quinta-feira, fevereiro 04, 2021

Sergio Moro tirou sigilo de ação sobre Lula uma hora após pedido de Deltan em que dizia temer que o ex-presidente se tornasse ministro da presidente Dilma



O então juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol durante evento em São Paulo em 2017

O procurador Deltan Dallagnol e o ex-juiz Sergio Moro debateram em aplicativo de mensagens levantar o sigilo de uma ação da Polícia Federal em que constava um relatório sobre acervo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Menos de uma hora e meia após a conversa, Moro fez o despacho suspendendo o sigilo.

A discussão aconteceu em março de 2016, quando o nome do ex-presidente era especulado para assumir o Ministério da Casa Civil no governo de Dilma Rousseff (PT). Dallagnol disse a Moro temer que a nomeação impedisse a suspensão do sigilo, uma vez que Lula passaria a contar com foro privilegiado.



Procurados, Moro e MPF (Ministério Público Federal) não se manifestaram. Em nota divulgada na segunda-feira (1º), o ex-juiz reiterou não reconhecer a autenticidade das mensagens. A grafia das mensagens foi mantida tal como nos autos do STF (Supremo Tribunal Federal) —na segunda-feira, o ministro Ricardo Lewandowski levantou o sigilo de parte do material apreendido na Operação Spoofing, que prendeu suspeitos de invadir os celulares de Moro e de procuradores da Lava Jato. A decisão acontece após pedido da defesa de Lula, que submeteu o material a perícia.

Moro: "Melhor levantar o sigilo"

Em 11 de março de 2016, por volta das 16h, Moro disse a Dallagnol: "A PF [Polícia Federal] deve juntar relatório preliminar sobre os bens encontrados em depósito no Banco do Brasil. Creio que o melhor é levantar o sigilo dessa medida. Abri para manifestação de vocês [força-tarefa da Lava Jato], mas permanece o sigilo. Algum problema?".

O sigilo era referente a um pedido de busca e apreensão contra Lula. Em 4 de março, a PF encontrou na residência de Lula um termo que indicava o depósito de "23 caixas lacradas" no Banco do Brasil no centro de São Paulo. O material estava no depósito desde 21 de janeiro de 2011, pouco menos de um mês após ele ter encerrado seu segundo mandato.

A PF pediu então para fazer uma busca adicional para avaliar as caixas. "Como eventualmente podem conter documentos ou provas (...), justifica-se a busca e apreensão", escreveu Moro em 8 de março de 2016. Sobre essa busca, foi produzido um relatório parcial.

Entre o horário da mensagem e o despacho de Moro que suspende o sigilo, passaram-se apenas uma hora e 25 minutos conforme cruzamento feito pelo UOL nas mensagens que constam nos autos do STF e o sistema da Justiça Federal do Paraná.

"Temos receio da nomeação"

No despacho, o então juiz escreveu que, não caberia, naquele momento, "qualquer conclusão deste Juízo acerca do resultado da busca". "Entretanto, ultimada a busca, não mais se faz necessária a manutenção do sigilo."

Pouco antes do despacho de Moro, Dallagnol enviou mensagem às 17h20 ao então juiz em que dizia temer que Lula se tornasse ministro, inviabilizando a suspensão do sigilo. A ida de Lula para o cargo foi anunciada em 16 de março, cinco dias depois..

''Temos receio da nomeação de Lula sair na segunda [14 de março] e não podermos mais levantar o sigilo. Como a diligência está executada, pense só relatório e já há relatório preliminar, seria conveniente sair a decisão hoje, ainda que a secretaria operacionalize na segunda. Se levantar hoje, avise por favor porque entendemos que seria i caso de dar publicidade logo nesse caso''
[Mensagem de Deltan a Moro às 17h20 de 11 de março de 2016].


Na sequência, às 17h25, Moro escreveu a Deltan dizendo que já havia despachado para levantar o sigilo. "Mas não vou liberar chave [para acesso ao processo no sistema eletrônico] por aqui para não me expor. Fica a responsabilidade de vocês [força-tarefa]." Moro disse ter receio de "novas polêmicas agora" e que isso tivesse impacto negativo. "Mas pode ser que não", ponderou.

''Na sequência, às 17h25, Moro escreveu a Deltan dizendo que já havia despachado para levantar o sigilo. "Mas não vou liberar chave [para acesso ao processo no sistema eletrônico] por aqui para não me expor. Fica a responsabilidade de vocês [força-tarefa]." Moro disse ter receio de "novas polêmicas agora" e que isso tivesse impacto negativo. "Mas pode ser que não", ponderou..

Dallagnol então diz: "Vamos dar segunda, embora fosse necessária a decisão hoje para caso saia nomeação"

Outra quebra de sigilo

Esse não foi o único episódio envolvendo quebra de sigilo. Moro liberou uma gravação de uma conversa telefônica entre Lula e Dilma no dia em que o ex-presidente foi anunciado como ministro. O diálogo aconteceu após o então juiz ter determinado o fim da interceptação telefônica.

Dias depois, em 22 de março, Moro disse a Dallagnol não se arrepender de ter levantado o sigilo, atitude que qualificou como "ato de defesa". "Não me arrependo do levantamento do sigilo. Era melhor decisão. Mas a reação está ruim.".

Nathan Lopes
Do UOL, em São Paulo

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