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“Tendo por berço o lago cristalino, folga o peixe, a nadar todo inocente, medo ou receio do porvir não sente, pois vive incauto do fatal destino […]”, o trecho do poema O Peixe, uma crônica social e política contemporânea, como toda a obra do mestre Patativa do Assaré, é a narrativa que mais se assemelha a trágica situação da lagoa de Itaparica, a maior da Bacia Hidrográfica do rio São Francisco, situada entre as cidades de Xique-Xique e Gentio do Ouro, no semiárido baiano.
Com 24 km de extensão, cercada por carnaubais e outras árvores nativas da Caatinga, a lagoa de Itaparica é considerada a mais importante das margens do rio por ser o seu maior berçário natural. Os alevinos que nascem ali voltam para o rio quando crescem, tornando esse ciclo de fundamental importância para reposição do estoque pesqueiro de toda a bacia do São Francisco. Entretanto, a falta de chuvas, a baixa vazão do rio e o assoreamento provocado pela derrubada de mata nativa levaram a lagoa de Itaparica a secar em sua totalidade.
A paisagem paradisíaca formada pelo espelho d’água deu lugar a um deserto de chão rachado coberto por peixes mortos. O cheiro de putrefação impregna o ar atraindo urubus, carcarás e outras aves de rapina. Os pequenos poços de lama são disputados por suínos, cabras, jumentos e vacas que tentam, desesperadamente, mitigar sua sede ou abrandarem o calor escaldante. A convivência harmoniosamente desesperadora dessas espécies fica evidente na grande quantidade de carcaças de novilhas, leitões e jegues encontradas no local, enquanto os urubus esperam pacientemente ao lado dos mais enfermos o momento em que esses não possam mais reagir.