sábado, novembro 07, 2015

“Um cristão não pode falar de pobreza e viver como um faraó”, diz o Papa Francisco


“A Igreja deve falar com a verdade e também com o testemunho: o testemunho da pobreza. Um cristão não pode falar sobre a pobreza ou os sem-teto e levar uma vida de faraó”. A entrevista aconteceu no dia 27 de outubro passado, mas à luz dos atuais escândalos, com a Igreja na mira por causa do uso “desenvolto” das finanças vaticanas, ganha uma importância fundamental. O Papa Francisco respondeu às perguntas do jornalista holandês Stijn Fens, do jornal Straatnieuws, da cidade de Hilversum, e de Marc, um dos vendedores deste jornal na rua.

A reportagem é publicada por Vatican Insider, 06-11-2015. A tradução é de André Langer.

“Eu gostaria – acrescentou o Pontífice argentino na entrevista – de um mundo sem pobres. Devemos lutar por isso. Mas eu sou um crente e sei que o pecado está sempre dentro de nós. E há sempre a ganância humana, a falta de solidariedade, o egoísmo que criam os pobres. Por isso, me parece um pouco difícil imaginar um mundo sem pobres. Se você pensa nas crianças exploradas pelo trabalho escravo – continuou –, ou nas crianças exploradas para o abuso sexual. E outra forma de exploração: matar crianças para a remoção de órgãos, o tráfico de órgãos. Matar as crianças para remover órgãos é ganância. Por isso, não sei se teremos um mundo sem os pobres, porque o pecado sempre existe e nos leva ao egoísmo. Mas devemos lutar, sempre, sempre…”

Bergoglio insistiu sobre o tema da pobreza: “Jesus veio ao mundo sem-teto e se fez pobre. A Igreja quer abraçar a todos e dizer que é um direito ter um teto sobre você. Nos movimentos populares trabalha-se com três ‘T’ espanhóis: trabalho, teto e terra. A Igreja prega que todas as pessoas têm direito a estas três coisas”. Mas é preciso ter cuidado com as tentações: “a vida de faraó” e fazer acordos com governos. Estes últimos “podem ser feitos, mas devem ser acordos claros, transparentes. Por exemplo, nós administramos este prédio, mas as contas são todas controladas, para evitar a corrupção. Porque há sempre a tentação da corrupção na vida pública. Tanto política, como religiosa”. Por exemplo, indicou, “nós administramos este palácio, mas as contas são vigiadas para evitar a corrupção”.

“Recordo que uma vez, com muito pesar, vi – quando a Argentina sob o regime militar entrou na guerra contra a Inglaterrapelas Ilhas Malvinas – que as pessoas faziam doações, e vi que muitas pessoas, também católicos, que estavam encarregados de distribuí-las, levavam-nas para casa. Existe sempre o perigo da corrupção. Uma vez fiz uma pergunta a um ministro argentino, um homem honesto. Ele que deixou o cargo porque não podia concordar com algumas coisas um pouco obscuras. Fiz-lhe a pergunta: quando vocês enviam ajudas, seja alimento, vestido, dinheiro, aos pobres e aos indigentes: daquilo que mandam, quanto realmente chega? Ele me disse: 35%. Significa que 65% se perde. É a corrupção: um pedaço para mim, um outro pedaço para mim.”

O Pontífice também falou sobre a sua vida diária na Casa Santa Marta, recordando, como em diversas outras ocasiões, que “não é uma jaula”, mas “sinto falta da rua”. “Não posso viver aqui – disse Bergoglio falando sobre o Palácio Apostólico– simplesmente por motivos mentais. Iria me fazer mal. No início, parecia uma coisa estranha, mas eu pedi para ficar aqui, na Casa Santa Marta. E isso é bom para mim, porque eu me sinto livre. Eu almoço e janto no refeitório onde todos comem. E quando chego com antecedência, faço as refeições com os funcionários. Encontro as pessoas, saúdo-as e isso faz com que a jaula de ouro não seja tanto uma jaula. Mas eu sinto falta da rua”.

Marc, um dos vendedores do jornal holandês nas ruas, também fez algumas perguntas ao Papa, após tê-lo convidado para comer uma pizza um dia desses em um restaurante (“Eu gostaria – disse Francisco –, mas não conseguiremos fazer isso. Porque no momento que eu sair daqui as pessoas virão até mim. Quando eu fui mudar as lentes dos meus óculos na cidade, eram 19h. Não havia muitas pessoas na rua. Levaram-me ao ótico e quando saí do carro havia uma mulher que me viu e gritou: ‘É o Papa’. E então eu estava dentro e lá fora tanta gente…).

Quando era pequeno, sonhava em ser Papa? “Quando eu era pequeno não havia lojas que vendiam coisas. Em vez disso, havia o mercado onde se encontrava o açougueiro, o verdureiro e assim por diante. Eu fui lá com minha mãe e minha avó para fazer compras. Eu era pequeno, eu tinha quatro anos. E uma vez me perguntaram: o que você gostaria de ser quando crescer? Eu disse: açougueiro!”

E em relação à radical mudança que significou em sua vida a eleição como Bispo de Roma, Jorge Mario Bergoglio indicou: “Chegou e não esperava isso. Eu não perdi a paz. E isso é uma graça de Deus. Eu não penso muito no fato de que sou famoso. Eu digo para mim mesmo: agora eu tenho um lugar importante, mas em dez anos ninguém mais vai me reconhecer (risos). Você sabe, existem dois tipos de fama: a fama dos ‘grandes’ que fizeram grandes coisas, como Madame Curie, e a fama dos vaidosos. Mas essa última fama é como uma bolha de sabão.”

Fonte: IHU Online

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