sábado, novembro 19, 2022

União e estados não chegam a acordo sobre manutenção e ameaçam transposição do rio São Francisco

Visão do canal do eixo leste, o primeiro inaugurado da transposiçãoImagem: Ibama/Divulgação

Concluída após 14 anos de obras cortando o semiárido nordestino, a transposição do rio São Francisco já fornece água a Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Mas, agora pronta, há um dilema a ser resolvido: quem vai pagar pelos custos de manutenção dos canais?
Os trabalhos terminaram oficialmente em fevereiro deste ano, mas até aqui não houve acordo entre União e estados receptores da água. Além disso, para 2023, não há previsão de orçamento capaz de cobrir todos os custos de manutenção dos dois eixos.

O problema é que, ainda em 2006, um decreto federal previu que caberia à União arcar com os custos de implantação do sistema. Com os estados, ficariam os custos de operação e manutenção do PISF (Projeto de Integração do Rio São Francisco.

O MDR (Ministério do Desenvolvimento Regional), que responde pela obra, afirma que o projeto está na fase de pré-operação comercial e os custos estão sendo bancados pela União. Por ano, diz, são necessários cerca de R$ 300 milhões..

Mesmo sem acordo comercial firmado, para 2023 o governo federal não colocou nem metade do valor necessário no PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual), que tramita no Congresso.

De acordo com a rubrica para "gestão, operação e manutenção do PISF", estão previstos apenas 135,4 milhões. Somente neste ano já foram gastos até hoje R$ 177 milhões.

Valores do PLOA ano a ano para o projeto (atualizados pelo IPCA): 

2023 - 135.400.000*

2022 - 304.815.409 

2021 - 225.240.782

2020 - 180.515.673 

2019 - 125.630.660

2018 - 131.639.621.

Ainda não aprovado
 Fonte: Siga/Senado

 Para cobrir os custos do empreendimento, o projeto prevê uma tarifa para cobrar pelo valor da água utilizada, que é atribuição anual da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico). Para o ano que vem, ainda vai ser definida a tarifa.

"Os valores que cada estado terá que pagar à operadora federal do PISF (a Codevasf) decorrem da quantidade de água solicitada pelos estados anualmente. Essa demanda é avaliada e aprovada pela ANA no Plano de Gestão Anual", informou a ANA à coluna.

Sem acordo 

Segundo o MDR, um termo de pré-acordo chegou a ser feito, com expectativa de que o contrato de operação comercial fosse assinado entre União e estados beneficiados até agosto de 2021. Os documentos foram elaborados e encaminhados aos entes estaduais, mas não se chegou a um consenso. Com isso, o acordo deve ficar para a próxima gestão.

Nesta semana, o MDR explicou à coluna que a celebração dos contratos para prestação de serviço está sendo conduzida no âmbito da Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal

.Para tentar "progredir na assinatura dos contratos", diz a pasta, a União propôs subsídio da manutenção. "Haveria um escalonamento da tarifa, em que a União arcaria com 95% dos custos no primeiro ano, 85% no segundo, 65% no terceiro e 35% no quarto ano, encerrando-se a participação da União no quinto ano. Haveria a possibilidade de revisão do escalonamento no quarto ano", explica.

''Cabe ressaltar que o Projeto São Francisco vem prestando o serviço de adução de água desde 2017, com custos arcados exclusivamente pela União.".

Estados aceitaram, mas... 

Segundo o secretário de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Rio Grande do Norte, João Maria Cavalcanti, a proposta citada à coluna pelo MDR foi elaborada inicialmente pelos estados receptores e faziam parte de um pré-acordo com os quatro estados e mediação da AGU (Advocacia-Geral da União).

"Depois disso, o governo federal elaborou o acordo. Porém, nele estavam incluídos pontos que não tinham sido pré-acordados com os quatro estados. Com isso, não foi assinado pelos estados receptores", diz. O secretário, porém, não quis detalhar quais seriam esses pontos.

''Os estados receptores estão em constante diálogo e coesos em relação a esse posicionamento, buscando reabrir a discussão, inclusive agora frente a um novo governo, para estabelecer as condições para que um novo acordo seja assinado.".

26.jun.2020 - O presidente Jair Bolsonaro na inauguração de canal da transposição do Rio São Francisco em Penaforte (CE) Imagem: Alan Santos

O secretário dos Recursos Hídricos do Ceará, Francisco Teixeira, afirma que o estado prefere aguardar a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para retomar o tema.

 "A Secretaria dos Recursos Hídricos aguarda o novo governo federal assumir para continuar o diálogo a respeito do processo de implementação do sistema tarifário do PISF, a fim de alcançar a sustentabilidade financeira do sistema", afirmou em nota à coluna.

O canal A obra da transposição demorou 14 anos para ter seu projeto básico finalizado —dez anos de atraso, considerando a promessa inicial. Após R$ 14 bilhões investidos, hoje a água chega a sertanejos de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte.

A transposição do Velho Chico —como o rio é conhecido— é um sonho antigo, da época do Império, no século 19, que só saiu do papel em 2008. Trata-se de um empreendimento de engenharia complexa e que gerou muita polêmica.

A captação da água ocorre em dois pontos: nos municípios de Floresta e Cabrobó, ambos no sertão pernambucano.

 O eixo leste recolhe água em Floresta, cruza o estado de Pernambuco e chega até o rio Paraíba, em Monteiro (PB). Ele foi inaugurado para fase de testes em 2018. O lançamento ocorreu com dois eventos: um oficial, do presidente Michel Temer (MDB); e outro com a presença dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff (PT).

Já o eixo norte leva água de Cabrobó até o reservatório de Jati, no Ceará —o último a ser inaugurado. A conclusão da obra foi anunciada com visita de Bolsonaro ao Nordeste em fevereiro deste ano.

Números da transposição
Mais de 477 km* R$ 14,6 bilhões investidos 390 municípios atendidos 12 milhões de pessoas beneficiadas * Não inclui os ramais do Agreste, Salgado e Apodi.

Por: Carlos Madeiro - UOL

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