Og Fernandes autorizou prisões, buscas e o afastamento de quatro desembargadores e dois juízes da Bahia. As ordens judiciais foram cumpridas nesta terça-feira (19) em operação da Polícia Federal no estado.
Fernandes determinou buscas relacionadas a 22 pessoas e quatro prisões temporárias, de cinco dias prorrogáveis por mais cinco dias.
Foram afastados das funções por 90 dias, prazo que pode ser prorrogado, e estão proibidos de acessar o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) e de se comunicar com servidores:
Gesivaldo Britto - desembargador presidente do TJ-BA;
José Olegário Monção, desembargador do TJ-BA;
Maria da Graça Osório, desembargadora e 2ª vice-presidente do TJ-BA;
Maria do Socorro Barreto, desembargadora e ex-presidente do TJ-BA (2016-2018);
Marivalda Moutinho, juíza de primeira instância
Sérgio Humberto Sampaio, juiz de primeira instância.
Foram presos:
Adailton Maturino dos Santos - advogado e se apresenta como cônsul da Guiné-Bissau no Brasil;
Antônio Roque do Nascimento Neves - advogado;
Geciane Souza Maturino dos Santos - advogada e esposa de Adailton Maturino dos Santos;
Márcio Duarte Miranda - advogado e genro da desembargadora Maria do Socorro Barreto Santiago.
Em nota, o TJ-BA informou que foi surpreendido com a ação e que ainda não teve acesso ao conteúdo do processo. Segundo o comunicado, a investigação está em andamento, mas todas as informações dos integrantes do TJ-BA serão prestadas, posteriormente, com base nos Princípios Constitucionais.
Ainda na nota, o órgão informou que o 1º vice-presidente, desembargador Augusto de Lima Bispo, assumirá a presidência da Casa temporariamente, seguindo o regimento interno. (Confira nota na íntegra no final da reportagem).
O G1 entrou em contato com a defesa dos presos e dos magistrados afastados, mas até a última atualização desta reportagem, não obteve resposta.
Conforme a decisão que autorizou as buscas, prisões e afastamentos, o inquérito foi inicialmente aberto para apurar possível venda de sentença no Tribunal de Justiça, em 2013 e 2014, pelos desembargadores Maria da Graça Osório e Gesivaldo Britto, hoje presidente do tribunal.
No entanto, conforme o Ministério Público Federal (MPF), a análise de dados telefônicos e bancários obtidos com autorização judicial revelou "uma teia de corrupção, com organização criminosa formada por desembargadores, magistrados e servidores do TJ-BA, bem como por advogados, produtores rurais e outros atores do estado, em um esquema de venda de decisões para legitimação de terras no oeste baiano, numa roupagem em que se têm em litígio mais de 800 mil hectares".
Segundo o processo, a área citada é cerca de dez vezes a capital do estado, Salvador.
Conforme o pedido do MPF de prisões, afastamentos e buscas, as medidas seriam "o único meio de debelar mecanismo de dissimulação e ocultação das eventuais vantagens".
O ministro Og Fernandes, relator do caso, considerou que há "elementos de convicção harmônicos e coerentes entre si" para a autorização da medidas.
Segundo o ministro, o esquema consiste na atuação de advogados e servidores como intermediadores de decisões vendidas por juízes e desembargadores da Bahia, a fim de realizar um gigantesco processo de grilagem na região do oeste baiano, com o uso de laranjas e empresas.
Um único cidadão, o borracheiro José Valter Dias, tornou-se o dono de uma fazenda de 360 mil hectares, cinco vezes a área de Salvador.
A suposta grilagem foi alvo de apuração no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O caso teria a participação da empresa JJF Holding, com capital de R$ 581 milhões, na qual José Valter Dias tem 5% do capital.
"O que se pode perceber pelas informações contidas nos autos e pelas informações do MPF é que se vislumbra a possível existência de uma organização criminosa, na qual investigados atuaram de forma estruturada e com divisão clara de suas taregas para a obtenção de vantagens econômicas por meio da prática, em tese, dos crimes de corrupção ativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro", disse o relator Og Fernandes.
Falso cônsul
Um dos principais suspeitos no esquema, o empresário Adailton Maturino, cuja esposa detém cerca de metade das ações da JJF Holding, é apontado como o idealizador do esquema no TJ da Bahia.
Maturino se apresenta falsamente como cônsul da Guiné-Bissau e juiz aposentado, segundo o processo. Ele tem 13 CPFs em seu nome e relações com o borracheiro que se tornou "de forma repentina" dono de uma terra imensa na Bahia.
A embaixada, segundo o ministro Og Fernandes, chegou a emitir ofício qualificando Adailton como diplomata e cônsul honorário. Mas, o Ministério das Relações Exteriores informou que o governo brasileiro "não autorizou, em qualquer momento", a designação como agente diplomático.
"É falsa a informação contida nos ofícios (...) enviados pela embaixada de Guiné-Bissau no Brasil".
De 2013 a 2019, Adailton Maturino teria movimentado R$ 33 milhões sendo que não se comprova a origem de R$ 14 milhões. Diálogos mostram, segundo a decisão, "uma enormidade de gastos" de Adailton com festas e luxos, incluindo contratação de shows de cantores famosos.
"O MPF argumenta que Adailton sentou-se na primeira fileira na posse de Gesivaldo Britto na presidência do TJBA", diz o processo.
Leia a íntegra do Tribunal de Justiça da Bahia
O TJ-BA foi surpreendido com esta ação da Polícia Federal desencadeada na manhã desta terça-feira (19/11/19). Ainda não tivemos acesso ao conteúdo do processo. O Superior Tribunal de Justiça é o mais recomendável neste atual momento para prestar os devidos esclarecimentos. A investigação está em andamento, mas todas as informações dos integrantes do TJBA serão prestadas, posteriormente, com base nos Princípios Constitucionais.
Pelo princípio do contraditório tem-se a proteção ao direito de defesa, de natureza constitucional, conforme consagrado no artigo 5º, inciso LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes."
Ambos são Princípios Constitucionais e, também, podem ser encontrados sob a ótica dos direitos humanos e fundamentais. Logo, devem sempre ser observados onde devam ser exercidos e, de forma plena, evitando prejuízos a quem, efetivamente, precisa defender-se.
Quanto à vacância temporária do cargo de presidente, o Regimento Interno deste Tribunal traz a solução aplicada ao caso concreto. O 1º Vice Presidente, Desembargador Augusto de Lima Bispo, é o substituto natural.
Por Mariana Oliveira, TV Globo — Brasília