segunda-feira, outubro 24, 2016

Emocionada, Mysheva relata últimos acontecimentos antes da morte do promotor

Mysheva Faria (Foto: Clemilson Campos/Folha de Pernambuco)

A noiva do promotor Thiago Faria Soares, a advogada Mysheva Freire Ferrão Martins, começou a ser ouvida pela juíza federal Amanda Torres de Lucena Diniz Araújo por volta das 14h30 desta segunda-feira (24), na sede da Justiça Federal, situada no Jiquiá, Zona Oeste do Recife. Em depoimento no julgamento de três dos cinco acusados pelo homicídio, Mysheva relatou os últimos acontecimentos antes de o noivo dela ter sido assassinado em outubro de 2013 e chegou a se emocionar quando detalhou o crime. A oitiva terminou por volta das 17h50.

Segundo Mysheva, ela e o promotor saíram de casa cedo em Águas Belas, como de costume, por volta das 8h do dia 14 de outubro de 2013 e seguiam para Itaíba, onde o promotor faria o último programa de rádio no município. No outro dia, ele seria transferido para Jupi. No percurso, Mysheva informou que esqueceu os convites de casamento e decidiu voltar pra casa, junto com o promotor. "Quando eu cheguei na fazenda, vi Passarinho (réu José Marisvaldo Vitor da Silva). Eu sempre o via, mas não sabia o nome dele. Passarinho sempre estava junto de José Maria de Mané Pedo. Ele era como um gerente. Ficava como se fosse na administração da fazenda", relatou

De acordo com a advogada, ela pegou os convites e entrou no carro do noivo. O tio dela, Adautivo Elias Martins, pediu carona e também entrou no veículo. Mysheva informou que percebeu que o carro estava sendo seguido, mas que acabou não se importando tanto com isso. "Quando eu cheguei na entrada da BR, eu olhei e Passarinho vinha, de moto, atrás do carro", revelou.

Mysheva relatou que, antes da abordagem, o casal estaria conversando sobre o casamento e os convites. "Ele achava lindo quando sabia que as pessoas estavam esperando o nosso casamento, falando. Eu disse a ele que estava ficando nervosa que o casamento estava se aproximando", relatou. Foi quando um carro do outro lado se aproximou tentando ultrapassar. "Quando vi, já era um homem meio para fora do carro e um cano longo, uma arma. Eu só vi o atirador da cintura pra cima. Ele estava no banco da frente. Era um homem meio forte e usava um chapéu de massa [estilo Panamá]. E vi umas listras na camisa", relatou Mysheva.


De acordo com Mysheva, Thiago foi diminuindo a velocidade do carro para dar passagem ao veículo que vinha atrás quando foi atingido por um disparo. "O carro parou e ele fez assim: 'ô, Mysheva'. E eu não vi o sangue e esse carro foi embora no sentido Itaíba", comentou.

Ferido, Thiago ainda conseguiu parar o carro e mexer na marcha. "Eu disse: 'Thiago, ligue esse carro que a gente vai morrer agora'", contou, emocionada. Ele segurava a chave, mas as mãos se moviam lentamente. Foi quando o outro carro fez o retorno poucos metros depois. "Tentei tirar o cinto dele para ver se eu conseguia arrastar ele", conta. Ela diz não ter percebido o que estava acontecendo com o tio no banco de trás do carro.

Ela relatou que conseguiu abrir a porta do carro e se jogou em um barranco. "Fiquei de costas, sem ver nada. Só escutava os disparos. Eram muitos. Parecia uma eternidade, mas foi tudo muito rápido", comentou Mysheva.

Questionamentos

Os advogados de defesa dos réus fizeram perguntas repetitivas, o que foi criticado pela juíza. Eles tentaram colocar Mysheva contra a parede sobre alguns temas, como a relação da família dela com prefeitos de Manari e Itaíba, onde ela tinha cargos comissionados antes da morte de Thiago - discussão que não rendeu muito.

O fato de Mysheva ter pedido, por e-mail, a dois parentes de Thiago, após o crime, uma declaração de união estável para conseguir pensão também foi levantado. Ela reconheceu que pediu isso, mas que o assunto não foi à frente e que trabalha desde os 14 anos.

Por fim, questionaram-na porque ela pediu estorno de R$ 13 mil referentes às passagens da lua de mel tão pouco tempo após a morte. O estorno foi pedido em 4 de novembro de 2013. Ela disse que passou um mês dependente de remédios, sem interesse em nada.


Lembranças

A noiva do promotor Thiago Faria Soares lembrou outros momentos do casal, sempre emocionada. Questionada sobre a transferência compulsória de Thiago Faria para a comarca de Jupi, ela contou que a medida teria sido adotada porque Thiago se alegou suspeito - quando a atuação do profissional pode comprometer o resultado - em 16 processos envolvendo integrantes da família Martins (de Mysheva). "Ele amava aquela comarca (de Itaíba), ele levou um choque. Se estivesse vivo, a comarca em que ele gostaria de estar até hoje era a de Itaíba", disse Mysheva.

Outro momento de emoção foi quando ela foi perguntada sobre os planos do casal. Mysheva disse que estava tudo ficando pronto para o casamento, que ocorreria em 1º de novembro de 2013. "O conto de fadas que eu estava vivendo se transformou num filme de terror", declarou.

O terceiro momento foi quando o procurador perguntou o que Thiago representava pra ela. Mysheva deu um brado que emudeceu todo o plenário e gritou, chorando: "Thiago foi o homem que eu nunca tive na minha vida. Thiago me fez viver, me fez sonhar, me deu uma vida que eu não tinha. A sociedade inteira o admirava pelo homem que ele era. Era honesto, justo", disse. Continuou: "Perdi o futuro marido que eu ia ter. A essa altura, estaria casada, talvez com meus filhos. Agora, não tenho mais vida não", afirmou.

Julgamento

O julgamento de três dos quatro acusados do crime começou nesta segunda-feira (24) e deve se estender até a quinta (27). A leitura da acusação pela juíza Amanda Torres de Lucena Diniz Araújo começou às 12h25. Pouco antes das 13h, ela determinou um intervalo. Às 14h30 a sessão foi retomada com o depoimento de Mysheva Martins, que estava no carro com Thiago e o tio dela, Adautivo Elias Martins, quando o crime ocorreu, mas ambos sobreviveram. Adautivo não vai comparecer ao julgamento - ele tem problemas mentais e apresentou um atestado médico. Também deve falar o delegado federal Alexandre Alves, que concluiu as investigações e encaminhou ao Ministério Público Federal.

No final da manhã, após a recusa de cinco mulheres, foi concluído o sorteio dos jurados que formam o conselho de sentença. O grupo é composto por seis mulheres e um homem. Uma vez sorteados, os jurados não podem se comunicar e nem emitir qualquer opinião sobre o processo. Quem descumprir a norma pode ser expulso do conselho e até pagar multa.

À imprensa, a mãe de Thiago também agradeceu ao Ministério Público de Pernambuco pelo carinho e atenção ao longo desses três anos. "Eu nunca dei uma palavra até agora desde o acontecido, mas hoje me senti na obrigação de dar uma satisfação a vocês. Estou aqui hoje para pedir, exclusivamente, justiça aos homens pela morte trágica do meu filho Thiago. Espero que a justiça seja feita porque a justiça divina não falha", disse.

Para André Luiz Barretto Canuto, advogado da família de Thiago, o inquérito federal é contundente e ninguém tem prova de inocência. "Temos provas, depoimento do delegado, perícia federal que foi juntada no dia 13 de outubro. Ela consegue muito bem colocar em fatos e mostrar a dinâmica do evento", afirma.

O julgamento ocorre na sede da Justiça Federal, situada no Jiquiá, Zona Oeste do Recife. Três dos cinco acusados inicialmente do crime estão sendo julgados. O júri é presidido pela juíza federal Amanda Torres de Lucena Diniz Araújo e são responsáveis pela acusação os procuradores da república Alfredo Falcão Júnior, Luiz Vicente Queiroz, Bruno Costa Magalhães e Fabrício Carrer.

Defesa e Acusação

Anderson Flexa, advogado de José Marivaldo, um dos réus, diz que todas as versões direcionam para uma intenção que é condenar os acusados mesmo sem provas. Já o procurador federal Luiz Vicente afirma que a motivação do crime, as desavenças entre José Maria Rosendo e Mysheva e os laudos constantes nos autos são provas suficientes para a condenação. "Mysheva é vítima, vai falar na condição de ofendida. O tio está à disposição da Justiça para depor", explicou Luiz Vicente.

Cinco pessoas foram acusadas de envolvimento na morte do promotor. Um dos acusados, Antônio Cavalcante Filho, irmão de José Maria Cavalcante, está foragido da Justiça Federal. Também réu, José Maria Domingos Cavalcante teve o julgamento adiado - está preso no Centro de Triagem Professor Everardo Luna (Cotel), em Abreu e Lima. Os três demais estão representados por seus advogados e serão ouvidos durante o júri.

Um dos quatro réus teve o julgamento adiado no início do júri desta segunda e liberado da sessão do plenário, José Maria Domingos Cavalcante. Os outros três irão prestar depoimento e estão representados por seus advogados -- todos se queixam do tempo. Anderson Flexa cuida da defesa de José Marivaldo Vitor da Silva. João Olímpio é advogado de José Maria Pedro Rosendo Barbosa (acusado de ser o mandante). Carlos Henrique é advogado de Adeildo Ferreira dos Santos. E Emerson Leônidas defende José Maria Domingos Cavalcante.

Cunhado de um dos acusados, José Maria Rosendo, Edmacy Ubirajara chegou a ser preso dois dias depois do crime, mas foi liberado porque as câmeras do comércio mostraram que na hora do crime ele estava circulando pelo centro da cidade. "Foi meio mundo de testemunha a favor de mim. Isso é tudo armação de Mysheva", disse ele.

Deslizes

Para Anderson Flexa, a defesa tem um trabalho muito difícil hoje: demonstrar as dúvidas existentes no processo. "Foram seis depoimentos. Tudo para comprovar uma tese apenas. Então, hoje, a defesa tem o árduo trabalho de mostrar que esses deslizes, essas informações que foram alteradas em outro momento estão conduzindo o processo para um erro. O nosso trabalho é mostrar que esse erro é direcional e intencionado", afirma.

"Edmacy foi reconhecido por duas vezes. Foi provado que ele não tem relação com o processo. Ele não estava naquele momento e foi reconhecido como atirador. Foi feito exame residuográfico, ele passou 60 dias preso. Houve um outro momento, o da Mysheva dizer que não havia o reconhecido em momento algum, que é uma outra mentira", garante.

Réus

Os acusados respondem pelo crime de homicídio doloso contra a vítima e por tentativa de assassinato da advogada Mysheva e do tio dela, Adautivo Martins. A juíza federal responsável será Amanda Torres de Lucena Diniz Araújo, titular da 4ª Vara. Os procuradores federais responsáveis pela acusação são Alfredo Falcão Jr., Luís Vicente Queiroz, Bruno Costa Magalhães e Ubiratan Cazetta.

Entenda o caso

O crime ocorreu no dia 14 de outubro de 2013 no interior de Pernambuco. Thiago Farias Soares estava com a noiva, a advogada Mysheva Martins, e do tio dela Adautivo Martins. Eles seguiam pela rodovia PE-300 a caminho de Itaíba, quando foram abordados por homens armados. Os tiros atingiram Thiago, que morreu na hora. O veículo deles parou. O carro dos assassinos contornou a via e, segundo as investigações, retornou para tentar assassinar tio e sobrinha, que escaparam com vida após se jogarem para fora do veículo, na estrada. A arma do crime nunca foi encontrada.

De acordo com o advogado de Mysheva, José Augusto, a motivação do crime foi a compra de 25 hectares de uma fazenda em Águas Belas. O imóvel, que possuía uma extensão total de 1.800 hectares, foi adquirido por Mysheva em um leilão - com isso, José Pedro teria sido obrigado a deixar o local. “Não resta dúvida de que o mandante é José Maria Pedro Rosendo”, afirmou Augusto.

Segundo o advogado que assiste à acusação, José Marisvaldo Vitor da Silva, o “Passarinho”, seguiu o veículo do casal e passou as informações sobre o trajeto dele para os executores. Na audiência de instrução do processo, que ocorreu de 24 a 27 de março de 2015, Mysheva e Adautivo depuseram. Na ocasião, foram ouvidas 34 testemunhas, sendo 16 arroladas pela acusação e 18 pela defesa.

“Estamos confiantes na condenação dos réus. Isso vai acabar com a impunidade em Pernambuco, pois Zé Maria já responde por sequestro, respondeu por um homicídio e diversos crimes”, complementou. Entre as provas registradas nos autos do processo estão a perícia no carro da vítima, reconstrução do crime em 3D pela Polícia Federal e o depoimento de Mysheva, que, segundo José Augusto, não apresenta falhas.

Já para a defesa dos réus, o depoimento de Mysheva é contraditório. “Foram seis depoimentos da Mysheva, que só provam que o que mais existe no processo são dúvidas e inconclusões”, alegou o advogado Anderson Flexa. “A primeira grande mentira no processo indicava Edymacy Ubirajara como estando no veículo e que ele teria atirando no promotor. Provou-se, através de perícias e das testemunhas, que a imputação feita por Mysheva não era verdadeira, assim como várias outras imputações não são”, complementa.

Segundo Flexa, o único fato comprovado é o assassinato do promotor. “Fora isso, nada é conclusivo”, afirmou. Ele declara que foram realizadas três perícias que trouxeram, por sua vez, três resultados diferentes. “Inclusive, há divergência em relação à quantidade de tiros, à ordem dos tiros e ao posicionamento da arma utilizada”, declara.

Folha de Pernambuco

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