A crise financeira e o desemprego forçam o cidadão a procurar alternativas de sobrevivência, uma dessas é a comercialização de produtos alimentícios preparados ou ao natural. Quem percorre a cidade de Petrolândia já percebeu que tem aumentado nas principais avenidas o número de barracas e pontos de comercialização de alimentos dos mais variados tipos. Queijos, leite cru e aves abatidas, por exemplo, são vendidos em bancas, sem refrigeração nem observância dos critérios de manipulação de alimentos, sob aparente omissão dos órgãos de vigilância sanitária.
Para esclarecimentos, inicialmente procuramos Vigilância Sanitária na Secretaria de Saúde para saber a quem competia fiscalizar o comércio de alimentos nas ruas. Lá, fomos orientados a procurar o escritório local da Adagro. A Adagro, por sua vez, esclareceu que sua atribuição é fiscalizar as barreiras (pontos de controle da entrada e circulação de produtos de origem animal no Estado) e que a fiscalização no comércio de Petrolândia é obrigação da Vigilância Sanitária do próprio Município.
Então, para falar sobre este e outros assuntos, a reportagem do Blog de Assis Ramalho entrevistou Dr. João de Sá Novaes, responsável pela Unidade Local de Sanidade Animal e Vegetal da Agência de Defesa e Fiscalização Agropecuária de Pernambuco (Adagro). Subordinada à Gerência Regional de Serra Talhada, a Ulsav-Petrolândia atua no próprio município e em Inajá, Tacaratu e Jatobá. Suas atribuições são atender casos emergenciais, como suspeitas de focos de enfermidade, realizar inspeções tanto na área animal como na vegetal e emitir documento fiscal.
Situação do Matadouro Público de Petrolândia
O primeiro tema na pauta da entrevista foi a situação do Matadouro Público de Petrolândia. No dia 14 de março deste ano, a Promotoria de Justiça da Comarca de Petrolândia instaurou Inquérito Civil (reproduzido na íntegra no final desta entrevista) para averiguar as condições de funcionamento do estabelecimento, situado na periferia da cidade. O inquérito é amparado pelo "Programa Carne de Primeira", Ação Estadual do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) destinada a coibir o abate, transporte e comércio de carnes fora dos padrões exigidos pela legislação. São citados a prestar informações o prefeito de Petrolândia, Ricardo Rodolfo, a Secretaria Municipal de Saúde, a Agência Estadual do Meio Ambiente (CPRH) e a Gerência Regional da Adagro.
Ao iniciar a entrevista com Dr. João, pedimos detalhes sobre a fiscalização do Matadouro Público e sobre a situação que levou à abertura do Inquérito Civil pelo MPPE.
Dr. João - O Sr. Promotor, através de um ofício, solicitou um relatório do Matadouro Municipal de Petrolândia. Eu, juntamente com outros colegas, que fazem parte da Inspeção Animal, fomos ao Matadouro e fizemos um relatório em que nós constatamos, realmente, algumas irregularidades. Tinha pontos positivos, mas também tinha coisas que precisavam de uma correção, como por exemplo, a parte de higiene, de limpeza, e, inclusive, também cabe à CPRH se pronunciar sobre a questão da localização do Matadouro. Em seguida, eu recebi [outro ofício] do Sr. Promotor, que eu vou ter que responder, onde ele cobra quais as providências que foram solicitadas à Prefeitura para realização de mudanças a serem realizadas no Matadouro. Então, eu adianto que, na verdade, a Adagro, quando notificada pelo Ministério Público de Pernambuco, tem a obrigação de constatar e fazer o levantamento minucioso, e fazer um relatório para o Promotor. No entanto, o Matadouro Público é municipal, [a fiscalização dele] não é competência da Adagro. A lei 1.283, de 18 de dezembro de 1950, determina exatamente a competência de cada órgão do Estado. Portanto, [a fiscalização] cabe à Vigilância Sanitária Municipal, porque a Adagro [não fiscaliza], no caso desse matadouro, [porque] ele não tem registro na Adagro, ele não tem registro no Estado. O registro dele é municipal, portanto, caberia à Vigilância Sanitária Municipal exigir do prefeito, da autoridade competente, as modificações coerentes para que o matadouro continue funcionando, ou mesmo o Promotor de Justiça, baseado no relatório feito pela Adagro, é quem deve solicitar da Prefeitura as modificações. Então, a Adagro pediu, sim, que a Prefeitura apresentasse uma planta [das instalações prediais] para que a Adagro analise, para ver se está dentro dos regulamentos, para que seja analisado, para que possa dar andamento. Mas, em antemão, eu digo que não é competência da Adagro. Solicitado pelo Promotor, nós fazemos um relatório, mas, indicar os erros, o que está errado, para o prefeito e notificá-lo a corrigir, isso cabe à Vigilância Sanitária [de Petrolândia] e ao Ministério Público Estadual.
Erradicar o abate clandestino de animais é uma das preocupações do Ministério Público, nas ações do Programa Carne de Primeira. Dr. João também falou sobre como denunciar pontos de abate clandestino e alertou para os riscos do consumo de carnes não inspecionadas.
Dr. João - [A denúncia] é com o Ministério Público, mas primeiro [o consumidor] deve procurar a Vigilância Sanitária Municipal para denunciar. Caso a Vigilância Municipal não tenha punho, não tenha condições concretas para efetuar esse trabalho que, às vezes, deve procurar o apoio policial, deve-se procurar o Ministério Público, através do Promotor. Na verdade, é que eu sempre digo: o fechamento de um matadouro nem sempre resolve o problema da falta de higiene das carnes que são comercializadas. Não é só fechar o matadouro, tem que fiscalizar também o abatimento clandestino e coibir. Eu sempre digo que, na verdade, o melhor fiscal que existe é a dona de casa, ou o dono da casa , que deve prestar bastante atenção nos produtos que estão à venda. Não é só observar a questão de preços, é ver também a questão da procedência da carne. Investigue o vendedor, veja de onde está vindo essa carne, porque muitas vezes ela está vindo [diretamente] da zona rural. Existe uma doença chamada
clostridiose, e algumas pessoas de pouco caráter - vamos dizer assim -, aproveitam a carcaça e traz [para a cidade] e ficam vendendo nos restaurantes, nas vizinhanças... Vou dar um exemplo pra você. Um bovino, por exemplo, portador de raiva, em que ele perde o equilíbrio e vai para o chão. Ele [o dono do animal], conhecedor de que aquilo é raiva e que aquele animal vai morrer - não estou dizendo [todos] os proprietários, porque são raridades de pessoas que têm essa conduta -, aproveitam o animal. Eles abatem, chama outra pessoa que se sujeita a esse trabalho errado e traz [para vender] para o consumo humano. Vou citar outro caso, por exemplo, o animal portador de brucelose. Ele vai para o abate e é aproveitado. Então, onde está a questão aí? Está na Vigilância Sanitária Municipal competente. A Vigilância Municipal ela tem que atuar, não só no Mercado [Público], no açougue, mas também em todos os lugares que ela souber que está havendo venda de carne, para coibir esse tipo de comércio.
A fiscalização de agrotóxicos também é uma das atribuições da Adagro. Dr. João comentou o panorama em Petrolândia e também falou sobre a recente Campanha Itinerante de Recolhimento de Embalagens de Agrotóxicos.
Dr. João - Eu diria que, hoje, uma boa parte dos agricultores do município de Petrolândia já tem uma certa educação sanitária neste sentido, na área vegetal. Ele já começa a armazenar de forma correta os vasilhames utilizados nas roças, no caso, os agrotóxicos. É tanto que nesse recolhimento agora foi comprovado, através do recolhimento de mais de cinco caminhões de vasilhames. Antes, era normal aterrar, queimar etc. Mas, com um trabalho educativo, feito principalmente pela Adagro, os agricultores estão começando a entender que, na verdade, é necessário [devolver as embalagens dos agrotóxicos] para não intoxicar a terra e o rio. A Adagro também faz um trabalho nas propriedades, com recomendação sobre a utilização do agrotóxico. Não é só preocupado com o vasilhame, mas também com a aplicação do agrotóxico. Você imagine, por exemplo, a tomate, que é colhida praticamente duas vezes por semana, em que o produtor está aplicando agrotóxico duas vezes por semana, quando na verdade a carência é de quinze dias. Então, ele está levando veneno para a mesa do consumidor. Então, esse é um trabalho da Adagro, que vai continuar e cada vez mais forte.
O entrevistado falou também sobre a campanha contra a febre aftosa, realizada anualmente em duas etapas, em maio e novembro.
Dr. João - Essa semana, eu recebi um ofício do Ministério da Agricultura em que está determinando, não só para Pernambuco, mas para os outros estados do Nordeste, que na próxima campanha de maio nós vamos vacinar todos os rebanhos, mas, a partir de novembro, na segunda etapa, nós vamos vacinar apenas os animais com idade inferior a 24 meses. Por que se chegou a essa conclusão? Porque foi feita uma sorologia em Pernambuco, depois de muitos anos sem constatar nenhum foco de febre aftosa, em que não existia o vírus circulante. Nós não encontramos no soro sanguíneo nada do vírus presente nos animais. Por exemplo: durante o período em que eu trabalho aqui em Petrolândia, nós já constatamos muitas raridades, mas nenhum caso de brucelose. A brucelose é uma doença muito perigosa. Por exemplo, o consumidor do leite e do queijo - principalmente cru - poderá contrair essa doença, que é [provocada por] uma bactéria e causa problemas sérios no homem e é incurável. Não se cura brucelose. Portanto, tem que ter muito cuidado com o consumo de leite e queijo cru. Não vou dizer que não consuma, mas é preciso saber a procedência do leite e do queijo e não consumir cru, de preferência consumir o queijo assado e o leite bem fervido.
Tradicional, o consumo de peixes durante a Quaresma e na Semana Santa faz aumentar a procura por peixes nesse período. Dr. João falou sobre a piscicultura, apoiada na região pela Adagro, e alertou para a necessidade de fiscalização do comércio do produto.
Dr. João - Tem que se intensificar a fiscalização [dos pescados] durante a Semana Santa, como em as outras semanas, mas os peixes aqui da região - dos piscicultores - eles estão sendo monitorados por mim. Eu constatei, inclusive, que algumas pisciculturas estavam tendo uma mortalidade um pouco acima do normal, provocado pela alta temperatura. Á água do rio São Francisco chegou a 30 graus, e isso é um predisponente para que entre a bactéria que provoca a mortalidade de peixe. Mas, ultimamente, com as últimas chuvas, a temperatura ficou amena e reduziu essa mortalidade. Mas quero dizer que nós [da Adagro] estamos trabalhando no desenvolvimento da piscicultura que é muito importante para Pernambuco. Eu fui a uma reunião no Ministério da Agricultura, em que o [então existente] Ministério da Pesca, disse que Pernambuco produzia 25 mil toneladas por ano. Então eu disse pra ele o seguinte: que estavam faltando dados, porque na verdade só de Belém de São Francisco, passando por Petrolândia, a Jatobá, nós estamos produzindo mais de 20 mil toneladas [por ano]. Eles estavam desorientados com os números, mas é porque muitos [produtores] estão vendendo de forma clandestina. Eles não tiram o GTA [Guia de Trânsito Animal] e, se não tiram o GTA, [o produto] fica escondido para as estatísticas do Estado. É preciso tirar o GTA.
Dr. João também comentou a falta de um abatedouro frigorífico para a produção regional de peixes
Dr. João - Nós estamos precisando de abatedouro frigorifico para o peixe porque, pela nova legislação, o peixe tem que ser transportado e transitado para o abate com inspeção municipal, estadual ou federal. Não pode mais [ser feito] aquele trânsito com destino à feira livre, por exemplo. Por esse motivo, é que nós ainda estamos resolvendo essa questão.
Nossa reportagem pediu ao entrevistado dicas para comprar peixes frescos com mais segurança.
Dr. João - Em relação à senhora dona de casa, aos compradores de peixe, [orientamos] que observe melhor o pescado antes de comprar. Por exemplo, a tilápia, que é um peixe mais [comum] da região é sempre importante olhar a coloração, a aparência, porque ela tem que ter uma aparência normal. Uma tilápia que apresenta pele escurecida, é sintoma que na verdade ela teve um problema, tipo hemorragia. Se ela tem ferimentos, é sinal de bactérias. Se ela está com o olho muito escurecido, ele não está normal. As guelras, ela tem que estar com uma cor acolorada, no mínimo, rosada. Ela não pode estar escurecida e não pode estar com as escamas largando [se soltando com facilidade].
Por último, perguntamos sobre o funcionamento da unidade local da Adagro, com apenas dois funcionários para atender quatro municípios.
Dr. João - O quadro [do escritório de Petrolândia], hoje, é formado por um veterinário e apenas um técnico agrícola. Então, é um quadro deficiente, apesar de nós termos apoio do pessoal da área vegetal. Mas, na verdade, o que nós estamos precisando aqui, eu diria, que seria técnicos agrícolas. Mas, eu acredito que não vai demorar muito tempo para serem contratados.
Finalizamos com agradecimento a Dr. João de Sá Novaes pela entrevista concedida ao Blog de Assis Ramalho e à Web Rádio Petrolândia.
Dr. João - Assis, eu agradeço, através do seu Blog e da rádio, essa ótima oportunidade, porque é sempre bom que a gente possa esclarecer os trabalhos da Adagro, as nossas competências, porque muitas vezes as pessoas pensam que a Adagro é responsável por todo trabalho de fiscalização, mas não é. Então, eu agradeço, inclusive o fato de anunciar em primeira mão a nova regra a ser aplicada na segunda remessa da [vacinação] febre aftosa, e quero dizer que estamos sempre à disposição da imprensa e de todos os produtores rurais. Muito obrigado!
Abaixo, reproduzimos a publicação do MPPE em que é instaurado Inquérito Civil para averiguação das condições de funcionamento do Matadouro Público de Petrolândia.