Por Magno Martins
Tem gente famosa só conhecida por uma faceta, mas que exibe outra, de relevado alcance social ignorada ou desconhecida. O cantor cearense Raimundo Fagner é uma dessas ilustres personagens que o Brasil conhece muito de um lado: o seu vozeirão encantador e apaixonante. Mas poucos do outro: da imensidão do seu coração, do prazer que em fazer o milagre da multiplicação do pão à sua mesa diária.
Há 20 anos, ele faz um bem danado a humanidade e quase ninguém sabe. Falo da Fundação Raimundo Fagner, instalada inicialmente no chão ardente euclidiano de Orós, e num passo adiante, em Fortaleza.
Fagner é um dos artistas mais bem sucedidos na carreira, sem ambição de riquezas. Seu olho grande só enxerga numa direção: a dos pobres conterrâneos, que vivem olhando para o céu nordestino, ardente e sem nuvens de chuva, a espera de um anjo despencar como amparo de vida.
Fagner é um desses anjos que Deus jogou lá de cima para iluminar a terra e fazer gente ser magno na vida. Ele só tem um filho de sangue e alma, mas 400 adotados, que os amam com a mesma intensidade.
Há 7 anos na Fundação, Kauan Miranda da Silva, atualmente monitor da turma de violão, é um desses filhos amados e protegidos sob as bênçãos da música, resgatado do mundo das desigualdades sociais no Ceará.
Logo que chegou à Fundação Raimundo Fagner, Kauan, à época com 7 anos e hoje com 16, teve uma certeza: "Quando crescer, quero ser igual a esse cara, quero ser o presidente daqui". Ele se referia ao próprio Fagner, a quem só conhecia pela TV.
O garoto foi levado pela mãe à sede do projeto social em Fortaleza para ver "se mudava alguma coisa" e acabou mudando bastante. Inicialmente atraído pela piscina e pelo campo de futebol do Sítio Canteirão, foi na sala de violão que ele realmente se encontrou.
Hoje, Kauan já está na monitoria da turma de violonistas, e a ideia fixa de presidir a fundação, cuja arte é central no processo educativo, não o abandona.
Morador do Alto Alegre, ele vai todos os dias de bicicleta para as aulas no Parque Itamaraty e inspira-se em pessoas como Jhon Abreu, 26, e Renata Alves, 27, que começaram no projeto ainda na infância, como estudantes, e atualmente estão como professores de flauta doce e canto-coral, respectivamente.
"O Fagner trouxe uma oportunidade para um bairro que era esquecido pelo poder público, sem praça ou área de lazer. Foi uma iniciativa grandiosa para as crianças terem conhecimento de cultura, arte. Eu não me imaginaria fazendo o que faço se não fosse essa Fundação", diz Jhon, que, influenciado pela experiência no projeto desde 2004, agora está cursando graduação em Música na Universidade Estadual do Ceará.
Na festa dos 70 anos de vida bem vividos, em outubro passado, em Fortaleza, Fagner ganhou um musical de presente no Cineteatro São Luiz, dado por uma das turmas de alunos que aprenderam a tocar um instrumento musical. Foi um momento lindo e que ficou registrado na histórica através de um vídeo institucional sobre os 20 anos da Fundação.
Já Renata, por sua vez, concluiu o mesmo curso pelo Instituto Federal do Ceará (IFCE). A caminhada dela no projeto teve alguns empecilhos. Não foi aceita na primeira seleção para participar das atividades da fundação e precisou que sua mãe fosse lá, chorando, pedir uma segunda chance. Felizmente, funcionou. "Eu vejo minha história toda se repetindo, a cada criança que chega aqui, me emociono ao ver", compartilha ela, emocionada.
Vivências como as de Kauan, Jhon e Renata tornaram-se possíveis primeiro em Orós. Foi lá, na cidade onde viveu a família de Fagner, que nasceu a Fundação, em outubro de 2000. A ideia veio espontaneamente.
Como o cantor sempre teve uma preocupação social em vida, estendendo seu braço e dando seu coração para ações comunitárias na região, os amigos sugeriram que elas fossem centralizadas e direcionadas num objetivo comum e mais abrangente. E assim o fez.
Três anos depois, Fagner inaugurou a sede de Fortaleza, num sítio que pertencera à família. Lá, está também a exposição "Raimundo Fagner - Vida e Obra", com acervo vasto dos mais de 40 anos de carreira do cantor sistematizado por sua irmã, a bibliotecária Marta Lopes.
Fagner não é rico nem o dinheiro para ele cai do céu. Foi buscar parceiros de visão grande como ele e encontrou no Grupo 3 Corações, do café homônimo, o seu braço direito mantenedor e hoje atende a um público formado por 400 crianças e adolescentes (200 em cada cidade), na faixa etária de 7 a 17 anos de idade, em situação de vulnerabilidade social e matriculados na rede pública de ensino.
As seleções acontecem uma vez por ano e incluem teste de aptidão e de leitura e escrita.
Em Fortaleza, os selecionados dispõem de salas de aulas (flauta, violão, coral, percussão e história da arte); atividades de dança (capoeira, danças folclóricas); artes plásticas; salas de som e vídeo; acompanhamento da leitura e da escrita; literatura; laboratório de informática; além de piscina, campo de futebol e áreas de lazer.
Já em Orós, há quadras poliesportivas de futebol, vôlei e tênis; piscina; salas de atividades artísticas e educacionais; laboratório de informática; biblioteca e videoteca.
Tereza Tavares, diretora-administrativa e financeira da Fundação, que ele, carinhosamente, chama de Teca, admira a atuação do presidente desde a juventude. "Primeiro como artista, sempre fui fã, e depois porque ele é um homem que se preocupa com a situação da sociedade, com a questão da infância e da adolescência no Brasil. Investe na educação integral de crianças e adolescentes em Fortaleza e Orós, e possibilita a transformação e a melhoria de vida dessas pessoas nesses dois municípios. Essa é minha grande admiração por ele", desabafa.
Uma das coordenadoras do projeto em Fortaleza e prima de segundo grau de Fagner, Sandra Queiroz também enaltece a generosidade do cantor ao investir nessas ações. "O papel dele na Fundação é de mostrar para as pessoas que é possível transformar o mundo, com pequenas iniciativas, e que a gente pode, diante de tanto caos, de tanta história ruim que está acontecendo no planeta, fazer nossa parte na mudança", afirmou.
Feliz da criança que tem a oportunidade de absorver lições de música, sabedoria de vida e cidadania na Fundação Raimundo Fagner, uma instituição que pode ser muito mais ampla do que é se contar com novos parceiros. "Enfrentamos muitas dificuldades para manter essa obra, aberta a todo tipo de colaboração", diz Fagner, vibrante com o resultado de vidas que a instituição consegue transformar com a música, as artes plásticas, os esportes.
O cantor é apaixonado também pela área esportiva, especialmente o futebol, que pratica até hoje em campos de pelada. Na Fundação, ele exibe com orgulho a placa do primeiro jogo de abertura do tapete verde do mini estádio no qual celebridades emprestaram brilho e talento, como Rivelino, Sócrates e tantos outros amigos que conquistou com seu carisma e simplicidade.
Aos que lerem essa postagem, chegarem a ser tocados e quiserem ajudar a formar cidadania pela ação social do cantor Raimundo Fagner, segue abaixo todos os endereços para contato.
SERVIÇO
Fundação Raimundo Fagner
Sede Fortaleza
Rua Duarte Coelho, 1023, Parque Itamaraty. De seg a sex, 8h às 11h e 13h30 às 16h30. (85) 3274-3726
Sede Orós
Travessa da Matriz, S/N, Alto dos Custódios