quarta-feira, setembro 20, 2023

Audiência pública na Alepe discute projeto do TJPE para extinção de cartórios deficitários

Waldemar Borges ressaltou que os cartórios distritais auxiliam um segmento da sociedade. (Foto: Evane Manço)

A proposta apresentada pelo Poder Judiciário para extinguir cartórios deficitários localizados em distritos municipais foi discutida em audiência pública pela Alepe, nesta terça (19). O Projeto de Lei nº 923/2023, de autoria do Tribunal de Justiça de Pernambuco, pretende reestruturar especialmente os cartórios de registro natural (responsáveis por certidões de óbito, nascimento e casamento) que não teriam demanda para sustentar seus custos.

Na reunião, representantes dos cartórios e parlamentares debateram a viabilidade econômica de serviços de baixa demanda, a melhor aplicação dos recursos públicos que os sustentam e a possibilidade de desassistência da população com a extinção de alguns desses serviços.

O texto proposto pelo Judiciário prevê a extinção imediata de 41 cartórios de registro natural distritais que estão vagos e o fim gradual daqueles que estão em municípios abaixo de 25 mil habitantes, a partir do momento que ficarem vagos os cargos dos responsáveis por esses cartórios.
Em todos os casos, as pessoas nas áreas atingidas seriam atendidas por serviço existente na sede do município, já que a legislação federal prevê que todas elas devem ter pelo menos um cartório de registro natural.

A audiência pública foi realizada de forma conjunta pelas Comissões de Justiça, Finanças, Administração Pública e Assuntos Municipais. Segundo o deputado Antônio Moraes (PP), presidente do colegiado de Justiça, a sua comissão deverá ter pronta uma nova versão do texto na próxima terça (26), produzido levando em conta os pontos levantados no debate.
 
Dados

Os cartórios de registro natural recebem uma compensação de R$ 48,50 para cada certidão de nascimento e óbito que registrarem. Os serviços que tiveram faturamento anual inferior a 40 salários mínimos (R$ 52.800, equivalente a R$ 4.400 por mês), têm um repasse mínimo de 3 salários mínimos (R$ 3.960) garantidos. Os recursos para esses repasses vêm do Fundo Especial do Registro Civil do Estado de Pernambuco (Ferc-PE), custeado pelo recolhimento de 10% sobre os emolumentos (taxas) recebidos por notários e registradores.

No caso dos 41 cartórios a serem extintos imediatamente, os titulares atuais estão como interinos, nomeados para vagas que não geraram interesse ou foram abandonadas por registradores concursados. Segundo julgamento do STF finalizado no último dia 11, esses interinos só poderão ficar até mais 6 meses à frente do serviço, que terá que ser provido por concurso público.

Segundo levantamento apresentado por Artur Cavalcanti, secretário adjunto do Comitê Gestor do Ferc-PE, 21 dos 41 cartórios que deverão ser extintos tiveram menos de dez atos por mês no primeiro semestre de 2023. No mesmo período, os cartórios distritais como um todo receberam o total de R$ 1,29 milhão do Ferc, sendo R$ 974 mil apenas para os 41 que deverão ser extintos.

Além da questão que envolve a extinção de cartórios de distritos municipais, o PL nº 923 também reestrutura a organização de cartórios nos municípios de Recife, Olinda, Cabo de Santo Agostinho e Camaragibe, na Região Metropolitana do Recife, além de Garanhuns, no Agreste Meridional, e Limoeiro, no Agreste Setentrional.
 
Viabilidade econômica

Segundo o mesmo levantamento feito por Artur Cavalcanti, o custo mensal para manter um cartório que cumpra todas as exigências do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é de R$ 3.269. “Como conseguem estar funcionando se recebem apenas cerca de R$ 3,9 mil? Não sabemos sequer se estão realmente funcionando, e nem se há justificativa para continuarem existindo”, argumenta Artur, que também é titular do cartório de registro natural de Carpina.

Para ele, o repasse de recursos do Ferc para cartórios de baixa demanda “retira recursos que poderiam ir para o cartório da sede do município, que pode atender melhor aquela população”. “O sistema atual não funciona, e só beneficia quem hoje está à frente desses cartórios”, argumentou.

Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti, delegatário da 2ª Serventia Registral de Olinda, argumentou que “estados como Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul já evoluíram e tornaram os cartórios uma rede informatizada, o que tem um custo elevado que esses pequenos cartórios não tem a mínima condição de ter”.

“As pessoas tratam esses cartórios como se fossem cargos comissionados, que conseguiram com prestígio de alguém. E sabemos que, na prática, os serviços muitas vezes nem funcionam nos distritos, mas apenas nas sedes, com o mesmo registrador. Eles recebem R$ 4.500 a mais por mês sem fazer muita coisa”, afirmou Francisco Cavalcanti, que antes de ser cartorário foi juiz federal e desembargador do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5).
 
Acesso aos serviços

Já Israel Guerra, advogado de cartórios distritais e ex-deputado estadual, defende que a extinção dos cartórios, tanto a gradual como a imediata, seja revista. “A baixa rentabilidade é fruto de uma organização malfeita do TJPE. E a visão pela extinção atende um interesse corporativo dos cartorários, que preferem um serviço mais centralizado e eficiente, mas um cartório deficitário do ponto de vista financeiro pode ser superavitário do ponto de vista da cidadania, ajudando a combater o subregistro de nascimentos e ajudando suas comunidades”, afirmou.

Outro argumento apresentado por Guerra é em relação à possibilidade, prevista no PL nº 923, de que os cartórios de notas e registros de imóveis absorvam cartórios de registro natural deficitários. “Serviços como o registro de imóveis, mais lucrativos, vão ter muito mais prioridade do que o registro de nascimentos”, pontuou.

Presentes na reunião, parlamentares como Waldemar Borges (PSB), Débora Almeida (PSDB), José Patriota (PSB) e Joaquim Lira (PV) demonstraram preocupação com a possibilidade da extinção afetar a população. “O que deve reger a existência dos cartórios não pode ser apenas a viabilidade econômica, pois onde há demanda o estado deve suprir o serviço. Corremos o risco de penalizar um segmento invisível da população”, avaliou Waldemar Borges.

Alepe

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