Bom médico, aluno exemplar, sorriso fácil, bom namorado. Amigos, parentes, professores e colegas definiram assim o médico João Pedro Feitosa, que participava dos testes da vacina de Oxford e morreu no último dia 15 em decorrência de complicações da Covid-19.
A TV Globo apurou que ele fazia parte do grupo de voluntários que tomou um placebo. Ou seja, Feitosa não recebeu uma dose do imunizante em desenvolvimento, mas sim uma substância que não tem efeito no organismo -- o que é feito neste tipo de estudo para conseguir avaliar as diferenças entre reações de quem toma ou não.
Formado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) no ano passado, Feitosa tinha 28 anos e atuava na linha de frente contra a Covid desde março.
Trabalhava em dois hospitais, um público e outro particular, ambos na Zona Norte carioca, e chegou a dar plantões em um hospital de campanha. Atuava sob o risco de contágio com a mesma coragem que teve para se voluntariar e ajudar nas pesquisas pela vacina.
Amigos, a reitoria da UFRJ, a Faculdade de Medicina e ex-colegas publicaram textos em homenagem ao jovem médico. Lembraram que ele dizia que a maior dor ao lidar com pacientes com Covid era ir para casa pensando no sofrimento de quem ficava confinado nos hospitais, sem contato com as pessoas que amavam.
"Porque a falta que você faz é tão grande quanto o seu significado para cada um de nós", diz uma das mensagens.
O caso foi revelado nesta quarta-feira (21) pelo jornal "O Globo". À tarde, a universidade divulgou uma nota lamentando a morte de João Pedro Feitosa (veja a íntegra da nota no final da reportagem).
"A Reitoria da UFRJ — juntamente com toda a comunidade universitária — presta sinceras condolências aos familiares e amigos do nosso ex-aluno em meio a esse momento de tristeza."
Amigos e namorada lamentam
Um dia depois da morte de João Pedro Feitosa, antes mesmo de ser divulgado que ele era um dos voluntários, o Centro Acadêmico Carlos Chagas (UFRJ) fez uma publicação nas redes sociais (Facebook) lembrando o vazio e a saudade do ex-aluno.
O texto foi assinado por amigos e pela namorada de João Pedro (leia íntegra no final da reportagem_.
“João, acho que poderia nesse pequeno texto lembrar do quão bom médico e aluno exemplar você foi, mas acho que a recordação que vou mencionar a todos aqui será outra. Quero guardar para sempre o quão bom namorado, irmão e amigo você foi. A dor no peito, o vazio e saudade desde que você se foi crescem a cada instante e o que nos dá força nesse momento além do carinho de tantos amigos que você fez na vida é lembrar de como você era”, diz um dos trechos.
Estudos mantidos
Tanto os desenvolvedores (AstraZeneca e Universidade de Oxford) quanto os envolvidos na aplicação dos testes (Unifesp e IDOR) ressaltam que estão impedidos de dar detalhes por questões éticas, mas ressaltaram que não houve indicação para suspensão do estudo. Além disso, lembraram que a pesquisa é baseada em um "estudo randomizado e cego, no qual 50% dos voluntários recebem o imunizante produzido por Oxford".
Em nota, a Universidade de Oxford ressaltou que os incidentes com participantes do grupo controle são revisados por um comitê independente e que a "análise cuidadosa" não trouxe preocupações sobre a segurança do ensaio clínico
A farmacêutica AstraZeneca informou ao G1 que também não pode fornecer detalhes por causa das cláusulas de confidencialidade, mas ressaltou que todos os processos de revisão foram seguidos. "Essas avaliações não levaram a quaisquer preocupações sobre a continuidade do estudo em andamento", informou a empresa em nota.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) disse que foi notificada do óbito na segunda (19), e que foi informada que o comitê independente que acompanha o caso sugeriu o prosseguimento do estudo. "O processo permanece em avaliação", disse a Anvisa.
A microbiologista Natália Pasternak analisa que é preciso cautela e analisar o ocorrido com tranquilidade. "Pessoas que participam dos testes clínicos são pessoas, eles podem morrer pelas mais diversas causas. Pode não ter absolutamente nada a ver com vacina", explicou a cientista, que ainda apontou que a investigação do caso pode ser demorada e levar dias.
Testes e acordo no Brasil
A vacina desenvolvida em parceria entre o laboratório AstraZeneca e a Universidade de Oxford é a principal aposta do governo federal para uma futura campanha de vacinação contra o novo coronavírus.
O estudo está na fase 3 dos testes, e eles começaram no Brasil em junho. Nesta fase, a eficácia da vacina é verificada a partir do monitoramento de milhares de voluntários. No país, 8 mil voluntários já participam do estudo.
Antes da fase 3, sua segurança foi verificada em pesquisas com um número menor de voluntários e nenhuma reação grave foi verificada, somente reações leves (leia mais abaixo).
O Ministério da Saúde prevê o desembolso de R$ 1,9 bilhão para o projeto AstraZeneca/Oxford, e espera oferecer 100 milhões de doses no primeiro semestre da vacina, caso os estudos confirmem sua eficácia e segurança. Além disso, prevê produzir mais 165 milhões de doses no Brasil no segundo semestre.
Segurança da vacina de Oxford
Um estudo com resultados preliminares da vacina de Oxford (AZD1222) foi publicado em 20 de julho, na revista científica "The Lancet".
A pesquisa cita reações consideradas leves e moderadas e não fala sobre efeitos colaterais graves:
Dor após a vacinação: 67% sem paracetamol; 50% com paracetamol.
Fadiga: 70% sem paracetamol; 71% com paracetamol.
Dor de cabeça: 68% sem paracetamol; 61% com paracetamol.
Dor muscular: 60% sem paracetamol; 48% com paracetamol.
Os testes iniciais, das fases 1 e 2, foram realizados na Inglaterra, com 1.077 voluntários, divididos em dois grupos: 543 pessoas receberam a vacina experimental, e outras 534 receberam uma vacina de meningite (o grupo controle) – 56 participantes da vacina experimental receberam paracetamol profilático.
Nota da AnvisaAbaixo, veja a íntegra do posicionamento divulgado pela Anvisa:
"Em relação ao falecimento do voluntário dos testes da vacina de Oxford, a Anvisa foi formalmente informada desse fato em 19 de outubro de 2020. Foram compartilhados com a Agência os dados referentes à investigação realizada pelo Comitê Internacional de Avaliação de Segurança. É importante ressaltar que, com base nos compromissos de confidencialidade ética previstos no protocolo, as agências reguladoras envolvidas recebem dados parciais referentes à investigação realizada por esse comitê, que sugeriu pelo prosseguimento do estudo. Assim, o processo permanece em avaliação.
Portanto, a Anvisa reitera que, segundo regulamentos nacionais e internacionais de Boas Práticas Clínicas, os dados sobre voluntários de pesquisas clínicas devem ser mantidos em sigilo, em conformidade com princípios de confidencialidade, dignidade humana e proteção dos participantes.
A Anvisa está comprometida a cumprir esses regulamentos, de forma a assegurar a privacidade dos voluntários e também a confiabilidade do país para a execução de estudos de tamanha relevância.
A Agência cumpriu, cumpre e cumprirá a sua missão institucional de proteger a saúde da população brasileira."
Foi com profundo pesar que a Reitoria da UFRJ teve ciência que nosso ex-aluno João Pedro Rodrigues Feitosa faleceu na última quinta-feira, 15/10, decorrente de complicações da COVID-19.
Nota da UFRJ
Formado em meados do ano passado no curso de Medicina da Universidade, João — que inclusive foi ex-aluno da reitora da UFRJ, Denise Pires de Carvalho — estava atuando na linha de frente no combate ao coronavírus nas redes privada e municipal de Saúde do Rio de Janeiro.
Segundo informações veiculadas pela imprensa, João foi voluntário em instituto privado de pesquisa na participação de testes clínicos da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e pelo laboratório Astrazeneca. Lembramos que a UFRJ não atua na testagem de vacinas estrangeiras e segue no desenvolvimento de pesquisa própria para imunização contra a COVID-19.
A Reitoria da UFRJ — juntamente com toda a comunidade universitária — presta sinceras condolências aos familiares e amigos do nosso ex-aluno em meio a esse momento de tristeza que ceifou a vida do João, que havia acabado de se diplomar e não poupou esforços para atuar no enfrentamento da pandemia de COVID-19 que já acumula mais de 40 milhões de casos no mundo.
Desejamos e transmitimos toda força neste momento de profunda consternação.
Reitoria da UFRJ
Nota Centro Acadêmico
[NOTA DE PESAR]
Consternado, o Centro Acadêmico Carlos Chagas comunica o falecimento do ex-aluno João Pedro R. Feitosa em 15/10/2020, em decorrência de complicações da infecção de COVID-19 que contraiu trabalhando na linha de frente no combate à pandemia. Gostaríamos de prestar nossas condolências à família e amigos e nos colocar à disposição.
Deixamos aqui uma homenagem à memória de João Pedro escrita por seus amigos e namorada:
“João, acho que poderia nesse pequeno texto lembrar do quão bom médico e aluno exemplar você foi, mas acho que a recordação que vou mencionar a todos aqui será outra. Quero guardar para sempre o quão bom namorado, irmão e amigo você foi. A dor no peito, o vazio e saudade desde que você se foi crescem a cada instante e o que nos dá força nesse momento além do carinho de tantos amigos que você fez na vida é lembrar de como você era. O Feitosa dos vídeos sem sentido, dos jogos de tabuleiro, das noites em claro apenas conversando, do amigo que sempre esteve presente.
Se desse triste momento que passamos existe algo para nos incentivar a seguir é ver a união de todos aqueles a quem você impactou, sabemos que suas amizades foram cultivadas ao longo dos anos e você as valorizava muito.
As linhas traçadas em sua vida ficarão para sempre e o desfecho dessa jornada ainda nos dói muito tentar entender. Sabemos o quanto você lutou até o fim, acreditamos que o destino reserva algo grande para você ainda. João, Feitosa, saiba que sempre lembraremos do seu sorriso e tão grande quanto a falta que você faz é o seu significado para cada um de nós. Ao nos encontrarmos no futuro que nossos corações se encham de alegria e então esse sentimento dure para sempre.”
Por Ben-Hur Correia, G1 Rio e TV Globo