29 julho 2025

'Kids pretos' confirmam ao STF planos para matar autoridades e prender ministros


Invasão no Congresso, STF e Palácio do Planalto. - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Por Agência O Globo

Integrantes das Forças Especiais do Exército, os kids pretos, confirmaram em interrogatórios no Supremo Tribunal Federal (STF) a existência de um plano que previa o assassinato de autoridades, de outro que tinha o intuito de prender ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e a participação na divulgação de uma carta que tinha como objetivo pressionar a cúpula do Exército a aderir à tentativa de golpe.

A leva de depoimentos começou na última quinta-feira, quando o general da reserva Mário Fernandes admitiu ser o autor do documento que ficou conhecido como “Plano Punhal Verde e Amarelo”. O texto, segundo a Polícia Federal, traçava cenários para o assassinato, em 2022, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal da trama golpista.

Durante a audiência, o militar, que foi número dois da Secretaria-Geral da Presidência na gestão Bolsonaro, confirmou a autoria do material encontrado em seus dispositivos eletrônicos, mas minimizou o conteúdo e disse que se tratava de uma análise individual, feita por hábito pessoal.

— Esse arquivo digital, que retrata um pensamento meu que foi digitalizado, é um estudo de situação. Uma análise de riscos que fiz e, por costume próprio, resolvi digitalizar. Esse pensamento digitalizado não foi compartilhado com ninguém — afirmou o general.

Ao longo do depoimento, Fernandes tentou afastar a ideia de que o plano tivesse objetivo prático. Disse que o material foi impresso apenas para leitura pessoal e que logo em seguida o rasgou.

— Imprimi por um costume pessoal de evitar ler documentos na tela. Imprimi para mim. Logo depois, rasguei — disse.

Apesar da tentativa de despolitizar o documento, o conteúdo apreendido pela PF descreve estratégias para ataques a autoridades públicas e embasa parte da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República no processo principal da tentativa de golpe. Fernandes é apontado como um dos responsáveis pelo núcleo que atuaria em ações operacionais caso o plano fosse deflagrado.

No interrogatório, o general classificou o plano como “um compilamento de dados” e afirmou que se arrepende de ter digitalizado o texto. “Não passa de um pensamento digitalizado”, disse.

“Cenário hipotético”

Outro episódio ocorreu nesta segunda-feira, quando o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima, também “kid preto”, afirmou ao STF que o plano encontrado pela Polícia Federal, com sugestões de prisão de ministros da Corte, foi um exercício interno de simulação elaborado no âmbito da inteligência do Exército no Rio Grande do Sul — e não uma proposta operacional.

O militar disse que o chamado "Desenho Operacional Luneta", encontrado em um pen drive apreendido em sua casa, fazia parte de um trabalho desenvolvido dentro da 6ª Divisão do Exército, em Porto Alegre. Segundo ele, tratava-se de uma antecipação de cenários, caso houvesse algum indício de fraude nas eleições presidenciais de 2022.

— Se amanhã sair um relatório ou um pronunciamento falando ‘atenção, teve fraude sim’, eu não posso deixar meu comandante ser surpreendido. Eu tenho que ter alguma coisa para que a gente comece a discutir com o Estado-Maior — afirmou.

O documento previa, entre outras ações, a prisão de ministros do Supremo "considerados geradores de instabilidade" e a neutralização da atuação do ministro Alexandre de Moraes. O plano também mencionava a criação de gabinetes de crise e a realização de novas eleições.

Para Ferreira Lima, no entanto, a interpretação feita pela Procuradoria-Geral da República (PGR) é equivocada. O tenente-coronel sustenta que sua função na área de inteligência envolvia justamente a produção de cenários prospectivos — e que o plano nunca foi validado por seus superiores.

— É um cenário totalmente hipotético. Ele não fala em eliminar ninguém. É amparado por normas legais — disse. — Eu não estava fazendo nada oculto. Surgiu de uma conversa com meu comandante. Quando fui apresentar para ele, a prioridade já era outra. Ele mandou eu abandonar isso. Nem abriu o computador.

De acordo com o militar, o plano foi deixado de lado após determinação do chefe da inteligência da 6ª Divisão, que teria orientado o foco para outras demandas, como o acompanhamento das manifestações em frente ao quartel em Porto Alegre.

A PGR, por outro lado, afirma que o documento é prova de que havia planejamento prévio para a atuação do núcleo militar da tentativa de golpe. A denúncia sustenta que a proposta fazia parte de uma articulação maior, que ia da contestação do resultado eleitoral à execução de ações de ruptura institucional.

Carta como pressão
Também em depoimento à Corte nesta segunda, o coronel Fabrício Moreira de Bastos confirmou a existência da "Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro" e disse que recebeu ordens de seu superior no Centro de Inteligência do Exército (CIE) para receber e repassar o documento. Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), a carta seria uma forma de pressionar o alto comando do Exército a aderir à trama golpista. Na denúncia, há mensagens de Bastos encaminhando a carta a outros militares das forças especiais, o que seria uma tentativa de angariar apoio à ação.

No interrogatório, Bastos disse que recebeu ordens do seu superior no CIE para encaminhar o documento quando ele estivesse pronto. Segundo ele, como participava do grupo de mensagens no qual a carta circulava, pediu que um colega o enviasse o arquivo.

— O coronel De La Vega sabia que a turma de 1997, da qual eu fiz parte, estava preparando algum tipo de manifesto. Ele pediu que fizéssemos contato com esse documento e encaminhássemos para ele. Eu não fazia parte do grupo, mas o Correa Netto, sim, então eu pedi para ele me encaminhar o documento. Quando isso aconteceu, na segunda pela manhã, eu entreguei uma cópia em mãos para o general — disse.

O militar afirmou que a carta era “muito mal escrita” e deveria ser entendida como um “desabafo” dos oficiais responsáveis pelo documento.

— É de uma inocência esses quatro coronéis acharem que eles teriam o condão de pressionar 16 comandantes do Exército. É uma inocência quase franciscana — observou.

Por Agência O Globo

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