domingo, julho 28, 2013

Holocausto brasileiro: Manicômio de Minas Gerais exterminou 60 mil pessoas


Controlar os meios para criar uma sociedade de bem nascidos. Esse é o significado original do conceito de “eugenia”, criado em 1883 pelo antropólogo inglês Francis Galton (1822-1911), primo de Charles Darwin (1809-1882). O termo ganhou forte conotação negativa após a eugenia nazista, a pedra fundamental da ideologia de pureza racial que culminou no Holocausto, como ficou conhecido o extermínio de milhões de pessoas em campos de concentração europeus durante a Segunda Guerra Mundial. Caso o leitor considere o assunto distante de nossa realidade, basta dizer que as mesmas ideias de “limpeza étnica” embasaram um genocídio silencioso cometido no Hospital Colônia de Barbacena, em Minas Gerais.

Foram pelo menos 60 mil mortes no hospício, onde apenas 30% dos “pacientes” tinha diagnóstico de doença mental. A maioria dos internos fazia parte de minorias excluídas do convívio social, como epiléticos, mendigos, alcóolatras, homossexuais, prostitutas, meninas grávidas violentadas ou que perderam a virgindade antes do casamento. A instituição foi criada em 1903 com 200 leitos, e alcançou a marca de cinco mil pacientes na década de 1960. 

A matança foi tema de uma premiada série de reportagem produzida em 2011 pela repórter Daniela Arbex, do jornal Tribuna de Minas, agora transformada no livro Holocausto brasileiro (Geração, 256 páginas, R$ 39,90). “Em 2009, um entrevistado me mostrou fotos do manicômio tiradas por Luiz Alfredo e publicadas na revista O Cruzeiro. Nenhuma daquelas imagens me remetia a hospital, e sim a campo de concentração. As pessoas conhecem Barbacena como ‘a capital dos loucos’, sobretudo aqui em Minas Gerais, mas quase ninguém sabe o que se passava de fato em Colônia”, diz a autora.


Levantamento

Durante um ano, a jornalista investigou as crueldades cometidas naquele local ao longo das décadas. Descobriu que, ao chegarem, as pessoas tinham os cabelos raspados e eram rebatizadas. Pacientes comiam ratos, bebiam água do esgoto ou urina, dormiam sobre capim, eram espancados e violados. Alguns morriam de frio, fome e doenças. Às vezes os eletrochoques eram tantos e tão fortes, que a sobrecarga derrubava a rede do município. “Havia uma omissão coletiva. Quem sabia dos atos violentos, ou participava deles, preferia fingir que aquilo não estava acontecendo. A violência foi naturalizada, banalizada”, comenta Daniela Arbex.

Mesmo cinco décadas após ter conhecido in loco a realidade do manicômio, o repórter fotográfico Luiz Alfredo ainda guarda na memória o que viu e registrou. “Diferente do trabalho de um profissional que vai para a África e encontra cenas de miséria por lá, cheguei em Barbacena sem saber direito o que estava fazendo e sem saber o que iria encontrar. De repente vi tudo aquilo. Fiz imagens chocantes”.

No Hospital Colônia, cerca de 16 pessoas morriam por dia. Corpos eram vendidos ou decompostos em ácido para viabilizar o comércio das ossadas. Entre 1969 e 1980, mais de 1,8 mil corpos foram vendidos para faculdades de medicina de todo o país, sem que ninguém questionasse. Em valores atualizados, renderam R$ 600 mil. A realidade de Barbacena começou a mudar a partir dos anos 1980, quando a reforma psiquiátrica ganhou força.


Um dos cabeças do movimento antimanicomial, o psiquiatra italiano Franco Basaglia visitou a instituição em 1979. Logo em seguida, convocou coletiva de imprensa para dar a seguinte declaração: “Estive hoje num campo de concentração nazista. Em lugar nenhum do mundo presenciei tragédia como essa”. À afirmação, somou-se o documentário Em nome da razão, gravado dentro do Hospital Colônia por Helvécio Ratton, considerado o “golpe de misericórdia” de Barbacena. Reformulado, o local abriga hoje cerca de 160 pacientes.

Para ler a matéria completa, no Diário de Pernambuco, clique aqui>Antecâmara da morte: manicômio brasileiro exterminou 60 mil pessoas


Reportagem de Fellipe Torres no Diário de Pernambuco

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