Alguém, algum dia, já chorou no chuveiro. Eu já chorei. Nem sempre precisa de razões claras. Talvez por razões passadas, histórias ancoradas no porto de cada ser, ali onde a dor não se ossifica, não se faz concreta, não mostra sua face.
A sinfonia dos pingos impede ouvir os soluços e suspiros. O choro é engolido; lágrimas salinas se misturam à água potável do banho. O ralo leva consigo as sujeiras que estão entranhadas na alma. Os filhos não precisam saber os motivos da fraqueza. Ao sair do banho, devem sair limpos corpo e alma.
Nem sempre a dor tem razão. Dói porque dói, por não ser outra coisa, por ser apenas dor. Há dias que somos tocados pela dor. Ela se aloja em algum lugar do corpo. Mas nem sempre a causa é observável, física.
A medicina é fascinante. Conviver com a dor, contê-la, aliviá-la. Gosto de pensar também em outra medicina. Naquela que trata dores que não são detectáveis por radiografias e exames . Acredito que a palavra é a chave que dá acesso às realidades mais sofridas e inomináveis da vida humana.
A exemplo, já ouvi a frase: “Não sei o que tenho, sinto uma dor aqui dentro, mas não sei onde dói”. A dor que não se localiza é aquela diante da qual fazemos a experiência do limite. Reverencio, me calo. Nem sempre o remédio é o discurso. Por vezes o silêncio cura bem mais rápido. Porém, não há receitas mágicas.
Naquele pequeno espaço entre o box e a porta, uma ducha derramando-se permanentemente, diante do que queremos e do que possuímos, no embaçado do vidro escrevemos como dedo: Bendito seja o chuveiro que se fez pauta para a poesia da vida
Por: Fernando Batista