terça-feira, outubro 21, 2014

Crise: Prefeituras de Alagoas começam a demitir



Demissões. O fantasma de todo mercado de trabalho se reveste de um tom ainda mais sinistro quando anunciado pelo próprio poder público – ainda que, de antemão, descarte que vá atingir os servidores efetivos.

A medida foi não apenas cogitada por alguns prefeitos, na reunião semanal da Associação dos Municípios Alagoanos (AMA), como já é adotada por pelo menos um deles: Rogério Farias, de Barra de Santo Antônio. A reunião, sempre às segundas-feiras, teve ontem um tom de maior preocupação, mas também o de mobilização em que prefeitos de todo o Estado fecharam as prefeituras como forma de chamar a atenção para a situação de esgotamento de recursos que vem presenciando, segundo o presidente da entidade e prefeito de Pão de Açúcar, Jorge Dantas.

Ele diz que o alerta é dirigido à própria população das cidades, que devem ser as primeiras a sentir suas consequências. Lembrando um dos lemas do movimento municipalista, segundo o qual as pessoas vivem, estudam e trabalham não na União ou nos estados, mas no município, ele dispara: “o que a gente precisa é que esse discurso saia da boca e vá para os cofres dos municípios”.


Gazeta. O que foi esta mobilização? Foi um protesto, uma espécie de greve, um pedido de socorro?

Jorge Dantas. Protesto, certamente não foi, nem greve. Foi um pedido de socorro. Porém, eu diria que, muito mais que isso, foi uma forma de nós alertarmos a população para o grave momento por que passam os municípios porque, às vezes, a população não sabe disso. Esta não é uma realidade apenas de Alagoas, mas do Brasil todo. Porém, mais especificamente no Nordeste, uma região mais pobre, e que sente mais nesses momentos de crise. É um momento de afirmação dos municípios, para que a gente possa manter a nossa mobilização para fazer chegar à opinião, por meio dos órgãos de imprensa, as dificuldades pelas quais os municípios passam. Isso é para que, caso medidas difíceis venham a ser tomadas, a população saiba porque elas estão acontecendo.

Isso será por tempo indeterminado?

Não, foi só hoje [ontem] mesmo. Foi só uma forma que nós tínhamos de envolver a população. Aqui tem as rádios, a televisão. Acontece. Lá no interior não é fácil. O fechamento das prefeituras fatalmente chama a atenção da população. Aí, sim, vão procurar saber, e aí se informar sobre a grave crise por que passam os municípios. Mas hoje [ontem] é simplesmente uma forma de parar e fazer a população tomar conhecimento.

Alguns desses reflexos já estão sendo sentidos. Alguns prefeitos relataram que já estão adotando medidas que, anteriormente, o segmento temia que fosse preciso adotar.

Algumas prefeituras estão em pior situação. Cada caso é um caso; umas melhores, outras piores. Mas todas estão em dificuldades. Claro que umas mais, outras menos. Aquelas que estão com maiores dificuldades já estão tomando medidas. Nós vimos o prefeito Rogério Farias, de Barra de Santo Antônio, dizer da situação difícil e as medidas que ele estava tomando, inclusive com demissão de pessoal.

A razão para tudo isso foi a queda no Fundo de Participação dos Municípios, o FPM?

A verdade é que o FPM caiu muito. Em setembro nós tivemos redução de 13% em relação ao repasse de agosto, que já havia sido baixo. Em outubro, nós temos a previsão de 7% a menos que setembro. Então é uma realidade. E outubro, geralmente é mês de recuperação. A gente sabe que até o meio do ano, até agosto, setembro, geralmente cai. Mas não na intensidade em que caiu. E outubro, que geralmente é mês de recuperação, infelizmente não aconteceu. Então os prefeitos, quando viram a previsão de arrecadação de outubro, se mobilizaram e decidiram instar a AMA para que fizéssemos um movimento e esclarecer a população.

O senhor mesmo também admitiu que deverá recorrer ao corte de pessoal. Mas esclareceu que, assim como todos os demais prefeitos, essa medida se restringe aos comissionados. Porém, há sempre o caso em que os comissionados suprem a carência para uma função, atividade ou mesmo profissão que não está prevista no quadro de pessoal - inclusive médicos.

As primeiras medidas têm de ser de contenção de despesas evitáveis. Redução ou eliminação de diárias, horas extras, gratificações; toda uma série de medidas que possam atingir recursos que não estão diretamente ligados aos salários dos servidores. São complementações salariais. Obviamente, dependendo do caso, se isso não resolver, tem de partir para medidas mais drásticas. Nós apresentamos a ideia de um decreto com uma série de medidas que podem ser adotadas dependendo da gravidade da situação. Eu, por exemplo, já vou tomar essas medidas de ordem mais administrativa, tentando não demitir pessoal. Mas não posso descartar essa possibilidade, principalmente na área da saúde. Hoje, a crise na saúde é muito grave, não apenas no meu município, mas em todos. Vou fazer de tudo para ver se não há cortes. Mas se não tiver jeito, é melhor a gente cortar do que não pagar.

Quais são algumas dessas medidas que constam da sugestão de decreto?

Certamente, a mais drástica é a redução de pessoal. Fala-se dos comissionados. Mas os comissionados são a força do prefeito. É por meio deles que o prefeito faz valer o seu grupo político. Isso é natural. Seja no município, seja no estado, seja na União. É aí que estão seus principais aliados, é aí que ele tenta orientar as políticas públicas. De acordo com a sua forma de ver o que é governar. Mas normalmente os primeiros cortes acontecem aí porque são pessoas que não têm estabilidade; são cargos de confiança. E aí vem todo outro cabedal de medidas: as medidas administrativas. Por exemplo, houve a ideia de acelerar o calendário letivo com o objetivo de encerrar mais cedo e eliminar uma série de custos com combustível, transporte, toda uma série daí decorrente. Claro, sem prejudicar a carga horária, até porque é obrigatório que se cumpra uma carga horária anual. Nós temos uma série de medidas que podem ser adotadas. Agora, é claro que isso exige muita gestão e muito acompanhamento por parte do prefeito. Na verdade quem vai ter trabalho mesmo vai ser o prefeito com seus assessores. Mas volto a dizer: são medidas difíceis, mas a hora de adotá-las é agora, enquanto a gente ainda tem tempo de, até o final do mandato, equilibrar as contas e entregar, ao final, elas todas pagas. Senão, o prefeito que assim não fizer vai responder perante a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Essa questão da carga horária tem haver com outro tema: a legislação, que é rigorosa, mas pouco flexível numa situação como a de agora, de crise nas prefeituras.

Tem muita lei para cumprir. Na verdade, tem determinado momento em que as leis são contraditórias. Você fica dizendo: “eu deixo de cumprir essa ou essa”? Elas lhe empurram para realidades diferentes. Por exemplo: a lei dos pisos. O Congresso Nacional se reúne, aprova os pisos e não quer saber se o município tem recursos para pagar aqueles pisos. Ou como é que está o limite da Lei de Responsabilidade Fiscal. Ou eu deixo de cumprir a lei dos pisos ou deixo de cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal? Os prefeitos são muito massacrados porque são muito mais cobrados. Mas em determinado momento, a decisão é difícil, mas tem de ser tomada. Então essa é a realidade que vivem hoje os municípios. Por isso nós estamos mobilizados. Já sabendo, porém, que nosso grande embate é no Congresso Nacional. O que a gente precisa é que os deputados e senadores ouçam os prefeitos. Nós precisamos de uma bancada municipalista, que defenda os pleitos municipalistas. Quase todos os setores têm bancadas articuladas, mas os municípios, não.

Gazeta de Alagoas

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