Coordenador da maior operação contra a corrupção, Dallagnol está agora sendo alvo de representações contra ele por causa dos diálogos vazados
No “olho do furacão”. O chavão um dia usado pelo procurador Deltan Dallagnol para se vender como palestrante nunca foi tão apropriado, como agora, para descrever a situação do chefe da força-tarefa da Lava-Jato. Com o vazamento dos diálogos entre procuradores de Curitiba e o escândalo das atividades privadas, além de indícios de direcionamento das investigações sobre personagens específicos, o pato-branquense de 39 anos está acuado. Nas rodas dos tribunais de Brasília é dado como certo algum tipo de punição a ele a partir da próxima terça-feira, durante sessão do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
Celebrado como o líder da maior operação de combate à corrupção da história do país, Dallagnol, após cinco anos de Lava-Jato, agora vê seu prestígio ser rapidamente corroído a cada divulgação de mensagens do Telegram. A próxima sessão do colegiado tem uma pauta com um total de 146 itens, incluindo dois procedimentos contra o coordenador da força-tarefa da Lava-Jato. Um deles é uma Reclamação Disciplinar aberta a pedido do senador Renan Calheiros (MDB-AL), que acusa o coordenador da Lava-Jato de fazer contra ele acusações falsas desde 2017, ainda no período pré-eleitoral, “em nítida tentativa de influenciar o resultado do pleito”, segundo trecho do documento. Em março, ao anunciar a reclamação disciplinar pelo Twitter, Calheiros chamou Dallagnol de “pistoleiro de reputações”.
No CNMP, as reclamações disciplinares são abertas pelo corregedor nacional do Ministério Público. É a partir da análise do voto do corregedor que o plenário decide abrir ou não processo administrativo-disciplinar. Um procedimento desse tipo contra Dallagnol também está na pauta da próxima sessão do colegiado. Ele resulta de uma queixa apresentada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, e está relacionada a entrevista concedida por Dallagnol à rádio CBN, em 2018, na qual ele afirmou que a Suprema Corte passa a mensagem de leniência a favor da corrupção em algumas de suas decisões.
“Dallagnol cruzou o rubicão”, disse um subprocurador da República com trânsito nos conselhos e tribunais do centro do poder. A expressão refere-se à proibição romana de se atravessar o Rio Rubicão, fato desconsiderado por Júlio César na caçada a Pompeu, em 49 a.C. Assim como o imperador, Dallagnol assumiu riscos que o tornaram refém das próprias decisões. “O principal deles foi ter supostamente tornado a mulher uma laranja. As mulheres são a base da família diante dos olhos de juízes e do povo. Enquanto homens são sacrificados, elas conseguem o perdão, veja os casos das esposas de Eduardo Cunha e Sérgio Cabral”, continuou o membro do Ministério Público.
No caso de Cunha, a mulher dele, Claudia Cruz, foi absolvida pelo então juiz e hoje ministro da Justiça Sérgio Moro, um dos protagonistas das conversas vazadas da força-tarefa. No caso dele, a tendência é de que ocorra, no primeiro momento, algum cuidado dos críticos da Lava-Jato, incluindo os próprios integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF). Moro tem popularidade ainda em alta, podendo reverter ataques. “Não é o caso de Dallagnol. Há pouquíssimas chances de ele conseguir escapar de um afastamento, mesmo que mínimo”, disse um aliado do procurador.
A situação de Dallagnol é tão dramática que alguns colegas chegaram a sugerir uma licença forçada por um ou dois anos, até a poeira baixar – o procurador recusou a sugestão e disse que enfrentará até o fim as representações no CNMP. “Não há a menor chance de ele se licenciar, estamos fechados e vamos enfrentar o processo”, disse um procurador próximos à força-tarefa ao Estado de Minas, que pediu reservas em relação ao nome. Os investigadores, porém, sabem que a situação neste momento é difícil. “Será um julgamento político, o momento não é bom para ele, pois o CNMP é pressionado tanto pelo Supremo quanto pelo Congresso”, disse o procurador com informações sobre o conselho. Entre ministros, há o incômodo por causa do avanço de Dallagnol sobre personagens da corte. No caso dos parlamentares, trata-se de uma espécie de desforra, a partir do controle que o Senado tem sobre as reconduções no CNMP.
Atividades Filho do procurador de Justiça Agenor Dallagnol, o coordenador da força-tarefa da Lava-Jato se formou em direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Protestante fervoroso da Igreja Batista, o procurador, quando nem imaginava que os bastidores da Operação Lava-Jato viriam à tona, era um festejado palestrante em concorridos eventos empresariais e corporativos, atividade remunerada que viria a se tornar uma de suas maiores dores de cabeça. Dallagnol também emprestava seu talento de palestrante em eventos beneficentes e em igrejas evangélicas.
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Os resultados expressivos da Lava-Jato, como a prisão de pesos-pesados da política e a recuperação de altas quantias desviadas pelos esquemas de corrupção, conferiram grande respeitabilidade aos procuradores do Ministério Público Federal(MPF) de Curitiba, como também ao então juiz Sérgio Moro. O ápice do prestígio veio em dezembro de 2016, quando a Lava-Jato ganhou prêmios nacionais e internacionais por causa do combate à corrupção. Nesses casos, o principal nome nas cerimônias era o próprio Dallagnol.
O homem que saiu da pequena Pato Branco, a 450 quilômetros de Curitiba, para conquistar a confiança e a admiração de todo o país, entretanto, depois de ganhar o respeito de magistrados se viu como uma persona non grata para parte dos ministros da Suprema Corte. A divulgação de diálogos que indicam que ele incentivou outros procuradores a investigar o presidente do STF, Dias Toffoli, sua mulher, a advogada Roberta Rangel, e o ministro Gilmar Mendes caiu como uma bomba e aumentou a pressão para que Dallagnol se afaste da coordenação da Lava-Jato.
O promotor de Justiça do estado de São Paulo Rogério Sanches Cunha, professor de direito penal do LFG São Paulo, lamentou que a Lava-Jato esteja hoje com sua credibilidade sendo questionada em razão da avalanche de mensagens que foram impulsionadas em 9 de junho, quando o site The Intercept Brasil começou a série de reportagens sobre o lado desconhecido da operação. “Seria muito triste ver provas obtidas por meio ilícito prevalecerem sobre as provas obtidas legalmente”, disse, em referência às suspeitas de que as mensagens divulgadas pelo site tenham sido captadas por meio da ação de hackers. “Mas essas mensagens não interferem nos méritos das causas em julgamento; se algumas delas indicassem a inocência de um condenado, aí seria diferente. Mas, pelo pouco que li das mensagens, nenhuma delas ‘beatifica’ culpados”, acrescentou o membro do Ministério Público paulista.
Por Estado de Minas