terça-feira, julho 11, 2023

As regalias de Neymar, o choro de Tite e as crises na CBF: Juninho passa a limpo a Copa do Catar

Juninho Paulista, coordenador da Seleção, e o técnico Tite: "Ele tem capacidade de comandar qualquer clube na Europa" — Foto: Lucas Figueiredo / CBF

Aos 50 anos, Oswaldo Giroldo Júnior, o Juninho, prefere respirar antes de buscar novo rumo profissional. Depois de dez anos no Ituano, ele foi escolhido como diretor de Desenvolvimento da CBF no início da gestão Rogério Caboclo e logo substituiu Edu Gaspar, em 2019, como coordenador da Seleção.

Desligado no fim da Copa do Catar, o ex-jogador, campeão do mundo pelo São Paulo e pela seleção brasileira em 2002, concedeu entrevista ao Abre Aspas, do ge, e rememorou o que passou ao lado de Tite e companhia.

Prodígio do "expressinho" de Telê no São Paulo no início dos anos de 1990, Juninho começou no futebol de salão do Juventus-SP aos seis anos, mas quase largou tudo pelas negativas no campo no tradicional clube da Mooca paulista e também no Corinthians. Com apoio do pai, ex-vendedor de alumínio e dono de banca de jornal, fez trabalho especial para engordar - saiu dos 55 kg para 58 kg com remédio todos os sábados e três refeições pesadas por dia - e se tornar um dos extraséries do seu tempo.

Com a experiência de quem teve o pai como empresário na carreira - e de quem olha para trás e vê algumas desvantagens nessa relação no desenvolvimento da carreira -, Juninho passa a limpo os quatro anos de CBF com reflexões sobre Neymar, Daniel Alves e a escolha do novo técnico do Brasil.

Abre Aspas: Juninho Paulista

Nome: Oswaldo Giroldo Júnior

Profissão: ex-jogador, foi coordenador da seleção masculina principal de futebol

Idade: 50 anos

Carreira: Seleção brasileira, Ituano, São Paulo, Middlesbrough, Atlético de Madrid, Vasco, Flamengo, Celtic Rangers, Palmeiras, Sydney FC

ge: Depois da eliminação do Brasil, discutiu-se aquela imagem do Tite saindo de campo logo após os pênaltis contra a Croácia. Qual a sua avaliação daquele episódio?

Juninho: – Nos pênaltis, ele estava com todo mundo e tinham vários jogadores ali. Quando terminou, eu já parti para os jogadores que estavam em campo. E ele ficou com esse pessoal todo. Foi uma tristeza muito grande para ele. Acho que foi um dos piores momentos da vida dele, da carreira. Teve a Bélgica, mas (antes da Copa de 2022) teve um ciclo inteiro, a confiança era muito grande nesse período. Tudo caiu em cima da cabeça dele. Sempre cai em cima da cabeça do treinador primeiro essa eliminação. Mesmo assim ele ficou ainda com o pessoal ali próximo, não teve essa atitude de entrar em campo, mas ele é muito introspectivo.

– Ele foi sofrer sozinho, foi chorar sozinho. Estava lá no vestiário e até ele ficou espantado quando, no outro dia, tiveram essas notícias. Ele até perguntou depois: “Pô, mas fiz alguma coisa errada?” . Eu falei: "Não, de maneira nenhuma”. Cada um sofre da maneira que sente na hora, né? Na hora você não pensa nessa obrigação, na hora você quer viver o seu luto.



Juninho Paulista, ex-coordenador da seleção, no Abre Aspas: contratado por Rogério Caboclo, ele foi demitido depois da Copa no Catar — Foto: Marcos Ribolli

A impressão que dava era de que vocês tinham uma confiança muito grande do título. Como foi lidar com a tristeza no vestiário?

– Foi uma situação muito difícil. Eu ainda tinha outras preocupações, de ver como a gente iria fazer a organização dali para frente. Mas a comissão técnica estava só tentando enxergar o que aconteceu. Iniciamos bem a Copa, tivemos alguns problemas durante a primeira fase. A gente tinha programado de poupar os atletas contra Camarões, e aí chegou bem nas oitavas. O Neymar chegou bem, a volta do Danilo… E no jogo das quartas, a Croácia nos surpreendeu.

– E aí eu falando a minha visão técnica, a Croácia nos surpreendeu no primeiro tempo ficando muito com a bola. Não deixando o Brasil ficar com a bola, e isso é uma coisa que irritava o Tite, a gente não ter a bola e a Croácia conseguiu controlar bem o jogo, principalmente no meio campo. Eles não ofereceram perigo, mas também não deixaram a gente oferecer perigo.

– No segundo tempo, isso melhorou um pouco, a gente chegou algumas vezes antes de sair o gol do Neymar. Depois, surge um monte de situação. "Pô, deveria ter feito isso, deveria ter feito aquilo". Mas, cara, se a gente for ver o lance, são algumas sequências que você fala: "Meu, isso aqui parece estar escrito". É complicado. Se a gente jogar de novo contra a Croácia, que já provou ser uma excelente seleção, porque não é normal chegar em (fases) finais de Copa anos em sequência, é muito difícil... Mas, se a gente jogar contra a Croácia da maneira que jogou, provavelmente vai ganhar nove de dez.

Juninho Paulista, coordenador da Seleção, e o técnico Tite: "Ele tem capacidade de comandar qualquer clube na Europa" — Foto: Lucas Figueiredo / CBF

Antes da Copa, um dos debates era se o Vini Jr seria titular ou não do Brasil. O Tite demorou muito para ter confiança nele?

– Acho que o Tite foi ganhando confiança aos poucos no Vinicius. Falava muito em amadurecimento. Eu acho que o processo do Vinícius na Seleção foi o que ele teve no Real Madrid. Foi ganhando confiança aos poucos, como no Real. Lá, ele sofreu muito no início, não estava bem, não jogava do jeito que ele estava jogando e do jeito que ele joga hoje. Às vezes, fazia um jogo bom e fazia um jogo ruim.

– Eu acho que na Seleção foi o mesmo processo. Chegou não se destacando tanto, foi ganhando espaço, ganhando a confiança do Tite, sendo um pouco mais regular, entendendo um pouco mais a ideia de jogo. Eu lembro que o Tite conversava bastante com o Ancelotti nesse aspecto, principalmente quando ele começou a se destacar no Real. Conversava para poder repetir o posicionamento e as funções na Seleção.

A convocação do Daniel Alves foi a mais debatida. Como foi sua participação nesse caso?

– Foi um tema bastante discutido. Nas primeiras viagens, o Fábio Mahseredjian (preparador físico) e o Guilherme (Passos, fisiologista) se assustaram com a performance do Daniel. Tanto que ele não foi convocado nessas duas convocações antes da Copa. Por conta da performance, da forma física dele, então foi falado para ele. Desde então, o Dani fez tudo aquilo que nós sugerimos, da parte fisiológica e física. Mas foi realmente uma discussão grande em torno dele. Na nossa avaliação, ele merecia a convocação. Eu acho que também um pouco por falta de concorrência nesse nível. Acho que também pelo que ele representava, para os atletas e para a Seleção, pela resposta que deu quando estava mal. Então, a minha opinião final era de que deveríamos convocar.

Vocês consideravam que a Seleção tinha um grupo jovem, que precisava de figuras como o Daniel? Ele até brincou que poderia ser o tocador de tantam...

– Também. Era um cara de grupo, que agrega. Mas, se precisasse, colocaria sem pensar. Foi nessas condições. O Danilo machucou, aí tinha duas opções táticas: o Militão e ele. Num jogo, foi opção do Militão pela característica do jogo. No outro, foi ele. Quando entrou, ele correspondeu. Na minha opinião, na Copa, não tivemos nenhum ponto fraco por ele estar em campo.

Antes da Copa, houve aquele caso do Malcom e do Claudinho, que foram chamados de volta pelo Zenit, deixaram a Seleção e nunca mais foram convocados. Aquele episódio acabou pesando contra?

– Eu vou falar por mim: não gostei da atitude deles. Falei isso para eles. Entendo a situação, mas falei com eles e com o empresário deles.

– Os dirigentes (do Zenit) estavam pressionando muito, foram muito firmes com os dois atletas, pegaram muito forte, com os dois, até (de maneira) desumana, de ameaça mesmo, de rescindir contrato, coisas fortes. Foi pressão grande em cima deles, mas fiquei chateado com a decisão de abrir mão da seleção brasileira.

Juninho Paulista, ex-coordenador da seleção: "No momento eu não estou pensando em em trabalho. Eu quero dar uma respirada" — Foto: Marcos Ribolli

Caso parecido foi do Gabriel Magalhães, que pediu dispensa pelo nascimento do bebê?

– São escolhas. Eu passei por isso. Nasceu um filho meu, fiquei esperando na Inglaterra e no dia seguinte vim ao Brasil porque tinha machucado o meu joelho e precisava me recuperar o mais rápido possível. A minha esposa ficou lá 40 dias sozinha, com a ajuda de babá. Isso prejudicou? Na hora de pesar você vai colocar tudo na balança e é inevitável, você vai colocar tudo isso na balança. Vem o outro, joga e aí acontece de perder um pouco espaço.

Qual foi o momento que mais exigiu de você no cargo?

– Tivemos a questão dos times ingleses que nos prejudicou mais ainda porque os argentinos peitaram os clubes e se apresentaram. Foi uma questão também de eu ter falado com com alguns jogadores brasileiros nesse sentido, por conta dessa “irresponsabilidade” dos jogadores argentinos para com seus clubes.

(Nota da redação: durante a pandemia, por regras sanitárias de cada país, os clubes da Premier League não liberaram os atletas).

Você sugeriu que eles peitassem também?

– Não é que eu sugeri, mas a gente conversou: "Pô, os jogadores argentinos estão vindo. Por que a gente não pode vir?”. Porque iria ter um confronto Brasil x Argentina. Então foi nesse sentido, mas não de peitar. Tanto é que ninguém veio, né?

A Copa América foi outro momento mais tenso?

– Foi, tinha aquela questão da desistência de um país, a indefinição de onde iríamos jogar e, em cima da hora, o Rogério (Caboclo) tentando trazer essa Copa América para o Brasil no momento pandêmico complicado. E com opiniões diversas dos jogadores, da própria comissão técnica. Esse elo entre a parte técnica e a parte administrativa eu também sofri um pouco para falar com o Rogério, para resolver essa situação. Foi uma parte bem complicada.

– A parte de organização de amistosos, por conta de não ter equipes qualificadas da Europa para jogar, era uma coisa que eu ia buscar muito. Tentava de uma maneira ou de outra, entrava em contato. Às vezes, (sugeria) se pudesse jogar com uma equipe reserva a Liga das Nações e fazer um jogo (contra o Brasil) com uma equipe principal, também não era possível. Foram situações bem complicadas para você poder tentar organizar bons jogos.

Caboclo bebe copo de água ao lado de Juninho: presidente foi afastado da CBF dias depois do jogo pelas Eliminatórias do Beira-Rio — Foto: Genito Jr

Nesse caso da Copa América, muitos jogadores não queriam atuar. Você tomou um lado?

– Eu tomei lado porque também não achava conveniente trazer a competição para o Brasil faltando uma semana para começar. Eu acho que foi uma irresponsabilidade. Não se faz uma competição em uma semana.

– E, assim, iria nos prejudicar muito porque a gente precisava de jogo, precisava estar com essa equipe. Só que naquela situação, falando em futebol, organização, campeonato, não deveria ter. E aí (houve) toda essa turbulência, mas o Rogério, na maior das boas intenções, trouxe a Copa América. Teve um conflito porque houve um pedido, a gente tinha feito um pedido para que pudesse voltar atrás, mas acho que a situação já estava muito bem encaminhada para ter essa competição aqui.

O Caboclo estava envolvido num escândalo de acusação de assédio sexual que acabou o tirando da CBF. A gente lembra que ele foi até o vestiário da Seleção no dia em que a história foi revelada pelo ge, numa situação inusitada. Como foi aquele momento, como isso atingiu o grupo?

– Foi ruim, né? Tinha dado toda aquela situação. Ele foi, ninguém falou nada em relação a isso. Só que ele queria falar no vestiário de Copa América. E aí eu conversei com ele: "Rogério, aqui não é o momento de se falar em Copa América. Nós estamos entrando para um jogo de Eliminatórias". Aí ele respeitou, fez o discurso, conversou com os jogadores no vestiário. Mas não se falou em Copa América, inclusive estava o Cafu, que foi embaixador da Copa América, que concordou.

Você trabalhou com dois presidentes da CBF, primeiro o Rogério Caboclo e depois com o Ednaldo Rodrigues. Algum deles tentou influenciar em convocação?

– Zero, nada. O que teve foi uma situação de um jogador do Flamengo. Porque era a equipe que a gente mais convocava jogador. O Landim (presidente do Flamengo) ia lá, ou o BAP (Luiz Eduardo Baptista, ex-presidente do Conselho de Administração do Flamengo) e falava: "Pô, quatro jogadores?!".

– Aí falavam (pelo Flamengo): “(Já convocou) três jogadores, leva um, leva outro”. E aí, numa das convocações, teve um pedido para não levar um ou outro jogador a mais dessa instituição. Não vi como algo tão grave assim, né? Por conta dos problemas das convocações das equipes brasileiras.

– Na nossa época, tinham mais jogadores do Flamengo na nossa lista. Era sempre muito complicado. “Ah, desequilíbrio técnico…”. Eu até acredito, você leva um de um time, leva três do outro, você vai causar um desequilíbrio técnico. Mas, em alguns momentos, a gente sempre usou o bom senso de não levar mais do que dois jogadores por equipe.

Quando você saiu da CBF houve uma passagem de bastão?

– Não teve. Até agora não tem um coordenador. Estão a Claudinha (Faria, gerente administrativa) e o Hamilton (Correia, administrador), praticamente comandando ali o setor, com o Thomaz Araújo e o Bruno Baquete (analistas de desempenho), o Guilherme Passos (fisiologista), que ficaram da comissão passada. Então não teve uma transição. Mas deixamos muita coisa automatizada no nosso setor, com padrões.


Entre Denílison e Caio, Juninho Paulista em ação no pelo São Paulo contra o Corinthians pela Copa Conmebol de 1994 — Foto: DOMICIO PINHEIRO / ESTADÃO CONTEÚDO

Há um temor de que processos criados pela comissão técnica antiga sejam perdidos nesse momento? Pelo peso da derrota para a Croácia fica aquela coisa de "nada mais serve".

– Essa é a nossa cultura. Ela ainda é muito forte por resultado. Mas está melhorando em clubes, os dirigentes estão entendendo mais. Mas ainda falta muita coisa para gente tirar essa cultura do resultado. É claro que você tem que ter o resultado, isso não quer dizer que o processo esteja errado. O processo que foi feito na CBF com a permanência do Tite de dar um ciclo inteiro pra ele, foi um processo correto.

– Essa comissão permanente do dia a dia é um processo correto. Você vai perguntar para os principais treinadores do Brasil e eles vão chancelar esse processo. Estatisticamente temos vários exemplos de que quando esse processo é bem feito, consistente e duradouro, quando a filosofia do treinador permanece durante um período, sem muitas trocas, esse período vai ser vencedor. A gente tem vários exemplos. Hoje, o mais recente é do Luís Castro, no Botafogo, que foi muito criticado no começo no Estadual.

– O processo da Seleção foi de excelência. Éramos nove ali na comissão permanente, esse processo de dia a dia foi super importante e tudo isso está lá registrado. O Gilmar Rinaldi começou com isso, aí veio o Edu Gaspar e deu essa continuidade. Tudo o que você faz tem que estar lá, não é você trabalhar um período, fecha seu computador e leva embora todas as informações. É o que acontecia, não ficava nada para a CBF. Hoje não.

É possível ter sucesso sem ter esse ciclo longo? Ancelotti vai ter aí dois anos, talvez.

– Tudo é possível. O cara chegar com seis meses e ganhar a Copa do Mundo é possível. É futebol, no futebol acontece isso. A probabilidade ela é menor? Muito menor! Pode acontecer dentro desses 10%, desses 5%, pode acontecer. Só que a probabilidade é infinitamente menor do que se tiver um processo mais longo. "Ah, um processo de dois anos pode ser eficaz?". Pode, mas no de quatro anos a probabilidade (de vitória) é maior.

O Ednaldo em algum momento te perguntou: o que eu faço, quem contrato?

– Não. Não conversamos, não perguntou. O foco todo estava na Copa, apesar de o Tite ter anunciado que não ficaria pós-Copa. Na minha opinião, a gente teria tempo para isso. Talvez o presidente pudesse, nesse período em que o Tite anunciou a sua não permanência, começar lá de cima alguma coisa. Na minha função era mais difícil você falar (sobre o próximo técnico). Mas, na minha opinião, teríamos tempo. A Copa terminou em dezembro, o compromisso do Brasil foi no final de março, então teríamos esse tempo hábil para para poder exercer essa escolha.

Como vê esse processo agora de escolha de técnico, com a espera do Ancelotti?

– É até complicado, porque talvez eu possa ser mal interpretado pelas pessoas, até pelo próprio presidente, às vezes se torna um pouco antiético eu falar tendo esse conhecimento de estar lá. Mas acho que é importante dar uma opinião e sem críticas nenhuma. Não é fácil, a situação do Ednaldo para a escolha de um treinador não é fácil.

 Se eu tivesse naquela cadeira, eu também não teria uma convicção. Eu iria procurar, conversar, entrevistar. Mas hoje eu não teria essa convicção. Tem que conversar, ver qual é a proposta, o que espero da seleção brasileira. Qual a primeira opção? Treinadores brasileiros, essa seria a minha primeira opção. Ir atrás de treinadores brasileiros. Na entrevista, eu não sentindo firmeza e não tendo essa convicção, aí eu partiria para um estrangeiro.

– Partiria para os melhores do mundo, e o Ancelotti é um dos melhores do mundo, né? Já provou isso. Ele conhece o jogador brasileiro, trabalhou com vários jogadores que inclusive estão sendo convocados e que tem uma um carinho muito grande por ele. É um cara também que é um gestor de grupo excelente, por todos os relatos dos jogadores que já trabalharam com ele. É um nome muito forte, mas quanto mais tempo esse treinador estiver trabalhando com esses jogadores, entender o processo de uma seleção brasileira...

– Não é um processo de clube, você vai ter cinco períodos nos ano com dez dias com esses atletas. Então, como é que eu vou trabalhar nesse sentido, como é que eu coloco a minha cara na seleção brasileira em dez dias? Quer dizer, 50 dias de 360 dias. Quanto mais tempo eu puder trazer um treinador para ficar fazendo esse processo, na minha opinião, será melhor.

Por que priorizaria os treinadores brasileiros?

– Porque o treinador brasileiro é capacitado. Tem treinadores brasileiros capacitados para treinar a seleção brasileira.

Surpreende a essa altura do ano o Tite ainda estar sem time? O resultado o prejudicou nesse sentido?

– O resultado prejudicou muito. Porque mesmo ainda lá fora tem pessoas que só olham o resultado. Porque às vezes não conhece muito esse processo. Vai contratar um treinador e eles só olham os resultados. Por isso que eu falo da importância do agente.


– O Tite precisa ser visto dessa maneira que ele é. Ele tem capacidade de comandar qualquer clube na Europa, do tamanho de um Manchester City, de um Real Madrid. Ele tem essa essa condição.

– O que que pode atrapalhar é o idioma, principalmente na Inglaterra. Particularmente, acho que atrapalhou o Felipão no Chelsea. Porque com o Felipão, o Tite é muita comunicação. Tem que passar por um intérprete para passar a sua fala. Isso já quebra muito.

Sempre houve críticas do tipo “o Neymar manda na seleção brasileira”, “o Tite era protetor”...

– Todas (críticas) mentirosas.

O Tite cobrava do Neymar? Você também? Havia situações de que o Neymar devia se comportar igual aos outros, não ter regalias?

– O Neymar olha o Messi na seleção argentina com regalias. Ele olha o Cristiano Ronaldo na seleção portuguesa com algumas regalias. E aí ele vem para a seleção brasileira e é humanamente normal, porque está no nível desses jogadores, que tente algum tipo de regalia. Por ser tecnicamente o melhor jogador do Brasil. Só que aí cabe a nós mostrarmos a ele que algumas situações que não prejudique, ok. Outras, não. Na maioria dos casos, ele vai fazer o que fazem todos os jogadores.

– Foi assim que o Felipão fez com o Ronaldo em 2002. Era uma referência técnica também para o grupo. E o Neymar entendeu perfeitamente, zero problema.

Abre Aspas: Juninho Paulista fala sobre privilégios de Neymar na Seleção

Que tipo de regalias?

– Coisas bobas que não prejudicariam a gente.

Aquela coisa de acesso de amigos e familiares ao hotel, por exemplo?

– Não, isso é uma das coisas que não podia. Cara, você está 30 dias ali focado naquilo que você tem que fazer. Houve a permissão de familiares no momento certo, não em todo momento. Foi uma coisa que eles observaram em 2018 e que não deu tão certo e a gente mudou. Mas em termos disciplinares foi zero, Neymar, como qualquer outro jogador, foi zero de problema disciplinar. Isso é muito mérito nosso também. A geração é diferente da anterior, é diferente da minha, não é "não porque não”. Tem que ter embasamento.

Juninho Paulista, Neymar e Ednaldo Rodrigues antes de Camarões 1 x 0 Brasil: relação com craque da seleção brasileira foi boa — Foto: Lucas Figueiredo/CBF

Em alguns momentos foi mais delicado lidar com isso com o Neymar?

– Eu sempre procuro evitar os conflitos. Eu acho que o conflito sempre é ruim para as duas partes. Mas foi sempre muito tranquilo. Na hora que tinha que falar as coisas menos importantes, o Luis Vagner (ex-gerente da Seleção) falava, e as coisas um pouco mais importantes eu iria falar. Mas em todo momento houve uma aceitação muito boa.

Ele é, além de líder técnico, uma liderança moral para os atletas?

– Nós tínhamos várias dinâmicas, de ouvir um pouco esses atletas. O Neymar era um dos que mais falava. Sempre tentou incentivar, mostrar aquilo que ele pensava, nessas reuniões no vestiário também. Claro que ele é muito mais um líder técnico, mas ele consegue também essa liderança fora de campo.

Como é seu futuro agora? Volta para o Ituano, vai para outro clube, para fora?

– No momento eu não estou pensando em trabalho. Eu quero dar uma respirada. Encerrei minha carreira, já peguei o Ituano na sequência, sendo administrador, foram dez anos seguidos no Ituano e os primeiros anos me exigiram muito mais tempo. Trazendo pessoas da minha confiança para o clube consegui ter um pouco mais de tempo. E aí vim para a CBF, mudei para o Rio, fiquei sozinho no Rio durante todo esse período. Foi um período bem sacrificante, agora eu quero ter um tempinho para mim. Estar mais próximos da família. Para o Ituano, não penso em voltar para o dia a dia, talvez voltaria com uma com uma consultoria. Mas não mais com a responsabilidade do dia a dia.

Juninho pelo Middlesbrough: ele é ídolo na Inglaterra e marcou nova era de jogadores brasileiros no Velho Continente — Foto: Getty Images

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Você foi para o Middlesbrough em 1995. A Premier League não tinha esse status de hoje. Quando chegou a proposta, como foi a reação?

– A proposta me fez pensar bastante, mas eu acreditei muito no Bryan Robson, que era uma referência no futebol inglês e era o treinador do Middlesbrough. Naquela Copa Umbro que nós fizemos com a Seleção em 1995 (a Seleção venceu a Inglaterra na final em Wembley por 3 a 1) ele era o auxiliar do Erickson na seleção inglesa e aí ele me viu jogar. Ele queria mudar o patamar do time, sempre foi um cara que gostou de jogar, queria jogadores com essa característica. Ficou seis meses esperando até encaixar no "work permit" da Inglaterra. Naquela época, você tinha que ser jogador de seleção e nos últimos dois anos ter participado de 75% dos jogos para ter a permissão de jogar na Inglaterra.

– Então ele teve que esperar, me convencer desse projeto e isso me impactou bastante. Veio para o Brasil. Tive uma reunião com ele, me trouxe fita cassete do campeonato inglês. E aí olhando a fita cassete, eu tinha até dor no pescoço. Era a bola saindo do goleiro, ia para frente e não tinha muita bola no chão. Mas acho que por ele, pelo projeto, eu acreditei, eu falei: “eu vou”. Não tive também outras grandes propostas para que eu pudesse balancear. Na época falaram: "Poxa, Juninho, você vai sair do São Paulo, que você está se destacando, para ir para uma equipe pequena na Inglaterra?!". Eles falaram do Arsenal, que na época tinha demonstrado interesse, mas não chegou nada. Aí encontrei um futebol inglês totalmente diferente da fita. Cara, o que eu tinha de espaço lá para jogar era impressionante. Uma coisa é você olhar o futebol inglês de fora, aquela correria, de lançamentos. E outra coisa é você estar em campo. Eu comecei a encontrar muito espaço para jogar.

Uma vez o Telê disse que você era o Zico dos anos 1990. Lembra disso?

– Não lembro. Era muito, né? (risos). Meu ídolo era o Zico. Você olhava para o Telê, assim, sempre com muito respeito. Você não chegava para falar com o Telê, só se ele viesse falar com você. Quem ia falar era Muller, Toninho Cerezo, os caras mais experientes. Eu tinha o Telê como um ícone ali. Eu ficava muito envergonhado de chegar e falar. E sempre escutava com muita atenção, né? Foram alguns toques que me marcaram.

– Ele falou do Toninho Cerezo: "Repara ele jogando, você vai ver que ele vai receber 80% da bola livre, olha a movimentação”. E eu fui copiando. Eu sempre fui um jogador com muita objetividade. Pegava a bola, sempre era muito vertical. Acredito que ele gostava dessa característica, sempre me incentivava isso. Eu acho que me prejudiquei na carreira um pouco por causa disso. Tinha jogo que dava certo, tinha jogo que não dava tão certo, mas o jogo que não dava tão certo eu insistia.

–No lugar de pegar uma bola, dar um passe simples, adquirir confiança de novo… Não, mesmo mal no jogo, eu queria ter essa objetividade. Telê tinha a questão técnica de querer melhorar a individualidade do atleta, era absurdo isso nele. De ficar ficar depois do treino, com já consagrados. Com Cafu, já na Seleção, com Cerezo, Alemão, e sempre insistindo.

Seu pai foi seu empresário na carreira, como era essa relação em outra época?

– Ele era. A gente só foi ter um outro procurador quando eu fui para a Inglaterra, que nós tivemos um agente que era italiano, o Antonio Caliendo, que foi agente do Dunga. Só essa época que nós tivemos um procurador diferente. O restante sempre foi ele. Mas ainda existia a "lei do passe", então você ficava preso aos clubes. Os empresários não tinham tanto poder como tem hoje, era mais tranquilo.

Nota da redação: o "passe" do jogador, hoje chamado de direitos federativos, era vinculado ao clube, que tinha instrumentos jurídicos para "prender" o jogador mesmo sem acordo de renovação contratual.

Seu Oswaldo foi empresário de Juninho em boa parte da carreira — Foto: Acervo O Globo

– Olhando agora, com toda essa essa minha experiência de passar por dirigente e tudo mais, eu acho que faltou um pouco mais de experiência, tanto para mim como para o meu pai. E o meu pai falava isso: “Filho, não sei tudo, vamos procurar alguém para poder nos ajudar”.

– E eu sempre quis que meu pai tomasse conta disso. Falei: “Não, pai, vamos juntos. A gente não precisa, não. Você vai aprendendo, a gente vai tocando". E sempre tinha gente procurando. Sempre tinha empresários vindo e perguntando, mas eu sempre tive essa ideia. Hoje, talvez com uma pessoa que pudesse agregar, eu acho que talvez eu teria tido uma carreira um pouco diferente, teria procurado um time grande na Europa para poder jogar. Porque eu tinha me destacado no Middlesbrough nessa época. Fomos para o Atlético de Madrid, que é um time grande, mas não demos continuidade.

Você fala em negociar melhores contratos ou de portas mais abertas?

– De ter portas mais abertas. Porque a gente tinha a ideia de que “se o clube me quer, ele vai vir me buscar”. E não é bem assim. Às vezes você precisa mostrar para o clube quem está disponível, teria que ter essa parte do trabalho também que hoje muitos agentes fazem. Então eu acho que faltou isso nessa época da minha carreira.

Você soube de ter perdido alguma oportunidade específica?

– Eu fui o primeiro atleta brasileiro a ir para a Premier League. Tinha o Mirandinha, mas ainda não era a Premier League. Eu tive dois anos de muito destaque no Middlesbrough. Lembro na época de quando o Middlesbrough caiu em 1997, eu estava muito preocupado com a Copa do Mundo de 1998. Eu falei: "Poxa, se eu ficar num clube de segunda divisão, talvez eu não tenha essa visibilidade toda e o Zagallo não me chame para a Copa”. E isso me preocupou. Então a minha vontade era ir para um mercado mais visível, principalmente para o Brasil. Naquela época, a Inglaterra não tinha esse mercado e a Espanha tinha. E o Atlético de Madrid veio atrás de mim através do Paulo Futre (ex-jogador português).

– Só que eu não tinha a dimensão do que eu estava representando na Premier League naquele momento. Eu me lembro que na época veio o Tottenham e veio o Liverpool, e parece que tiveram pedidos para o Steve Gibson, que era o presidente da época e é até hoje o dono do Middlesbrough, de que não me deixasse sair da Inglaterra, que tentasse me negociar com um clube inglês.


Juninho foi destaque da Seleção em torneio na Inglaterra e foi comprado por clube inglês — Foto: Acervo O Globo

– Eu me adaptei muito bem ao jogo da Premier League. Então, talvez seria um ponto, talvez o Atlético Madrid me oferecendo mais do que o Liverpool estava me oferecendo, talvez fosse um momento de eu abrir mão um pouco dessa dessa visibilidade e continuar na Inglaterra, porque eu tinha conquistado um mercado importante.

Em termos de contrato foi o maior da sua carreira na Inglaterra?

– Não, o maior da carreira foi no Atlético de Madrid. O Middlesbrough foi muito maior do que o São Paulo estava me oferecendo, por exemplo. Tinha a lei do passe e você tinha que negociar com o clube, então eu me lembro que o meu contrato estava terminando e o que eu almejava receber e o que o São Paulo queria me pagar era muito distante. E aí veio o Middlesbrough me pagando quatro vezes mais do que São Paulo estava oferecendo. Foi um momento financeiro também importante para mim.

Por Bruno Cassucci e Raphael Zarko — São Paulo

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