terça-feira, outubro 28, 2014

Os erros do PSDB na quarta derrota seguida para o PT

Os estragos da tática eleitoral tucana

Tucanos próximos ou mais distanciados do ninho podem continuar se desentendendo sobre erros e acertos da campanha. Mas chegam a um consenso que se impõe: finalmente, esgotou-se, na quarta derrota para o PT, a tática eleitoral de que o PSDB é o pai da estabilidade e das conquistas sociais dos últimos 15 anos.

Também não teve o alcance esperado o argumento de que o partido poderia representar a moralidade no combate à corrupção e à volta da inflação. Enfim, o PSDB ficou repetitivo nas suas teses e terá de se acomodar na oposição por mais quatro anos.

O que aconteceu? O ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros, do primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, diz que o partido pode não ter entendido direito o que se passou no país que a própria sigla ajudou a mudar:

— A sociedade brasileira é outra. E o PSDB tem dificuldade de reconhecer que, durante o governo Lula, houve melhoria expressiva.



Mendonça entende que as melhorias começaram a se esgotar no governo Dilma, com o baixo crescimento. Mas não o suficiente para que o eleitor passasse a ver Aécio como alternativa ou herdeiro das virtudes de FH:

— O Plano Real está tão longe, muito distante, principalmente dos jovens.

O ex-ministro está entre os que se afastaram do comando e da militância do PSDB, mantendo apenas a torcida. O distanciamento o faz admitir que o partido errou ao falar mais para o mercado e menos para o eleitor:

— Armínio Fraga (ex-presidente do Banco Central, anunciado na campanha como ministro da Fazenda de um eventual governo Aécio) representa a ala liberal do partido. Mas reconheço que se trata de um grande economista.

O PSDB que nasceu social-democrata teria amplificado sua feição pró-mercado, o que foi explicitado nas declarações de Armínio durante a campanha. O partido enfrentou esses desacertos e uma muralha de obstáculos erguidos pelo PT, enumerados pelo cientista político Bolívar Lamounier, considerado um dos últimos pensadores de expressão dos tucanos. Lamounier é filiado ao PSDB e se mantém fiel aos projetos partidários:

— O PSDB enfrentou a máquina do governo, usada descaradamente por Dilma, enfrentou recursos financeiros maiores, entre lícitos e ilícitos, uma campanha contínua, que não mudou de marqueteiro desde 2010, e um TSE notoriamente parcial a favor do governo.

Segundo Lamounier, tem mais:

— O partido enfrentou o carisma de Lula e o PT, partido que, bem ou mal, mantém o maior número de identificações populares. Enfrentou, sobretudo, o megacurral eleitoral que Lula criou no Nordeste, conduzindo o Bolsa Família numa perspectiva partidária.

O cientista vê, como aspectos positivos, o fato de que o partido se revigorou, com a volta da militância, e se refez como sigla, enquanto "as picuinhas internas deixaram de predominar". E acrescenta:

— Fernando Henrique foi decisivo. Se eu destacasse uma diferença em relação às campanhas anteriores, seria a atuação superlativa do ex-presidente, aparando arestas, estruturando uma visão programática e se pronunciando o tempo todo, por todos os meios possíveis.


Saída dos pioneiros e crise de identidade

Fernando Henrique havia sido praticamente escondido nas três campanhas anteriores (duas de Serra e uma de Alckmin). Aécio o reabilitou, trazendo-o ao primeiro plano da campanha como idealizador do Plano Real e operador do combate à inflação. Mas a presença da maior estrela tucana não foi suficiente para desfazer uma verdade: o PSDB perdeu brilho como ideia.

O ex-presidente é, ao lado de Lamounier e outros poucos, um dos remanescentes dos cérebros tucanos que deram lastro às suas formulações e sustentaram a viabilidade do partido como projeto inovador, desde a sua criação, em 1988.

O partido sofreu deserções importantes. O economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, ministro da Administração e Reforma do Estado, no primeiro governo tucano (1995 a 1998), o mais influente teórico do PSDB sobre o que viria a ser o social-liberalismo de centro-esquerda, desligou-se em 2011. Um de seus fundadores, desiludiu-se com a prevalência do comando das forças liberais. Fez campanha aberta para Dilma, até em propaganda de TV.

Outro teórico de peso, o economista Paulo Renato Souza, ministro da Educação tucano (1995 a 2002), coordenador dos dois programas de governo de FH, morreu em 2011. As perdas se acumularam. O filósofo José Arthur Giannotti, militante respeitado, sempre ouvido nos piores momentos, desistiu de torcer para o PSDB. Em entrevista em setembro ao jornal O Estado de S.Paulo, disse que o partido não soube enfrentar o fato de que o lulismo se apoderou dos projetos e da retórica que estavam na formação tucana:

— O PT se transformou em interlocutor das forças capitalistas e populares, o que era o projeto da social-democracia.

E previu, acima das questões partidárias:

— Aécio não vai ganhar.

Giannotti anteviu "um partido estilhaçado", mas com "alguns governadores e senadores fortes" e questionou a capacidade de Aécio de se apresentar como a renovação.

— Aécio não conseguiu firmar uma liderança realmente decisiva. Voltará a ser uma liderança do PSDB, mas não mais a ponta da pirâmide.

A divisão ideológica no partido seria representada, segundo o filósofo, pelo núcleo paulista: a ala do senador eleito José Serra, à esquerda, e o grupo do governador reeleito Geraldo Alckmin, à direita.

O economista gaúcho Pedro Cezar Dutra Fonseca, professor da UFRGS, foi um dos fundadores do PSDB no Estado. Bem antes de Bresser, no final dos anos 1990, percebeu que os tucanos haviam se aproximado das ideias do liberalismo econômico e se afastado das suas origens. Decidiu então deixar a direção executiva.

Fonseca segue a linha de raciocínio de Giannotti: o PT se apropriou dos projetos do PSDB e deixou o partido sem discurso e sem poder de articular uma proposta alternativa como oposição.

— O PT manteve a estabilidade e ampliou a distribuição de renda.

Não funcionou nem mesmo a tentativa do PSDB de passar a ideia de que está de volta uma inflação alta ou descontrolada.

— Não há um descontrole. É um falso alarmismo — diz Fonseca.

A inflação está, no entanto, no centro das preocupações do economista Alexandre Schwartsman, um dos mais implacáveis críticos da política econômica. Schwartsman, ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central (2003 a 2006), não considera baixa uma inflação ao redor de 6,5% ao ano.

É um dos frustrados com o fracasso da candidatura de Aécio, porque imaginava que só o PSDB poderia executar correções na economia que o PT vem adiando. Mas apenas torcia pelo mineiro, pois não tem ligação partidária com os tucanos.

— Francamente, prefiro uma vitória da oposição — disse, na semana passada.

Schwartsman entende que o governo adia sacrifícios que envolvem ajustes fortes nas contas públicas, correção das defasagens dos preços administrados (combustíveis e energia) e adoção de medidas capazes de restabelecer a confiança de quem produz:

— O governo mantém uma política de distribuição de favores a empresas, e não de estímulo à competição. E tenta dizer que não há crescimento por causa de problemas externos, quando se sabe que não dá mais para associar mau desempenho interno ao momento da economia internacional.

O economista observa que — com a anunciada saída de Guido Mantega — a escolha para a Fazenda de um nome com aceitação no mercado, que compense a frustração dos que esperavam Armínio Fraga como ministro, é improvável. Até porque, de qualquer forma, quem mandará de fato na economia de mais um mandato petista, sustenta ele, não será o ocupante do cargo.

— O ministro da Fazenda se chama Dilma Rousseff. O presidente do Banco Central chama-se Dilma Rousseff — diz Schwartsman.

Para desencanto de tucanos, antipetistas, antilulistas e antidilmistas, por mais quatro anos.

* Zero Hora

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