terça-feira, agosto 06, 2013

A voz das ruas e as ouvidorias públicas: uma questão de direitos humanos


O conselheiro Dirceu Rodolfo, ouvidor do Tribunal de Contas de Pernambuco, publica artigo intitulado: “Voz das ruas e as ouvidorias públicas: uma questão de direitos humanos”. Nesta produção, ele destaca, dentre outros tópicos, como as ouvidorias podem contribuir para o diálogo entre cidadãos e órgãos públicos. Confira abaixo a íntegra do texto.

A voz das ruas e as ouvidorias públicas: uma questão de direitos humanos

As manifestações nas ruas, com justas reivindicações por melhorias nos serviços públicos e no combate à corrupção, colocam como desafio, para todas as autoridades públicas, engendrar meios para um diálogo direto com os cidadãos. As ouvidorias, já existentes em muitos órgãos e poderes públicos, são basilares para buscar este bom colóquio entre sociedade civil (organizada ou não) e autoridades. 

Não podemos descuidar que a interação do cidadão comum com os poderes públicos governamentais passa pela educação em sentido amplo. Podemos ver na obra do filósofo Sócrates, do período clássico da Grécia antiga, a importância do diálogo como método de educação. Segundo Sócrates, o diálogo direto entre interlocutores era o fundamental. Para o filósofo ateniense, educar era despertar o “espírito”, fazendo com que o educando, através do diálogo sem obstáculos, alcançasse a “iluminação” de sua consciência e inteligência.

O povo está excessivamente distante dos poderes públicos, como podemos constatar da voz das ruas. É indubitável a falta de diálogo direto entre o povo e as autoridades públicas. Os órgãos e poderes públicos descuidaram da função de educar, através do diálogo (no sentido socrático), sobre a participação do cidadão comum na coisa pública. Na verdade, este importante ofício das autoridades, de cultivar a participação direta do cidadão nos assuntos públicos, deixa muito a desejar. Não há diálogo, não há interação, mas sim “encastelamento” das autoridades nos gabinetes, alheias ao povo. É veemente a reprovação da população desta omissão das autoridades.

O cidadão comum participar diretamente do governo de seu país não é uma necessidade surgida em junho, ou mesmo neste século. É um direito inato, reconhecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que estabeleceu em seu artigo XXI: “Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos. Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto”. A participação direta do cidadão no governo é, portanto, um direito humano fundamental.

Nestes tempos de Internet, redes sociais e “aldeia global”, é urgente a criação de mecanismos efetivos de diálogo direto e respeitoso entre o cidadão comum e as autoridades “encasteladas”. O voto na urna, de quatro em quatro anos, não basta. O cidadão brada por ser ouvido agora. A democracia representativa deve ceder espaço à democracia direta, sem quaisquer desdouros aos representantes eleitos da sociedade.

As ouvidorias deveriam ser a ligação entre o cidadão e as autoridades. Entretanto, infelizmente, ainda são órgãos muito acanhados em todas as esferas da administração pública brasileira. Da parte do cidadão, há um copioso desconhecimento do verdadeiro potencial das ouvidorias de órgãos públicos, apesar das recentes luzes lançadas pela Lei Federal de Acesso à Informação. Da parte dos poderes públicos, ainda é pequeno o número de ouvidorias, sendo que, quando existentes, muitas obliteram sua verdadeira tarefa, querendo ser uma defensora disfarçada das falhas do serviço público. As ouvidorias devem ser os verdadeiros representantes do cidadão comum dentro dos órgãos públicos, esquecendo a prática repreensível de ser um “escudo” contra reclamações.

Diante das ruas exigindo novas posturas, as ouvidorias devem estar preparadas para tornar efetivo o direito humano de participação na gestão pública. O cidadão não pode temer o contato direto com um órgão público. As ouvidorias precisarão receber e responder as reclamações, críticas e sugestões dos cidadãos. As respostas devem ser rápidas, claras e conclusivas. O cidadão tem direito de receber dos órgãos públicos, através de suas ouvidorias, informações sobre a gestão pública praticada; sobre as medidas adotadas para melhor qualidade dos serviços públicos; e sobre os controles das verbas públicas.

As ouvidorias são os órgãos fundamentais para o aumento de democracia direta exigido pelas ruas. A participação direta do cidadão na gestão pública é uma questão de direitos humanos. Os órgãos públicos precisam despertar para o real papel das ouvidorias.

*Dirceu Rodolfo de Melo Júnior é ouvidor do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE)

Fonte: TCE-PE

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