O comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, — Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo
O general, no entanto, tentou atenuar a trama golpista, dizendo que os instrumentos estão previstos na Constituição e que, por isso, não lhe causou "espécie". A versão apresentada foi questionada pelo ministro Alexandre de Moraes, relator da ação, que considerou que a fala estava diferente do que o militar havia dito à Polícia Federal (PF) no ano passado. No fim da audiência, o ministro leu trechos do depoimento, que foram confirmado por Freire Gomes.
No depoimento à PF concedido em março de 2024, Freire Gomes relatou a participação de Bolsonaro em discussões de cunho golpista. Segundo o relato do militar, comandante do Exército à época, o então chefe do Executivo apresentou, em reuniões no Palácio da Alvorada, três diferentes "institutos jurídicos" que permitiriam uma ruptura antidemocrática após a vitória de Luiz Inácio Lula na Silva nas urnas.
Ao ser questionado na audiência desta segunda-feira, Freire Gomes confirmou ter sido chamado pelo ex-presidente para discutir o documento, mas minimizou o conteúdo ao dizer que as medidas previstas estão previstas na Constituição. O argumento é o mesmo utilizado pela defesa de Bolsonaro quando trata do assunto.
— Foram só lidos alguns considerandos e nesses considerandos constavam aspectos que remetiam a uma possível GLO, Estado de Defesa ou de Sítio. Mas muito superficial — afirmou ele. — O presidente apresentou apenas como informação e nos disse que era apenas para que nós soubéssemos que estava desenvolvendo um estudo sobre o assunto. Não nos demandou qualquer opinião sobre o assunto. (...) Ele apresentou esse apanhado de considerandos, todos eles embasados em aspectos jurídicos, dentro da Constituição. Por isso não nos causou nenhuma espécie, porque não havia nada que chamasse atenção, algo diferente disso.
Apesar disso, Freire Gomes disse ter alertado Bolsonaro que ele poderia ter "um problema sério" e ser "implicado juridicamente" caso os levasse os planos apresentados na reunião à frente. Na ocasião, disse que seria necessário apoio tanto interno quanto externo para que pudesse adotar qualquer das medidas discutidas.
— Eu alertei ao senhor presidente, com toda a educação, dentro de um aspecto bastante cordial, de que as medidas que eventualmente ele quisesse tomar, ele deveria atentar para os diversos aspectos, desde os apoios, seja nacional ou internacionalmente, desde a questão do próprio Congresso, da parte jurídica, e que tudo isso poderia desencadear aí numa situação em que ele, se não tivesse esses apoios e não jogasse efetivamente o processo dentro dos aspectos eminentemente jurídicos iria ter um problema sério, podia inclusive ser implicado juridicamente nisso.
O ex-comandante do Exército também confirmou que na última versão do documento apresentado a ele havia a determinação de prisão de autoridades, e que "acha" que a ordem era contra Moraes:
— No último contato que nós tivemos com esse documento, que nós tomamos conhecimento, fazia referência, sim, de alguma coisa com relação à prisão de autoridade. Acho que, no caso, era o ministro Alexandre de Moraes.
Também em depoimento à PF, o ex-comandante da Aeronáutica Carlos Almeida Baptista Junior afirmou que Freire Gomes teria dito que caso Bolsonaro tentasse aplicar uma das medidas utilizadas, teria que prendê-lo. Nesta segunda, Freire Gomes afirmou que não deu "voz de prisão" ao então presidente:
— Não aconteceu isso de forma alguma. Acho que houver uma má interpretação.
Questionamento de Moraes
Moraes advertiu Freire Gomes após o militar falar sobre a participação do ex-comandante da Marinha Almir Garnier nas reuniões no Alvorada. O ex-comandante do Exército afirmou que não viu "conluio" na postura de Garnier na ocasião.
— O almirante Garnier, acho que ele também foi surpreendido por aquilo tudo ali. Não me lembro dele ter dito que...Ele apenas demonstrou, vamos dizer assim, o respeito ao comandante em chefe das Forças Armadas. Não interpretei como qualquer tipo de conluio.
Moraes afirmou que a versão era diferente do que ele disse à PF e alertou que uma testemunha não pode mentir:
— A testemunha, ela não pode omitir o que sabe. Eu vou aqui dar uma chance à testemunha de falar a verdade. Se se mentiu na polícia, tem que dizer que mentiu na polícia. Agora não pode, agora, perante o Supremo Tribunal Federal. falar que não entra, que talvez, que estava focado somente no que eu pensava...— afirmou o ministro, acrescentando em seguida: — Comandante, ou o senhor falseou a verdade na polícia ou está falseando a verdade aqui.
Freire Gomes, então, disse que Garnier afirmou a Bolsonaro que estaria com ele, mas que não poderia "inferir" o que ele quis dizer com isso:
— O almirante Garnier tomou essa postura de ficar com o presidente. Apenas a diferença, ministro Alexandre, é que eu não posso inferir o que ele quis dizer com “estar com o presidente”. Foi isso que eu quis dizer. Agora, eu não omiti o dado. Eu sei plenamente que eu o que eu falei e reafirmo, ele disse que estava com o presidente. Agora, a intenção do que ele quis dizer com isso não me cabe.
Além de Moraes, que conduziu a audiência, outros três ministros da Primeira Turma também acompanham os depoimentos, que ocorreram de forma virtual: Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, e Luiz Fux.
As audiências fazem parte da ação penal apenas do chamado “núcleo crucial” da suporta organização que teria tentado um golpe de Estado. São oito réus nesse processo, incluindo Bolsonaro e o ex-ministro Walter Braga Netto.
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