quarta-feira, agosto 27, 2014

"Não somos contra nem a favor dos transgênicos". Entrevista com João Paulo Capobianco

Marina Silva e João Paulo Capobianco (Foto: Agência Brasil)

Um jantar esta semana irá reunir lideranças da cana, pecuária, soja, café, papel e celulose e outros peso-pesados do agronegócio com o grupo de Marina Silva. Já há 40 nomes confirmados. A intenção é eliminar estereótipos e preconceitos que o setor possa ter com a ex-senadora e abrir novas frentes de diálogo. O articulador desta aproximação é o biólogo João Paulo Capobianco, um dos nomes mais próximos da candidata à Presidência do PSB. "Previsibilidade e respeito a contratos são atributos sagrados para nós", diz ele, ex-secretário-executivo de Marina no Ministério do Meio Ambiente.

A entrevista é de Daniela Chiaretti, publicada pelo jornal Valor, 26-08-2014.

O grupo de Marina Silva sabe que muitos no agronegócio têm arrepios em pensar em um governo da ex-senadora. A aproximação tem por meta derrubar mitos. Marina Silva não irá rever o Código Florestal e nem irá retroceder na lei dos transgênicos. "Nós não faríamos nenhum ato isolado, de alto a baixo, criando confusão", assegura o interlocutor entre o grupo e setores empresariais e ambientalistas.

Capobianco elogia o agronegócio na agenda da sustentabilidade: "Não estamos saindo do zero, não estamos vivendo no Brasil uma época de ação predatória. Isso já passou, o setor está avançando." Diz que demandas como melhorar o sistema de armazenagem fazem todo sentido e defende biocombustíveis e bioenergia. "Não podemos prosseguir numa política econômica que artificialmente promove um setor e destrói outro", diz ele. "Estamos nos acostumando a uma política econômica feita de espasmos."

Eis a entrevista.

O agronegócio é o principal exportador brasileiro. Como se entra com uma ofensiva forte neste setor sem colocar em risco a produção e exportação agropecuária?

Já foi feito o processo de discussão do Código Florestal e a organização com a questão ambiental, no que todo mundo diz que é um consenso. Durante este debate, defendemos que o desmatamento feito irregularmente tinha que ter um tratamento que não levasse à anistia. Não se tratou o passivo ambiental como propusemos, mas se avançou de forma importante na questão do Cadastro Ambiental Rural, o CAR, e dos planos de recuperação ambiental. Tanto um como o outro teriam que estar sendo implementados.

Não está acontecendo?


Não. Houve uma série de problemas por parte do governo na regulamentação destes procedimentos. Temos conversado com lideranças do agronegócio que reconhecem que é necessário implementar o Código. Se estes pontos não forem implementados, colocam em risco a efetividade de toda a negociação feita. Ninguém quer isso.

O setor teme que em um eventual governo Marina exista uma revisão do Código Florestal.

Não, de modo algum. O acordo foi feito e aprovado pelo Congresso Nacional. É lei. Vamos respeitar a legislação, respeitar os contratos. Nossa ideia é trabalhar pela implementação do Código.

Com quais lideranças vocês têm conversado?

Tenho participado de vários debates. Tivemos o Global Agribusiness Forum, no primeiro semestre, e lá havia uma série de lideranças. Hoje há o evento da Sociedade Rural Brasileira. Falamos com o pessoal da Única, tivemos várias conversas com Roberto Rodrigues (ex-ministro da Agricultura). Tenho dito que temos que avançar na implementação doCódigo e em como a agenda da sustentabilidade pode ser incorporada cada vez mais pelo agronegócio. Existe predisposição de todos com quem temos conversado de avançar nesta discussão e trazer alternativas para o Brasil. Há uma vontade grande de implementar o Plano da Agricultura de Baixo Carbono, por exemplo. Temos muito pontos da agenda bem mais interessantes para tratar do que esta conversa de que a Marina é contra o agronegócio. Nada a ver isso aí.

Como será o diálogo com as diferentes entidades do setor?

A estratégia é conversa mesmo. Conversas onde apresentamos a nossa visão de que o agronegócio é uma atividade de enorme importância para o país, que isso ninguém discute, e que pode crescer e avançar em uma agenda de sustentabilidade extremamente inovadora. Aliás, já fez muito isso. O que o Brasil fez de aumento de produtividade por hectare é extremamente significativo.

Está trabalhando com outros setores além do agronegócio?

Sim, com o ambientalista também. É preciso analisar as propostas que eles fizeram. Existe uma coalizão de ongs que reúne Ethos, ISA, WWF e outros e que fez propostas a todos os candidatos e pedem uma manifestação nossa. Tem também o CEBDS, que reúne grandes empresas, e que apresentou uma agenda interessante. A SOS Mata Atlântica lançou sua proposta. Não é porque temos uma relação histórica com o movimento que não vamos tratar das questões de forma organizada.

Com o agro a relação não é histórica nem estruturada.

Marina, quando estava no Ministério do Meio Ambiente, não tinha a responsabilidade de tratar da agenda do agronegócio e tivemos poucas oportunidades de integração com este setor. Mas no caso do setor florestal, principalmente na área de florestas plantadas, construímos uma relação positiva. Trabalhamos muito nos ajustes da legislação de florestas plantadas, tivemos iniciativas de desburocratização de plantios de espécies exóticas, tipo eucalipto. Quando assumimos, havia o risco de um apagão florestal, o plantio de florestas para produção de papel e celulose e carvão vegetal era menor que a necessidade de uso. Foi feito um programa em articulação com o setor. Assim evitamos o apagão.

Como é a relação com a CNA até há pouco liderada pela senadora Katia Abreu?

Estamos completamente abertos a dialogar com a CNA. Agora, existem lideranças ali que têm mantido posição muito agressiva em relação à Marina, com suposições de que Marina é contra o agronegócio. Sempre que temos condição de conversar com o setor e eliminar estas mistificações e estereótipos, temos excelente resultado. Queremos mostrar ao setor que temos muito respeito pela sua importância para o país, mas queremos avançar, de forma adequada mas consistente, na agenda da sustentabilidade.

Em que ocasião Marina foi estigmatizada no agronegócio?

Tivemos o embate dos transgênicos. A postura que Marina sempre defendeu foi de garantirmos o que ela chama deprincipio da coexistência, uma regulamentação que permitisse a manutenção das duas formas de produção, da convencional e da transgênica. No Ministério éramos procurados por muitas empresas que trabalhavam com a soja convencional, mesmo porque no mercado internacional há um consumidor que exclui a transgênica. Defendíamos que o Brasil tivesse um sistema de segregação que permitisse que a produção transgênica e convencional não se misturassem no transporte, armazenagem e nos portos de exportação. O setor argumentava que os custos seriam altíssimos. Insistíamos que o Brasil devia construir essa possibilidade, mas criou-se ali uma simplificação de que Marina é contra transgênicos, contra tecnologia, contra desenvolvimento. Era uma forma de simplificar o debate e impor uma visão. Do nosso ponto de vista, tínhamos uma posição que contemplava o conjunto do setor, mas que não interessava a uma parte importante dele.

Vocês são contra ou a favor dos transgênicos?

Não somos nem contra nem a favor. Transgênico tem seu lugar e o convencional também tem o seu. O Brasil poderia ser uma grande potência produtora de grãos, como os Estados Unidos e a Argentina, que tivesse os dois sistemas coexistindo. Seria único. O que quero dizer é que existem muitas visões sobre posições de Marina que não correspondem à realidade.

Vocês consideram transgênicos uma pauta superada?

Existe uma legislação que já esta implementada. Nós não faríamos nenhum ato isolado, de alto a baixo, criando confusão nesse campo. Evidentemente gostaríamos de debater com o setor, mas depende deles nos dizer se há espaço para isso ou não. Queremos debater o uso de agrotóxicos tentando aumentar o controle biológico. Quanto mais pudermos avançar nesta agenda, melhor. Mas isso será discutido com o setor, não virá nenhuma medida abrupta, de cima para baixo. Em alguns setores empresariais, antes de se relacionar de forma aprofundada com Marina e equipe, a postura inicial tem sido essa que, "ela não nos deixará fazer nada, vai acabar com tudo." Há casos concretos de que quando esta relação se estabelece, há uma troca efetiva e se avança em uma agenda que contempla o segmento econômico e a agenda da sustentabilidade. Agora nosso desafio é esse.

O que quer dizer?

Por exemplo, no processo pré conferência do clima de Copenhague, em 2009. Queríamos que o Brasil assumisse compromissos de redução de emissão, pressionamos para isso, mas sem sucesso. O setor de energia e transporte tinha horror a este tema, achavam que metas de redução iriam impactar de forma desastrosa a atividade produtiva. A grande oportunidade que o setor tinha era de se antecipar a isso, porque estas restrições virão de qualquer maneira. O que seria melhor para um país como o Brasil, achar que se pode continuar produzindo nos padrões anteriores ou encarar este desafio? O setor mais avançado do segmento empresarial concluiu que era melhor que o Brasil assumisse metas, com prazo, que permitissem buscar uma redução. Foi o que aconteceu.

É o caso do agronegócio?

O agronegócio brasileiro tem tudo para avançar nesta direção. O Brasil é o país do etanol, o país do maior sucesso em biocombustível do planeta. Mas o que o governo atual está fazendo? Está destruindo o biocombustível. A bioenergia, o biocombustível - tanto na produção de combustível como a geração de energia elétrica a partir da queima de bagaço e subprodutos da agricultura - são extremamente importantes na nossa visão de futuro do Brasil. Vamos trabalhar para retirar todas os mecanismos que estão sendo colocados pelo atual governo e que estão levando o setor ao colapso.

Vocês vão voltar com a taxa Cide e favorecer o etanol?


Vamos trabalhar com todos os mecanismos necessários para que o setor possa continuar na sua trajetória original. A ampliação de produção a partir do aumento da produtividade foi o grande lance do setor de etanol no Brasil. Os grandes produtores de etanol assumiram há muito a recuperação das Áreas de Proteção Permanente (APP) e Reserva Legal, o setor reconhece que os valores da sustentabilidade agregam valor ao produto e estão trabalhando neste sentido. Temos certeza que os demais setores da agropecuária podem avançar nesta pauta.

Bem, mas aí vão ter que mexer no preço da gasolina.

O subsídio à gasolina é um equívoco. Agora, a forma como isso vai ser feito para que não gere impacto inflacionário, a compensação que será organizada do ponto de vista econômico, eu não estou me antecipando para contar porque esta é uma discussão extremamente importante. Mas não podemos prosseguir numa política econômica que artificialmente promove ou protege um setor e destrói outro setor de alta relevância. Não só em relação à gasolina, em relação a tudo. Estamos nos acostumando a uma política econômica feita de espasmos. "Ah, está tendo um problema, então tira o IPIdaqui, reduz por medida provisória o preço da energia dali". Um conjunto de medidas que são adotadas totalmente desconectadas, sem programa e sem previsibilidade. O etanol, o biocombustível, o biodiesel, a energia elétrica a partir da queima de subprodutos da agricultura estão sendo destruídos no país. Isso tem que ser revertido.

O grupo JBS era um dos maiores financiadores da campanha de Eduardo Campos. Este financiamento pode continuar?
Nenhum partido da nossa coligação apresenta restrições estabelecidas em estatuto com relação a estas doações. A Rede tem restrições, aprovadas no seu estatuto, à indústria armamentista, de tabaco e incluiu bebidas e agroquímicos. Mas a Rede não vai impor restrições à coalizão como um todo.

O JBS recebeu um dos maiores financiamentos do BNDES. Esse financiamento deve continuar em um eventual governo Marina?

Previsibilidade e respeito a contratos são atributos sagrados para nós. A filosofia da Marina sempre foi esta. Os contratos serão respeitados e os posicionamentos serão feitos dentro da previsibilidade, do arcabouço legal e das diretrizes de governo.

O agronegócio é um setor politicamente muito fragmentado. Como vocês pensam atingir os produtores, dada esta capilaridade?

É verdade, mas o setor tem um conjunto de lideranças que formam opinião. Alguns são lideranças de associações, como a Sociedade Rural Brasileira, a Organização das Cooperativas do Brasil. Outros são grupos empresariais relevantes. Estamos fazendo uma ação proativa de conversas com estas lideranças assim como estamos totalmente abertos a sermos procurados por eles para mostrarmos nossa visão.

Um dos grandes temores do setor é que a sustentabilidade tire competitividade dos produtos. Como vocês respondem a isto?

Isso é um debate. Não podemos impor a nenhum segmento da sociedade aquilo que não está previsto em lei. Em todas as conversas que temos tido, o reconhecimento tem sido unânime de que a questão da sustentabilidade veio para ficar. Há um aumento da consciência internacional e do consumidor em relação a isso. E repito, já tem muita coisa feita, não estamos saindo do zero, não estamos vivendo uma época de ação predatória e irresponsável, isso já passou, o setor já está avançando. Então, nossa discussão com o agronegócio é de ver o que é melhor: fazemos um planejamento onde o governo entra como um parceiro para construir esta agenda ou deixamos que as barreiras não tarifárias comecem a ter impactos na nossa produção?

Quais demandas do setor vocês atenderiam prontamente?

Questão importante e que tem a ver com a sustentabilidade do setor é criar um sistema de armazenagem de grãos no Brasil. Existe hoje uma infraestrutura extremamente aquém da necessidade e perde-se milhões de toneladas de produtos por falta de armazenagem e perdas no transporte. No pico da colheita, caminhões passam semanas na fila do embarque produzindo gases-estufa, gerando deseconomia, impactando o ambiente.

Como resolver isso?

O escoamento é elemento central e isso tem que ser enfrentado de qualquer maneira. Existe planejamento para isso. Ao contrário do que se diz, não há uma boa gestão do tal do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento). Há baixo desempenho e atrasos enormes dos empreendimentos. Há que ser ter uma forte ação de ampliação da estrutura de armazenagem, concordamos plenamente com esta demanda. Qualquer melhora no desperdício, na perda por má qualidade de infraestrutura, qualquer iniciativa que possa agilizar estes processos, transportar e dar saída mais rápidas e eficientes para estes produtos, significa avançar em sustentabilidade. Temos aí uma agenda enorme de trabalho para avançar. O agronegócio brasileiro é uma atividade econômica de altíssima relevância e que pode e deve ser uma atividade cada vez mais reconhecida pelos valores de sustentabilidade.

Como vê os acordos comerciais nesta área?

O Brasil está muito atrasado. Tem poucos acordos bilaterais, está preso em uma ótica de Mercosul. Poderia avançar, por exemplo, com a União Europeia.

Uma parte do agronegócio se alinha com o PSDB, outra, com o PT. Se há um ponto de convergência é na questão fundiária: unidades de conservação e índios. Qual a posição de vocês sobre isso?

Com muita tranquilidade. Em relação à questão indígena, por exemplo. A Constituição prevê que uma área que é reconhecida como território indígena, os índios têm direitos a ela. Eventuais propriedades rurais nesta área não têm direito a indenização, a não ser pelas benfeitorias. Esta é a lei. Só que, em muitos casos, principalmente no Mato Grosso eMato Grosso do Sul, se comprovou que produtores ocuparam áreas de boa fé e corriam o risco de perder estas propriedades sem indenização da terra.

Nestes casos há que se garantir o direito dos proprietários que ali estão, dentro da normatização legal. Mas não podemos misturar as coisas. Temos situações onde áreas foram ocupadas baseadas em grilagem e violência. Há outras em que a identificação está incorreta e tem que ser corrigida. São vários casos. O que não pode haver, na minha opinião, é aplicar uma regra única sem considerar como o processo histórico se deu no país, de um lado, e do outro, deixar de atender o que determina a Constituição. Se não se faz isso, e não tem sido feito, a inércia do poder público de tomar decisão e fazer o que é certo e correto, prejudica todos os lados. Cria-se uma situação de insegurança jurídica. O governo atual prefere se omitir a tomar uma decisão. Não quer conflito. Só que o conflito já está colocado. Não foi inventado, já existe.

Fonte: IHU Online

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