alegam que falta dinheiro para o combustível e por isso é impossível continuar o serviço. Na sexta-feira (21), os débitos foram quitados em partes, mas os profissionais informaram que só voltam a realizar o trabalho quando o valor total for pago.


Onde falta água, quem tem algum tipo de renda consegue amenizar o sofrimento comprando abastecimento por caminhão-pipa, pagando entre R$ 100 a R$ 150. Mas, para muitos que estão desempregados, é preciso contar com o apoio de outros moradores. Nas casas não existe água encanada e tudo é muito regrado. Para algumas famílias falta água até para beber.

Famílias sem água

A agricultora aposentada Angélica Joana dos Santos, de 70 anos, nasceu e cresceu no povoado de Cristália, a 70 km de Petrolina. Mãe de três filhos, mora com um neto de 23 anos. Na casa simples, de taipa, com apenas um quarto, com uma rede, uma sala e uma cozinha, a agricultora fala dos dias difíceis sem água. Segundo a aposentada, o carro-pipa não chega à localidade há quatro meses.

“Água só vem agora quando alguém compra e divide um pipa e me dá. Aí dá para labutar. Já teve dia que não tinha um pingo de água para beber, nem para fazer comida. Se chegasse uma mulher para fazer uma colher de chá para um menino, não tinha. Ai eu fiquei quietinha aqui [quando faltou água], foi quando um neto meu chegou e pegou uns baldinhos de água em outra casa e eu consegui labutar”, contou.

A agricultora Maria Aline Carvalho, de 27 anos, também depende da solidariedade dos vizinhos. A cisterna da casa está vazia. A pouca água que resta em uma caixa d'água no quintal, é para beber, cozinhar e limpar a casa. Para dar banho nos dois filhos antes de ir para o colégio, Maria diz que terá que pegar com vizinhos.

“Antes a gente recebia o carro-pipa do IPA que vinha todo mês. Depois mudou para a Codecipe, a água vinha de três em três meses, mas já está com quatro meses que a minha não vem".

"A gente soube que eles não estão mais colocando por falta de pagamento. Estou pegando água na casa do vizinho. Não tenho condições de comprar, estou sem trabalhar. Já chegou dia de não ter nada de água em casa. A gente tem muita vontade de ir embora, devido a essa situação”, desabafou Maria Aline

A barragem do Assentamento Maria Gorete, em Cristália, onde a família de Pedro da Conceição da Silva, de 58 anos mora, secou. O agricultor divide a casa com a mãe e um irmão deficiente físico. A água para os animais vem de um riacho quase seco. Mas, para os trabalhos de casa, o carro-pipa é comprado a R$ 130.

“De julho para cá não recebemos mais água. Antes, de mês em mês vinha. Tem o do Exército, mas é um pipa só para seis famílias. Agora a solução é comprar. Tem a alimentação da gente, a ração dos animais. A gente tem que diminuir a feira, para comprar água. É tirar de onde não tem para comprar. E eles não dizem para a gente o que é que está acontecendo, porque parou de entregar água”, explica.

O agricultor Germerson Alves de Lima mora com a mulher e duas filha a poucos metros da casa de Pedro. No corpo, o sertanejo exibe marcas de um acidente que sofreu ao cair da laje de um riacho, ao tentar pegar água para matar a sede dos poucos animais que sobraram onde mora.

Desde que mudou para o local, há um ano, nunca recebeu ajuda de carro-pipa. “Já entramos em contato com os órgãos para solicitar água para a gente e até hoje nada. Nunca recebemos nenhum carro. A gente pega aqui com os vizinhos. A cisterna da gente está rachada porque tem muito tempo que não recebe água, não presta mais, está inutilizada”, disse.

Pipeiros
De acordo com o movimento dos pipeiros, cerca de 90 carros-pipa atendiam as comunidades rurais de Petrolina. Por mês, eram abastecidas cisternas de mais de 6,5 mil pessoas pelo IPA e pela Codecipe. A falta de pagamento aos profissionais se tornou pública na última segunda-feira (17), após um protesto sobre a falta de pagamento pelos órgãos responsáveis.

O IPA e a Codecipe informaram que o serviço de carro-pipa está dentro das ações de emergência de convivência com a estiagem e atende municípios do semiárido pernambucano, reconhecidos em situação de emergência, através de decreto. Os órgãos estaduais informaram que o calendário de pagamento está sendo revisado e os débitos serão quitados, mas não deu uma previsão. A nota diz que desde o início da gestão já foram investidos mais de R$ 50 milhões no serviço de carro-pipa.

O Exército esclareceu que para viabilizar a logística de distribuição, a sistemática adotada para a ‘Operação Carro-Pipa’ é a de abastecimento, prioritariamente, em cisternas comunitárias. Em Petrolina existem 466 pontos de abastecimento, beneficiando 19 mil pessoas.

Chuvas
Segundo a Agência de Águas e Climas de Pernambuco (Apac), nos meses de julho, agosto e setembro a seca aumentou no Sertão. Choveu 30% a menos do que o esperado para o período. De acordo com o órgão, em 2012 choveu 75% abaixo da média. Em 2013, a porcentagem foi de 40%; em 2014, 18%, e em 2016, até o momento, choveu 49% abaixo do esperado.

Das quatro barragens localizadas em Petrolina e monitoradas pela agência, três estão com 0,0% do volume e uma tem apenas 0,33%. Os reservatórios entraram em colapso entre os anos de 2009 e 2012.

O boletim da Apac também indica que a falta de chuvas contribuiu para o aumento da temperatura. Um dos agravamentos da seca é a ocorrência do fenômeno El niño, no início do ano. Mas, segundo meteorologistas, o El Niño começou a perder força e no lugar começa a aparecer a La Niña, que tem o efeito contrário e favorece as chuvas, o que pode mudar o cenário climatológico em 2017.

Taisa Alencar
Do G1 Petrolina

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