terça-feira, dezembro 05, 2017

Na Alepe, artistas e juristas criticam projeto para proibir nudez em manifestações culturais


Proposta de autoria do deputado Ricardo Costa foi discutida na Comissão de Cidadania (Foto: Lourival Maia)

“Censura” foi a palavra mais utilizada para qualificar o Projeto de Lei nº 1774/2017, durante audiência pública da Comissão de Cidadania da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), nesta segunda-feira (4). De autoria do deputado Ricardo Costa (PMDB), a proposta quer proibir “exposições artísticas ou culturais, com teor pornográfico, em espaços públicos do Estado”. O parlamentar não participou da discussão.

Em tramitação nos termos de um substitutivo, a proposta entende como pornografia “expressões artísticas ou culturais que se utilizam de modelos nus ao vivo e que insinuem o ato sexual humano ou animal”. Representantes do setor cultural e juristas participantes do debate fizeram discursos contundentes contra a proposição.


“A arte é transgressora. A arte tem de trazer o incômodo e a reflexão, mostrar as sombras e as virtudes da sociedade, e eu gostaria de ter respeitadas as minhas escolhas de me expressar”, analisou a educadora Maria Clara Camarotti, integrante do coletivo de artistas Lugar Comum.

A atriz Michelle Amorim, membro do coletivo Guerrilha Cultural, disse que “a sombra da censura” se expande a partir do projeto. “A opinião das pessoas está deturpada e nós, artistas, já temos medo de tratar das questões sociais no nosso trabalho. A censura não está para chegar. A censura já chegou”, pontuou. Representantes da música e integrantes do Conselho Estadual de Política Cultural se manifestaram no mesmo sentido.

Produtor de teatro e membro do Conselho Nacional de Política Cultural, Oséas Borba lembrou que, também por iniciativa do peemedebista, uma lei que regulamentava a atuação dos artistas de rua recebeu críticas dois anos atrás. “O deputado se equivoca mais uma vez, quando tenta tratar da cultura. Propor a censura às artes causa problema à liberdade de expressão. É um completo retrocesso”, afirmou.

“O objetivo é claro. É probir, coibir, censurar”, frisou a professora do curso de Direito da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Virgínia Carvalho Leal. No entendimento da jurista, a proposição desrespeita o valor da liberdade e viola o direito fundamental à livre expressão da atividade intelectual, previstos nas Constituições Federal e Estadual. “É uma afronta principalmente ao estado democrático de direito, cujas bases são a liberdade e a pluralidade”, avaliou. “Numa sociedade que tem Abelardo da Hora e Francisco Brennand como baluartes da escultura, falar de proibição à nudez é uma hipocrisia.”

“Não podemos retroceder, do ponto de vista histórico, e possibilitar que alguém diga quando uma obra de arte pode ou não ser exposta”, argumentou a professora da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) Maria Lúcia Barbosa. “Não é um simples projeto de lei, mas uma tendência de censurar tudo aquilo que o Estado entenda como pornográfico”, apontou a advogada Luana Guarino, que integra grupo de pesquisa em Direito Constitucional na Unicap.

Presidente da Comissão de Cidadania e relator do projeto no colegiado, o deputado Edilson Silva (PSOL) adiantou que irá incluir, no relatório a ser apresentado, os pareceres jurídicos e as manifestações registradas durante a audiência. “Conseguimos construir uma consciência majoritária de que os direitos fundamentais e das minorias deveriam estar incluídos na Constituição. Um projeto de lei como esse revela que há uma disposição em avançar sobre essas conquistas e, por isso, é muito importante a participação da sociedade neste momento”, considerou o parlamentar.

Alepe

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