As investigações da Polícia Federal (PF) sobre uma suposta estrutura paralela montada dentro da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) apontaram que autoridades dos poderes Judiciário e Legislativo, além de um ex-presidenciável, servidores e jornalistas, foram alvos de "ações clandestinas". Essas ações incluíam a produção de dossiês e a disseminação de ataques contra personalidades que eram vistas como adversárias do então presidente Jair Bolsonaro. Ao concluir a apuração, a PF indiciou o ex-presidente e o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), que comandou a agência no governo passado.
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A PF indiciou Bolsonaro, Ramagem e Carlos Bolsonaro no inquérito que investiga o uso da agência para espionar adversários e disseminar informações falsas sobre o sistema eleitoral. Ao todo, mais de 30 pessoas foram indiciadas no caso. A apuração começou após o GLOBO revelar, em março de 2023, a compra de um sistema espião pela agência para monitorar a localização de alvos pré-determinados em todo o país.
Tanto Ramagem como o ex-presidente não comentaram o indiciamento. Em ocasiões anteriores, eles negaram a existência de estrutura paralelas na agência e a participação em espionagens ilegais. A Abin, por sua vez, tem afirmado estar “à disposição das autoridades” e ressaltou que os fatos investigados ocorreram em “gestões passadas”.
"A continuidade das investigações também evidenciou a utilização dos recursos da Abin para monitorar autoridades dos Poderes Judiciário (Ministros desta Corte e os seus familiares) e Legislativo (Senadores da República e Deputados Federais), com o objetivo de obter vantagens políticas", escreveu o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), na decisão que autorizou a quarta fase da operação Última Milha, realizada em julho.
As autoridades listadas no documento foram:
PODER JUDICIÁRIO: ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Luis Roberto Barroso e Luiz Fux;
PODER LEGISLATIVO: deputado federal Arthur Lira (presidente da Câmara dos Deputados), ex-deputado Rodrigo Maia (então presidente da Câmara), deputado federal Kim Kataguiri, ex-deputada Joice Hasselmann, senadores Alessandro Vieira, Omar Aziz, Renan Calheiros e Randolfe Rodrigues.
PODER EXECUTIVO: ex-Governador de São Paulo João Dória, servidores do Ibama Hugo Ferreira Netto Loss e Roberto Cabral Borges, auditores da Receita Federal do Brasil Christiano José Paes Leme Botelho, Cleber Homen da Silva e José Pereira de Barros Neto.
JORNALISTAS: Monica Bergamo, Vera Magalhães, Luiza Alves Bandeira e Pedro Cesar Batista.
Urnas e CPI
No caso de Barroso, por exemplo, o objetivo era "desacreditar o processo eleitoral", de acordo com a Polícia Federal. A investigação apontou que o grupo tentava criar "informações inverídicas" contra ministro, que na época das ações também comandava o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em um diálogo, por exemplo, um dos suspeitos orienta outro a e "sentar o pau" em um assessor de Barroso.
Em outro momento, foi feita uma ilação entre Fux, Barroso e uma empresa fornecedora de urnas eletrônicas. "Senta o dedo na galera", diz dos investigados. No dia seguinte, as informações foram divulgadas na rede social X. No caso de Toffoli, foi feita uma ligação entre ele e o recém-nomeado diretor-geral da PF, Paulo Maiurino.
Já Moraes foi alvo de um dossiê, e também de mensagens que discutiam atos de violência. Um dos investigados chegou a falar em "head shot" (tiro na cabeça, em inglês).
Os integrantes da cúpula da CPI da Covid, que causou desgaste ao governo Bolsonaro em 2021, também foram alvo de ações. Comandavam a comissão o presidente, Omar Aziz (PSD-AM); o vice-presidente, Randolfe Rodrigues (PT-AP) o relator, Renan Calheiros (MDB-AL). Um dos investigados disse que era para "consultar os processos judiciais dos três senadores patetas do circo" e que era preciso "catar os podres com jeito".
Algo semelhante foi feito com Arthur Lira e Kim Kataguiri. Ao conversarem sobre uma futura ação contra Kataguiri, um dos investigados diz que é preciso "levantar tudo" sobre "pessoal de gabinete", ao que o outro responde: "o foda é achar. Foi igual ao que fiz do Lira". Um jantar em que o então presidente da Câmara Rodrigo Maia e a então deputada Joice Hasselmann também foi alvo de monitoramento.
Página no X, podcast e agências de checagem
A investigação mostra que o monitoramento foi além de autoridades. Houve um esforço para descobrir quem eram responsáveis pelos perfis no X Tesoureiros e Medo e Delírio em Brasília, esse último referente a um podcast de mesmo nome. A página Tesoureiros (antigamente chamada Tesoureiros do Jair) ganhou notoriedade durante a CPI da Covid, quando ajudou a levantar informações sobre os temas investigados pelo colegiado. Já o Medo e Delírio adotava um tom crítico à gestão Bolsonaro.
Outro alvo foi o movimento Sleeping Giants Brasil, um perfil anônimo nas redes sociais que costuma pressionar empresas a retirar a publicidade de sites, que, na visão deles, veiculam notícias falsas. Um dos investigados afirmou, em mensagem encontrada pela PF, que havia repassado informações sobre o coletivo para uma página do X.
Também houve levantamento de informações sobre as agências de checagem Aos Fatos e Agência Lupa, que avaliam a veracidade de declarações de autoridades e publicações em redes sociais, entre outros conteúdos.
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