sexta-feira, março 06, 2020

Um grande picadeiro


Dá para levar a sério um presidente que recorre a um humorista para dar entrevista em seu lugar como sinal de deboche à mídia nacional? Bolsonaro usou Márvio Lúcio, o Carioca, para dar entrevistas na saída do Palácio da Alvorada, na última quarta-feira. No momento em que apoiadores aguardavam para cumprimentar o presidente, o humorista desceu de um dos carros do comboio presidencial antes de Bolsonaro, fantasiado de presidente.

Ele tocou um minitrompete e cumprimentou os simpatizantes. Em seguida, tentou distribuir bananas para a imprensa. A cena era uma alusão a duas ocasiões em que o presidente ofendeu jornalistas que faziam perguntas a ele no Alvorada, cruzando os braços, em um gesto conhecido como “dar uma banana”. Ao parar em frente ao púlpito de entrevistas, o comediante perguntou se os jornalistas tinham perguntas a fazer.

Os jornalistas questionaram se Bolsonaro havia pedido que ele falasse com a Imprensa e Carioca disse que se tratava de um “show de humor”. Comendo a fruta, o humorista ainda insistiu se alguém faria perguntas a ele: “Aproveita!”. Diante do silêncio da imprensa, ele começou a se retirar, mas Bolsonaro chegou e o chamou. Quando os dois se aproximaram da imprensa, Bolsonaro foi questionado sobre o PIB, que cresceu apenas 1,1% em 2019, resultado pior que nos dois anos anteriores.

Bolsonaro estimulou que o humorista respondesse em seu lugar. “Presidente Bolsonaro, o senhor falará sobre o PIB?” Bolsonaro, em direção a Carioca, respondeu: “Pergunta o que é PIB. O que é PIB?” Carioca: “O que é PIB? (isso é com o) Paulo Guedes, Paulo Guedes…”. Jornalista: “A pergunta é para o presidente, não para o senhor”. Bolsonaro, sempre para Carioca: “Posto Ipiranga”. Carioca: “Posto Ipiranga”. Bolsonaro: “(Pede) Outra pergunta”. Carioca: “Outra pergunta, outra pergunta”. Jornalista: “Presidente, comenta o PIB conosco”. Carioca: “Mas é o Paulo Guedes, é Economia…”. O humorista ainda insistiu para que os jornalistas fizessem outra pergunta, mas percebendo que as respostas não viriam de Bolsonaro, os profissionais de imprensa não fizeram nenhuma. Bolsonaro então se dirigiu aos apoiadores e disse que seria exibido na TV Record um programa com ele.

Bolsonaro postou o momento nas redes sociais, sob o título “Bolsonabo no Alvorada”. Tudo isso assusta os mais desavisados? É no mínimo surreal, mas mostra também que o Governo Bolsonaro se transformou num grande picadeiro.

Palhaçada reprovada – Parte dos jornalistas que fazem a cobertura diária da saída de Jair Bolsonaro do Palácio da Alvorada viraram as costas e deixaram o local após o capitão escalar o humorista Márvio Lúcio, o Carioca, vestido de presidente, para comentar o crescimento pífio do Produto Interno Bruto (PIB). Indignado, Murilo Fernandes, da agência estadunidense Bloomberg, comentou: “Fui ao Palácio destinado a perguntar ao presidente sobre o fraco resultado do PIB. Mas eu e todos os colegas fomos surpreendidos pelo humorista Carioca, que veio em um carro junto ao comboio. Carioca nos ofereceu bananas. Bolsonaro não comentou o PIB”.

Reação dura – “O presidente da República bateu todos os recordes de desrespeito com a imprensa no Alvorada: colocou um humorista travestido de presidente para distribuir bananas aos repórteres e responder perguntas; esquivou-se assim de comentar o frustrante resultado do PIB em seu 1º ano de governo”, tuitou Fabio Murakawa, que cobre o Planalto para o jornal Valor Econômico. “Bolsonaro colocou um humorista para oferecer bananas a jornalistas e para responder perguntas. Tentamos fazer perguntas a Bolsonaro. Como ele não quis responder, viramos as costas e fomos embora”, tuitou Daniel Gulino, do jornal O Globo.

Nova agressão – Não há limites para os ataques de Jair Bolsonaro aos jornalistas. Um dia depois de ter levado um comediante para confrontar os profissionais de imprensa, ele voltou a agredir os jornalistas na manhã de ontem, nos portões do Palácio do Alvorada, antes de viajar a São Paulo: “Se vocês sofrem ataque todo dia, o que vocês estão fazendo aqui?” Em tom agressivo, reafirmou: “O espaço é público, mas o que vocês estão fazendo aqui?”

Lição de jornalismo – A jornalista Julia Lindner, de O Estado de S.Paulo, uma das ofendidas por Bolsonaro, registrou os ataques desta manhã. Ele pretendeu ainda dar uma “lição de jornalismo” aos profissionais presentes e mostrou irritação com a maneira como a imprensa registrou as cenas da véspera: “Parabéns à imprensa. Fiz piada com o PIB. Parabéns aí, valeu. Continuem agindo assim. Quando vocês aprenderem a fazer jornalismo, eu converso com vocês”, disse.

Da Coluna do Blog do Magno

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