Centro da cidade de Ibimirim (PE) - foto: divulgação/internet
O primeiro surto de Doença de Chagas aguda registrado em Pernambuco tem causado uma onda de boatos e deixado a população de Ibimirim amedrontada. A cidade, localizada no Sertão, virou epicentro do problema por ter recebido um grupo de 77 pessoas durante a Semana Santa, das quais 27 apresentaram sintomas característicos de Chagas. A secretaria de Saúde do município, contudo, afirma que não há, por enquanto, qualquer indício de que a contaminação tenha acontecido dentro da cidade. Segundo o órgão, três pessoas teriam, inclusive, apresentado sintomas antes de chegar ao evento, o que amplia o perímetro da investigação epidemiológica.
De acordo com a saúde de Ibimirim, algumas pessoas já teriam chegado à cidade apresentando, pelo menos, diarreia. “Fizemos uma varredura na escola onde o grupo ficou hospedado, chegamos a interditar um bebedouro, e visitamos várias casas do entorno. Verificamos tudo, até embaixo dos colchões, onde o barbeiro costuma se esconder. Mas nada foi encontrado. Também fizemos uma inspeção num campo de futebol que fica atrás da escola e não encontramos nada”, afirmou o coordenador de Vigilância Sanitária de Ibimirim, Josseles Emmnuel Santos. “Há uma possibilidade de que a contaminação tenha acontecido no percurso dos participantes do encontro até Ibimirim”, acrescentou o coordenador da Atenção Básica da cidade, Ariel Souza.
Equipes da Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE) passaram três dias em Ibimirim. A investigação permanece, para tentar encontrar o mosquito barbeiro no município sertanejo. Outra linha de apuração está se concentrando em visitar os locais onde teriam sido comprados e manipulados os alimentos levados para o local do evento. Parte dos alimentos foi comprada no Recife e em Arcoverde. Além de encontrar o porquê do surto, as autoridades de saúde querem amenizar os ânimos da população, que desde a última sexta-feira está assustada com as informações circulantes. Mensagens chegaram a ser compartilhadas em aplicativos de smartphone, dizendo que cidades com a presença do triatomíneo (barbeiro) deveriam ser evitadas, o que não é uma recomendação oficial.
Na escola onde o grupo de religiosos ficou hospedado, na qual estudam mais de 300 alunos, parte dos pais e responsáveis chegaram a orientar os filhos a não irem para as aulas. O município afirmou, entretanto, que não há motivos para isso, já que os indícios são de que a contaminação não ocorreu no espaço. Equipes foram até o local, tirar dúvidas e esclarecer a comunidade escolar, que também está tratando da temática nas salas de aula.
Em função do medo gerado, a secretaria de saúde de Ibimirim chegou a veicular uma nota oficial na cidade, na qual esclarece que os acometidos pela doença são moradores de outras localidades. “Salientamos que até o momento não existem casos confirmados da doença nos residentes de Ibimirim”, diz o documento, publicado no dia 31 e assinado pelo secretário de saúde José Nilton de Carvalho. Em nota, a SES afirmou que, dos 77 participantes do evento, 67 já fizeram coleta de sangue para análise. Até o momento, 23 resultados de laboratório positivaram para Chagas, sendo que 27 pessoas no total estão tomando a medicação do tratamento, por apresentarem sintomas.
Nessa quarta-feira (5), o número de internações no Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc) aumentou. Ao todo, 11 pessoas já foram internadas, sendo que quatro receberam alta. Todos os participantes do evento, ocorrido em abril, estão sendo convocados para investigar a presença do tripanosoma cruzi (protozoário responsável pela transmissão) no organismo e iniciar o acompanhamento, que poderá durar anos. Todos os investigados são de uma congregação religiosa que estava em missão em Ibimirim. Parte deles teria se hospedado em uma escola da cidade, a outra em casas de moradores locais.
Pernambuco iniciará notificação compulsória de Doença de Chagas crônica
Pernambuco será o segundo território do país a realizar a notificação compulsória para Doença de Chagas crônica. Em encontro realizado em Brasília, nesta semana, o estado recebeu sinalização positiva para realizar a notificação de todos os casos. Até então, apenas os agudos eram notificados, o que não permitia dimensionar a população convivendo com Chagas e, em consequência, mediar políticas públicas de atenção a todos os doentes. A notificação é importante, sobretudo, porque, de cada dez casos, sete não apresentam nenhum sintoma e não podem ser identificados na fase aguda, impedindo o tratamento para cura e ampliando as chances de doenças cardíacas e digestivas futuras.
A ideia inicial era começar a notificação neste mês, o que precisou ser adiado em função do surto agudo. Atualmente, a estimativa da população com Doença de Chagas crônica no Brasil varia entre 1,9 milhão e 5 milhões. “São números muito distantes entre si. Se você não tem números exatos, não há política pública para isso. O que temos hoje são ilhas de excelência, como é o caso de Pernambuco”, explicou a médica hematologista da Casa de Chagas e do Procape Cristina Carrazzone, que esteve no Distrito Federal para audiência pública no Congresso Nacional acompanhada da paciente da Casa de Chagas Joanda Gomes.
De acordo com Carrazzone, entre a contaminação e o surgimento dos sintomas, pode haver uma demora de até 30 anos. “É uma doença muito silenciosa. Cerca de 30% dos pacientes poderão evoluir com doença crônica no intestino, no coração e, mais raramente, com doença neurológica”, acrescentou. Para ampliar o diagnóstico e o tratamento, Pernambuco está descentralizando o serviço e capacitando equipes no interior. Há cinco anos, foi criada a Rede Chagas PE.
“Em qualquer município, as pessoas podem fazer o teste, há controle entomológico e assistência. O próximo passo é utilizar as Unidades de Pronto Atendimento Especialidades (UPAEs) para que os pacientes realizem os exames cardiológicos e de gastroenterologia nas suas regionais. As unidades de Caruaru, Limoeiro, Belo Jardim e Garanhuns já foram visitadas. Até o fim deste semestre, o planejamento é visitar todas as UPAEs”, adiantou Carrazzone.