segunda-feira, janeiro 06, 2014

Convivência preliminar - Artigo de Jones Figueirêdo Alves, desembargador do TJPE

A família é a representação mais intima do que seja afetividade, consagrada em comunhão, como uma comunidade perfeita de amor; a tanto que comunidade quer dizer "comum unidade". Segue-se, então, pensar que muitas são as famílias em suas entidades próprias, quanto significativo é dizer que todas elas serão constituídas pelo afeto e com ânimo de permanência e consolidação: famílias parentais, conjugais e convivenciais; famílias compostas e recompostas; monoparentais, anaparentais, famílias "singles", e pluriparentais; famílias extensas ou ampliadas (art. 25, par. único, ECA), em seus diversos arranjos familiares. Todas formadas pelo composto afetivo, como melhor tradução dos fatos da vida que unem e reúnem.

O conceito de família, afinal, é trazido pela Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), em seu artigo 5º, II, quando diz-se a família compreendida como a comunidade formada, em face da parentalidade legal ou admitida, por afinidade, ou por vontade expressa.

No ponto, dentre elas, a união estável é entidade familiar, como espécie de família constituída (art. 226, par. 3º, CF), com sua tipicidade jurídica (1.723, Código Civil) adiante estendida para as uniões homoafetivas (ADPF nº 132-RJ e Adin 4277-DF, julgadas pelo STF) - a tanto que o Conselho Nacional de Justiça pela Resolução nº 175/2013 atribuiu obrigatoriedade às autoridades competentes do reconhecimento dessa união de tipo, entre pessoas de mesmo gênero, para fins de conversão em casamento, ou casamento direto – e com as devidas repercussões jurígenas, no plano dos direitos e deveres e dos efeitos pessoais e patrimoniais.


Assim, nota de maior necessidade envolve o elemento gênese de seu reconhecimento, a partir dos pressupostos de estabilidade, contidos nas expressões "contínua" e "duradoura", referidas pelo artigo 1.723 do Código Civil para a configuração da união estável. Veremos, então, que mesmo não se exigindo prazo mínimo algum (elemento tempo) ou outros elementos acidentais (prole e coabitação), caso é de se observar o "start" (encetamento, começo) para os fins do reclamo de uma verdadeira "cláusula geral de constituição" da união estável, como denomina Flávio Tartuce ("Manual de Direito de Família", 2013, 3ª ed., GEN/Método, p. 1166), a empreender jornada de obtenção aos aludidos pressupostos (continuidade e duração), além do "animus familiae", outro elemento caracterizador, somado ao da publicidade da união existente.

Bem por isso cumpre tratar a respeito dos chamados "contratos de união estável", celebrados sob a égide de pretender configurar, no instrumento, a citada espécie de entidade familiar e a atender os interesses das partes conviventes. A esse propósito, depõe ao artigo 1.725 do Código Civil que "na união estável, salvo contrato escrito, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime de comunhão parcial de bens". Uma de duas: (i) a ressalva "contrato escrito", contida na norma, quer autorizar o pacto anteconvivencial, nos mesmos fins do pacto antenupcial (arts. 1.653/1.657, CC) ou (ii) tem-se contrato a ser celebrado, somente quando a união de fato obtiver os pressupostos indispensáveis à sua configuração de estabilidade.

Mais precisamente, recolhe-se a reflexão seguinte: uma união de fato, iniciada, tem seu potencial de vir a ser uma união estável ou de não se caracterizar como tal, à falta de qualquer um dos seus elementos.

A questão é desafiante, como reconhece Rosa Maria de Andrade Nery ("Manual de Direito Civil – Família", ed. RT, 2013, p. 181), indagando: "qual seria a eficácia do contrato de união estável entre pessoas que ainda não concretizaram o efetivo convívio proposto?".

Nesse sentido, invoca a doutrina especializada que, acertadamente, "se inclina para negar ao contrato de convivência o efeito de constituir a união estável (Francisco Cahali, "Contrato de Convivência na União Estável", Ed. Saraiva, 2002, p. 60), sem que estejam presentes, de fato, na experiência pessoal do casal, a convivência duradoura dos companheiros ("honor matrimoni") e a intenção de assim se considerarem mutuamente ("affectio maritalis et uxoris")".

Entretanto, admite a consagrada doutrinadora, que "o negócio jurídico da convivência pode revelar tratativas e providências preliminares a esse convívio futuro e, de certa maneira, apresentar natureza jurídica de contrato preliminar de convivência, assemelhando-se ao pacto nupcial, naquilo que ele também pode, em tese: regrar situações de interesse mútuo dos noivos e anteriores, ou da união de fato, atingindo grau de eficácia própria e, com isso, força de lei, ainda que a união de fato não se confirme na efetiva convivência pública proposta".

Há, portanto, ponderar, a nosso sentir, pela existência de três espécies de contratos de convivência, como institutos do direito de família:
(i) contrato de convivência, referido pelo art. 1.725, do Código Civil; como ato declaratório da união estável preexistente e disciplinando, por isso mesmo, as relações patrimoniais de forma diferenciada, servindo como prova inequívoca da relação jurídica (consolidada) de família;
(ii) contrato preliminar de convivência, "preexistente à efetiva vivência" (Rosa Nery), que por sua simples celebração não institui a união estável, mas estabelece diretivas e propósitos, a todo rigor um pacto anteconvivencial;
(iii) contrato preliminar de convivência, que assinale, inclusive, o termo inicial da união de fato, entre os parceiros conviventes; negócio jurídico bilateral, na forma do art. 104 do Código Civil e que, nada obstante celebrado, não institui, de plano, a união estável; porquanto de eficácia condicionada, por depender do implemento ulterior dos seus elementos caracterizadores.

De efeito, a convivência preliminar contratada, mesmo com o ânimo de constituição de família, não carrega consigo a imediata existência de união estável e pode, até que possível, muito ao revés, dispor sobre um prazo de carência.

Convívio, antes de tudo, significa conviver vidas certas e acertadas.

Fonte: TJPE
Jones Figueirêdo Alves – O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).

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