domingo, junho 14, 2020

Mais de 300 profissionais de saúde já perderam as vidas para a COVID-19 no Brasil; Eis as histórias de quem perdeu vida salvando vidas


Nos bancos da universidade, nas aulas dos cursos técnicos e no dia a dia dos hospitais e centros de saúde, eles e elas aprenderam que, em primeiro lugar, está a vida humana. Que é preciso usar o conhecimento adquirido e reunir todas as forças para, sempre lutando contra o tempo, salvar o paciente. Mas a agressividade do novo coronavírus interrompeu a trajetória de médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem que se encontravam no “campo de batalha”, muitos na linha de frente, para preservar a vida de homens e mulheres infectados.


“Ele fez o juramento de Hipócrates, na faculdade de medicina, e trabalhou até onde pôde, pois não podia abandonar o serviço”, conta o analista de sistemas Luiz Carlos Moreira, cujo irmão, o clínico geral Sérgio Moreira, de 68 anos e residente em São Paulo (SP), morreu de COVID-19.

Durante a pandemia, aqueles que protegem podem se tornar vítimas. Há 300 anos, o escritor inglês Daniel Defoe (1660-1731) expunha em "Um diário do ano da peste" (1722) as tristes contradições de que quem combatia, na linha de frente, a epidemia da peste bubônica, que dizimou mais de 70 mil vidas em Londres no ano de 1665.

“Os próprios médicos se contaminaram com seus preventivos na boca; os homens saíam por aí prescrevendo e dizendo aos outros o que fazer até que apresentassem os sintomas e caíssem mortos, destruídos pelo mesmo inimigo que ensinavam os outros a enfrentar (...). Não há qualquer depreciação ao trabalho e à dedicação dos médicos em dizer que morreram na calamidade geral. Nem é esta minha intenção, pois é antes para louvá-los por terem arriscado suas vidas a ponto de perdê-las a serviço da humanidade.”

Em 2020, são muitas as histórias de dor, os relatos emocionados e as fortes lembranças dos familiares de profissionais de saúde que perderam a luta contra o micro-organismo, responsável pela morte de mais de 42 mil pessoas no Brasil. A pandemia do novo coronavírus foi declarada há três meses – 11 de março –, pela Organização Mundial de Saúde (OMS), e em parte desse período a vida da amazonense Deizeane Romão de Souza e das três filhas virou do avesso com a morte do técnico de enfermagem Nicolares Osório Curico , que trabalhava num centro de saúde em Manaus (AM).


“Era um bom homem, saudável, forte, que gostava de caminhar. Não tenho dúvida de que foi infectado no trabalho, pois trabalhavam lá, no começo, só com máscara cirúrgica”, afirma a viúva, também técnica de enfermagem.

Pelo menos 305 médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem morreram de COVID-19 no Brasil até a última sexta-feira, segundo levantamento do Estado de Minas a partir da soma de dados fornecidos pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) e do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp), que reúnem informações de todo o país. Há, ainda, 28 óbitos de profissionais de enfermagem em investigação.

E a lista de profissões envolvidas no tratamento de pessoas infectadas é mais ampla: do maqueiro, que age contra o tempo para transportar pacientes com segurança, ao psicólogo, que luta para tornar menos angustiantes os dias de quem contraiu o vírus. O número real de vítimas entre os profissionais de saúde, portanto, é ainda maior. Estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Pará estão entre os que registraram mais casos.

De Norte a Sul, o sofrimento parece não ter fim e se mostra infinitamente superior às estatísticas – sejam elas divulgadas ou não. Em Itapema (SC), o jornalista Richard Rodrigues ainda se sente “anestesiado” pela perda de Gastão Dias Júnior, pediatra , com quem compartilhou as dores e delícias do mundo por quase 14 anos.


“Meu marido foi a melhor pessoa que eu poderia ter conhecido. Era um homem bom, querido pelos seus alunos, na Universidade do Vale do Itajaí (Univale), admirado pelos pais das crianças que atendia, e o chamavam de super herói, e sempre muito presente na família”, conta Richard, entre lágrimas.

E os relatos vão se complementando, expondo sonhos destruídos, carreiras desfeitas e anos de estudos e prática transformados agora em memória.


É o caso de Cliciane Ferreira Fochesatto, que era médica no município de Fonte Boa, no Amazonas, e morreu em 9 de maio, aos 38 anos. Natural de Porto Velho (RR), ela se mudou para Nova Mamoré, quase na fronteira com a Bolívia, quando decidiu ir atrás de seu sonho de se formar em medicina.
Cliciane atravessou a fronteira e foi estudar em Cobija, a quase 120 quilômetros do Peru - até então, ela trabalhava na serraria de seu pai. "Era maravilhosa, muito protetora e amiga. Parecia mais uma melhor amiga do que mãe. Sempre foi muito amorosa com todo mundo", conta a filha de 14 anos.

São essas e outras histórias que o Estado de Minas conta neste especial. Mais do que um registro jornalístico, uma homenagem a todos os profissionais de saúde que estão no front da maior guerra que o Brasil enfrentou até agora no século 21.

Cláudia Nogueira Cardoso, médica endocrinologista no Rio de Janeiro (RJ). Morreu no início de abril, aos 56 anos


Ao conversar com a reportagem, Claumyr Cardoso não esconde o orgulho que sente pela irmã mais velha. “A paixão dela pela medicina é desde muito nova, quando ela tinha 3 ou 4 anos. Com 16, ela já tinha passado na faculdade e sempre teve notas boas”, relembra. Recém-formada no ensino médio, Cláudia passara em uma faculdade no interior do Rio de Janeiro e os pais, muito protetores e guardiões, resistiam em deixá-la sair de debaixo de suas asas.

Mesmo assim, Cláudia insistiu e conseguiu voar para a cidade de Valença, onde passara no vestibular. A mãe, ainda um pouco inconformada, foi junto com a filha e, enquanto a futura médica vivia em uma casa para estudantes, ela se hospedava em uma pousada da cidade. Mas a mãe ficou pouco tempo por lá e a distância da família começou a pesar. Cláudia então voltou à cidade natal no terceiro ano, ao conseguir transferir seu curso.

“Ela ligava pra gente, chorava e aí ia todo mundo pra Valença”, conta o irmão. Já no Rio, Cláudia se viu diante de mais uma barreira: desta vez, com 20 anos, ela estava grávida de Rodrigo, menino que anos depois se tornaria mais um médico da família. “Eu não vou deixar você abandonar o curso”, dizia a mãe à filha seguidas vezes.
Cláudia se especializou em endocrinologia e, enquanto fazia consultas em uma clínica particular na Barra da Tijuca, também atendia pobres da periferia do Rio. “O carro dela era uma farmácia. Tinha remédio de tudo lá. Quando as pessoas precisavam, ela já tinha lá ou dava um jeito de arrumar”, diz o irmão, que é dentista e cuidava dos pais enquanto a irmã trabalhava em meio à pandemia.

Mas tudo começou a ficar mais triste quando ela atendeu um paciente com COVID-19 e foi contaminada. Até o dia 2 de abril, quando foi visitar a família, os espirros e tosses não passavam de um “resfriadinho”. Mas três dias depois ela já estava internada e, em mais três dias, morta. A dor veio forte. Claumyir, Rodrigo, os pais de Cláudia e o marido (que conseguiu se recuperar da doença) ainda não superaram a perda da tão querida irmã, mãe, esposa e filha.


José Guilherme Henriques dos Santos, médico cardiologista e legista do IML de Belém, no Pará. Morreu aos 60 anos

Assim como inspirou vários jovens do país, José Guilherme foi inspirado por um médico de Belém quando tinha 13 anos. Na ocasião, José tinha caído de uma árvore em sua casa e se acidentado feio. A maioria dos médicos foi categórica: “Vamos ter que amputar o braço dele”, diziam aos pais do garoto, que eram portugueses. Apenas um disse que não era preciso e que tentaria de tudo para salvar o braço de José. A tentativa deu certo, ele se curou e não precisou amputar nenhum membro. Nascia ali o sonho do futuro pai de quatro filhos de se tornar médico.

José então se especializou em cardiologia e também passou a trabalhar no Instituto Médico-Legal de Belém. Em sua trajetória fez inúmeras consultas de graça para conhecidos e familiares. O ato de bondade era um pacto que tinha feito com Deus ao se formar na faculdade. Além disso, José era o brincalhão da turma. “Desde que eu me lembro por gente, ele sempre foi a pessoa que fazia piada para tudo e qualquer momento. Não tinha uma pessoa para quem ele não contava piada”, relembra a filha, Isabela Henrique.

José também era conhecido por sua boa memória futebolística. Sabia as escalações e os placares de todos os jogos do Paysandu, Flamengo e Palmeiras. Para ele, família era algo sagrado. Não só de sangue, os “agregados” também eram família. Talvez tenha sido por isso que ele considerava seus dois enteados como filhos. José não gostava de jaleco e muito menos que o chamassem de doutor.

A trajetória de José foi interrompida em 10 de maio, quando morreu por COVID-19. A suspeita da família é que ele tenha sido contaminado durante o trabalho no IML. Os sintomas já vinham desde antes, mas ele insistiu em não ser intubado. Nos últimos cinco dias não foi mais possível segurar, ele foi para o hospital e lá morreu. Agora, José Guilherme encontrará um de seus quatro filhos.


Sérgio Moreira, o dr. Sérgio, tinha 68 anos e morreu em 10 de maio, em São Paulo

O juramento de Hipócrates (grego, 460 a.C - 370 a.C) é feito pelos estudantes de medicina no dia da formatura. O médico Sérgio Moreira, clínico geral que trabalhava no plantão de vários hospitais em São Paulo (SP), levou até o fim da vida, aos 68 anos, o compromisso de exercer a profissão de forma honesta, ressalta seu irmão, o analista de sistema Luiz Carlos Moreira, residente na capital paulista.
Solteiro e sem filhos, dr. Sérgio, como era conhecido, foi vítima da COVID-19, ficando internado de 28 de abril ao falecimento, em 10 de maio. Passou por por todo sofrimento que o novo coronavírus impõe a suas presas, como a intubação. “Ele fez seu juramento e o cumpriu. Gostava demais da medicina, de atender a população, os mais pobres... completou sua missão”, afirma Luiz Carlos.

De uma família de sete irmãos, o dr. Sérgio gostava muito da natureza, de ir para o seu sítio, de viajar bastante. Quando ficou doente, começou a se tratar de forma mais natural até o ponto em que, vendo que não tinha mais jeito, “pediu socorro e foi para o hospital”. Os médicos, assim como a população, vivem um momento muito difícil, no meio de “uma guerra de políticos”, acredita Luiz Carlos. “Acho que a maior lição deixada pelo meu irmão é o atendimento aos pobres, independentemente da cor e camada social.




Maria Aparecida Duarte, a Cidinha, era auxiliar de enfermagem em Carapicuíba (SP) e morreu dois dias após completar 63 anos

"A doença tirou nosso alicerce, nossa estrutura." É com o sentimento de dor extrema e voz abafada pelas lembranças do sofrimento, que a analista de atendimento Andreza Silva Costa Reina, de 34 anos, fala sobre a perda da mãe, Maria Aparecida Duarte, a Cidinha, que trabalhava como auxiliar de enfermagem no Pronto- socorro Municipal de Carapicuíba, em São Paulo.

Com família numerosa – quatro filhos, 20 netos e três bisnetos – e 30 anos de profissão, Cidinha morreu em 3 de maio, vítima de COVID-19, dois dias após completar 63 anos. “Estava perto do Dia das Mães... ainda está difícil entender toda essa situação, pois minha mãe era uma pessoa muito dedicada ao trabalho, embora estivesse com muito medo de contrair a doença”, conta Andreza, a caçula. “O problema maior foi que, aqui em São Paulo, por decreto estadual, os profissionais de saúde não puderam se ausentar do trabalho. Minha mãe foi até onde pôde.”

Cidinha, que tinha diabetes e pressão alta, ficou 18 dias internada, dos quais 17 intubada “até não suportar mais”. A filha faz uma pausa e destaca que a mãe era apaixonada pela vida, gostava de viajar, de estar sempre com a família.

“Vivemos um período muito difícil, pois, a partir da doença da minha mãe, 80% da nossa família testou positivo para o novo coronavírus. Tive a doença e fiquei internada sete dias. Quando minha mãe morreu, eu estava no hospital. Meu irmão de 39 anos também ficou internado em isolamento durante 32 dias. Sofremos duas vezes. Agora, pelo menos, estamos mais tranquilos. Fica a grande saudade.”


Nicolares Osório Curico, chamado de Nicolas, era técnico de enfermagem em Manaus (AM) e morreu em 14 de abril, aos 46 anos


Desde 14 de abril, os dias se tornaram noite e as noites totalmente insones para Deizeane Romão de Souza, residente em Manaus (AM). “Há momentos em que fico desesperada”, diz a viúva, ainda não acostumada com ausência de Nicolares Osório Curico, que tinha 46 anos, era técnico de enfermagem havia 15 anos e se tornou vítima da COVID-19.

Nossa filha pequena, de 4 anos, sempre pergunta: ‘Mamãe, será que o papai não vai voltar? Cadê o papai?’. Expliquei que ele está com Jesus, mas eu mesma fico esperando um telefonema do hospital, alguém para dizer que houve um equívoco e Nicolares não morreu. Mas já se passaram quase dois meses.”

Um raro momento de alegria, embora permeado pela emoção, ocorreu com uma homenagem à memória de Nicolares, nascido na Colômbia e registrado na cidade fronteiriça de Santo Antônio de Sá (AM). O local de trabalho, o Serviço de Pronto-Atendimento (SPA) São Raimundo, estadual, deu o nome dele a uma sala. “Fiquei feliz, mas a ficha não caiu até hoje”, desabafa.

O calvário da família começou quanto Nicolares teve pneumonia. Foi ao médico, depois tomou a vacina contra a gripe, mas, com o passar dos dias, teve febre alta e falta de ar.

Depois, Nicolares tomou os medicamentos prescritos, foi trabalhar e ficou doente, até que passou oito dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital da capital amazonense. “Ele comentou um dia: ‘Será que estou com essa doença?’”, recorda-se.
As lembranças estão muito fortes, e Deizeane procura pontuar a entrevista com bons momentos, quando a família saía para passear. “Era um bom homem, saudável, forte, que gostava de caminhar. Não tenho dúvida de que foi infectado no trabalho, pois trabalhavam só com máscara”.



Alan Patrick do Espírito Santo, morreu aos 38 anos num hospital de campanha em Volta Redonda (RJ)

Transformar o luto em luta, a dor em trabalho e a tristeza em solidariedade. Mesmo com o coração dilacerado, Regina Evaristo, moradora do Bairro Grajaú, na Zona Norte do Rio de Janeiro, tomou essa forte e emocionada decisão diante da perda do filho Alan Patrick do Espírito Santo.

Natural de Campos (RJ), casado e pai de Emily, de 9 anos, ele morreu aos 38, em 22 de abril, num hospital de campanha em Volta Redonda (RJ). Para a mãe “afetiva” do técnico de enfermagem, a grande lição que ficou passa pela fraternidade: “Quem ama de verdade vai continuar amando, e quem não ama vai se destruir. Com essa pandemia do novo coronavírus, precisamos de fraternidade”.

Há 11 anos, juntamente com o filho Alan, Regina criou a organização não-governamental Alea - Associação Leonora Evaristo de Almeida, em homenagem a sua mãe e com o objetivo de lutar contra a violência doméstica. Agora, ela aumenta o raio de ação e passa a atuar no socorro às famílias necessitadas e no alvo da doença, distribuindo cestas básicas, EPIs (equipamentos de proteção individual) e, de braços abertos, gestos de carinho.

Mineira de Visconde do Rio Branco, na Zona da Mata, e há 38 anos residente no Rio, Regina conta que teve três filhos biológicos e uma dezena de filhos do coração. Com voz firme, revela que Alan, também taxista, tinha espírito altruísta. “Fazia corrida de graça, curativo em pessoas na rua. Estava sempre disposto a melhorar este mundo.”
A agonia do técnico de enfermagem comecou em 7 de Abril, no Rio, quando se sentiu mal e foi para o Hospital Estadual Carlos Chagas, em Marechal Hermes, no qual trabalhava no acolhimento aos pacientes. O último destino foi Volta Redonda. “Meu caminho é seguir e continuar a luta que era também dele”, ressalta Regina.



Cliciane Ferreira Fochesatto, era médica em Fonte Boa (AM) e morreu em 9 de maio, aos 38 anos


Ainda que com 38 anos, Cliciane tinha apenas um de carreira. Natural de Porto Velho, em Rondônia, e filha mais velha entre três, ela se mudou para Nova Mamoré, quase na fronteira com a Bolívia.

Por lá, Cliciane criou sua filha, Maria Luiza, até 2012, quando decidiu ir atrás de seu sonho. Com 30 anos, atravessou a fronteira, cruzou a Bolívia e foi estudar medicina em Cobija, a quase 120 quilômetros do Peru – até então, ela trabalhava na serraria de seu pai.

A então estudante de medicina ficou seis anos na Bolívia e conseguia ver a família pouquíssimas vezes ao ano. Depois que formou, Cliciane conseguiu chegar um pouco mais perto da família. Agora, ela fazia o internato em Riberalta, também na Bolívia, mas a 141 quilômetros da filha. Em 6 de maio de 2019, dia em que recebeu o diploma de médica, Cliciane também recebeu a notícia mais triste de sua vida: a mãe havia morrido. O choque foi grande e, em agosto, ela voltou para Nova Mamoré. Lá, ao lado da filha, mostrou-se mais uma vez a mãezona que era.

"A Cliciane mãe era maravilhosa, era muito protetora e amiga. Parecia mais uma mehor amiga que uma mãe, ela sempre foi muito amorosa com todo mundo", diz a filha de apenas 14 anos e que se lembra das macarronadas e das tortas da mãe. Cliciane também adorava o cantor Gusttavo Lima e dançava Ninguém estraga com o sorriso no rosto.

Mas a mais nova médica não podia parar. Em 13 de agosto, foi mais uma vez em busca de seu sonho: o destino agora era Fonte Boa, no Amazonas. Por lá ficou oito meses, até que, assim como a maioria das colegas, foi contaminada pela COVID-19. A família até tentou transferi-la para Manaus, mas Cliciane morreu no helicóptero. A médica que orgulhou a família morreu 1 ano e três dias depois da mãe.


Gastão Dias Júnior, o dr. Gastão, catarinense de 51 anos, era pediatra e morreu em 22 de abril

As lágrimas que rolam na face do jornalista Richard Rodrigues, de 37 anos, ainda estão quentes pela saudade, espessas pelo tempo de convívio e, acima de tudo, marcadas pelo amor. Durante quase 14 anos, ele compartilhou a vida com o pediatra catarinense Gastão Dias Júnior, que teria completado 52 anos na sexta-feira (12), não fosse a morte pela COVID-19, num hospital de Balneário Camboriú (SC). Os dois tinham união estável e se conheceram quando o médico foi trabalhar, há 20 anos, em Manaus (AM), capital onde nasceu e morava o jornalista.

“Meu marido foi a melhor pessoa que eu poderia ter conhecido no mundo. Era um homem bom, querido pelos seus alunos, na Universidade do Vaje do Itajaí (Univale), admirado pelos pais das crianças que atendia, e o chamavam de super-herói, e sempre muito presente na família”, conta Richard que, neste período de luto, está acolhido na casa da sogra, em Itapema, no litoral de Santa Catarina. “Ficou um vazio imenso, mas vou tocando a vida. Me sinto um pouco anestesiado até agora.”

Além de lecionar na universidade, dr. Gastão trabalhava em hospitais e centros de saúde. Ele “foi embora”, conforme diz Richard, 22 dias após ser internado com os sintomas da doença provocada pelo novo coronavírus. “Cumpriu uma bela missão, pois tinha paixão pela medicina e em ajudar os mais carentes. Sou muito grato a Deus por tê-lo conhecido.” Uma das lembranças gostosas da vida em comum é que o médico gostava de colecionar tartarugas decorativas.

Num longo e emocionado texto, Richard escreveu: “Aí veio o destino e sacudiu os nossos planos. Você teve que viajar sem mim. Não digo que me abandonou, pois você está em mim. Está nas minhas melhores lembranças, o seu sorriso permanece e vai permanecer sempre na minha mente”.




Mara Rúbia Silva Caceres, morreu no hospital em que trabalhava em Porto Alegre (RS), aos 44 anos. É considerada o primeiro óbito de um profissional de saúde pela COVID-19

“Quando vejo as pessoas não respeitando a quarentena, se colocando em risco sem necessidade, penso que todas deveriam saber da minha dor de perder uma grande amiga irmã que Deus me emprestou”, desabafa a colega de trabalho de Mara, Sabrina Sousa, de 41 anos.

“Ela era um misto de doçura e força. Amiga generosa que ouvia e sempre ajudava os colegas. Se você conhecesse a Mara em vida, também iria amá-la”. As duas técnicas de enfermagem trabalhavam juntas no Grupo Hospitalar Conceição (GHC), em Porto Alegre (RS).

Segundo a amiga, o propósito de Mara era ter um filho fruto do casamento que já durava aproximadamente 20 anos. Mas, em 7 de abril, a COVID-19 interrompeu esse sonho. “Por isso que ela era mãe de todos. Amigos, pacientes...”, acredita Sabrina. Elas se conheceram em maio de 2013, quando Sabrina foi efetivada para trabalhar na UTI do hospital. “Ela foi uma das minhas madrinhas. Me ensinou muito além das rotinas da UTI. Me ensinou como em meio a toda correria, a olhar o paciente como um ser único, com carinho e dedicação”, conta.

Sabrina lembra que nessa época, Mara Rúbia era funcionária “temporária” e sempre estudava pra conquistar melhor posição no concurso e ter uma vaga definitiva no hospital. “Naquele ano ela fez o concurso para serviços gerais, para se manter no GHC, que era o amor dela, como ela mesmo dizia que tinha uma dívida de gratidão”, recorda Sabrina. Sem desistir dos objetivos, Mara conseguiu se colocar como técnica de enfermagem no concurso de 2015 e começou a atuar no setor de emergência.

Dona de uma culinária apetitosa e de uma alegria ao alimentar as pessoas, Mara Rúbia se eternizou nos corredores do ambiente de trabalho que ela se sentia em casa. “Semana passada sonhei com ela, que ela estava trabalhando em um hospital. Estava na correria. Perguntei se estava muito corrido o plantão, ela disse que sim, que estavam chegando muitos pacientes. Eu disse: ‘mas tu não estava de férias?’. Ela respondeu daquele jeitinho dela: ‘Eu não paro nunca, porque não sou fraca’”, conta a amiga em tom de alegria ao se sentir próxima mesmo que em sonho.



Maurício Barbosa Lima, era médico endocrinologista no Rio de Janeiro (RJ) e morreu em 1º de maio, aos 78 anos


Maurício foi daqueles professores cujos ensinamentos extrapolam as salas de aula e os consultórios médicos. Ajudou a formar centenas de especialistas pelo Brasil e, mais do que isso, deixou sua marca em cada um deles. “Ele fez a diferença onde passou”, conta, emocionada, Olga Grincenkov, ex-aluna e amiga de mais de quatro décadas.

Até o fim da vida - encurtada em decorrência da COVID-19 -, Maurício quis se fazer presente. Aos 78 anos, recusou-se a interromper os atendimentos no Rio de Janeiro (RJ), ainda que integrasse o grupo de risco para a doença. Considerado um dos grandes endocrinologistas brasileiros, nunca se esqueceu do mais importante: o cuidado com o paciente.

Para além dos consultórios e das salas de aula, dedicava-se aos três filhos, à esposa e aos amigos com similar afinco. “Em 2004, fui vítima de um acidente muito grave: um caminhão caiu no meu carro. Mais uma vez, o Maurício mostrou a que veio para esse mundo. Foi ele quem conseguiu uma vaga no CTI (Centro de Terapia Intensiva) para mim. Soube que eu tinha sofrido um trauma e se empenhou para que eu fosse atendida - e bem atendida”, relembra Olga.

Sempre disponível para os amigos, Maurício não recusava uma boa conversa sobre futebol. Tricolor apaixonado, certamente se empolgaria ao saber do retorno do ídolo Fred ao Fluminense e relembrar os áureos anos de 2010 e 2012.

Por Estado de Minas

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Da Redação do Blog de Assis Ramalho

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