sexta-feira, junho 28, 2013

O Massacre de Angico: Um Lampião mais humano no “Maior Espetáculo ao Ar Livre do Sertão”

José Pimentel (centro), diretor de "O Massacre de Angico"
Há 75 anos, o terrível encontro entre militares do Governo Getulista e cangaceiros liderados por Lampião e sua esposa, Maria Bonita, estes pegos de surpresa e quase sem nenhuma reação na madrugada do dia 28 de julho de 1938, na grota de Angico, em Sergipe, praticamente pôs fim à chamada Era do Cangaço. Em meio àquelas árvores retorcidas da caatinga e resultando num verdadeiro banho de sangue no sertão nordestino, 11 integrantes do afamado bando, incluindo o casal líder, foram mortos e tiveram suas cabeças decepadas. 

Esta tragédia verdadeira é o tema do grandioso espetáculo ao ar livre e gratuito “O Massacre de Angico – A Morte de Lampião”, concebido a partir do até então único texto dramatúrgico escrito pelo pesquisador do Cangaço, Anildomá Willans de Souza, natural de Serra Talhada, mesma cidade onde Virgolino Ferreira da Silva, o Lampião, nasceu. Mas o “molho” que rege toda esta história é o perfil apresentado deste homem símbolo do Cangaço, visto por um outro viés, bem mais humano.

Numa realização da Fundação Cultural Cabras de Lampião, com patrocínio do Funcultura/Governo do Estado de Pernambuco e Prefeitura Municipal de Serra Talhada, além de diversas empresas locais, a montagem, que teve sua estreia em julho de 2012, com absoluto sucesso, volta a ser apresentada no município de Serra Talhada, de 24 a 28 de julho, sempre às 20h, na Estação do Forró (antiga Estação Ferroviária), sob o lema “O Maior Espetáculo ao Ar Livre do Sertão”. 

Com entrada franca, a expectativa é reunir mais de cem mil pessoas nos cinco dias da temporada, que termina exatamente na data que marca os 75 anos do massacre ocorrido em Angico. À frente da encenação, que conta com 40 atores e 40 figurantes, além de 40 profissionais na equipe técnica e administrativa, está um mestre de grandiosas produções teatrais ao ar livre no Estado, o diretor, ator, dramaturgo e iluminador José Pimentel.

Com larga experiência adquirida em montagens como Paixão de Cristo da Nova Jerusalém, Paixão de Cristo do Recife, O Calvário de Frei Caneca, Jesus e o Natal e Batalha dos Guararapes – Assim Nasceu a Pátria e Revolução de 1817, para citar algumas de suas realizações, José Pimentel diz que, ao ser convidado à direção pelo casal Anildomá Willans e Cleonice Maria, que conheceu quando foi convidado a ser jurado em um festival de teatro serratalhadense anos atrás, aceitou o desafio por ter estreita ligação com o tema do Cangaço. “Lampião me faz recordar meu pai, Virgínio Albino Pimentel, que costumava me contar a história de que o encontrou duas vezes, antes mesmo de eu nascer. Meu pai comprava porcos nos sítios para vender nos matadouros e, numa dessas viagens, deparou-se com o bando de Lampião. Mas eles fizeram amizade e até um banquete foi promovido. Tinha uma foto lá em casa com meu pai vestido de cangaceiro e usando os dois punhais que ele ganhou de presente! Por isso, desde pequeno, eu ouvia falar bem de Lampião, que para mim sempre foi um herói. Até por não ter matado meu pai”, brinca.

É este Lampião mais humano, mais gente, segundo Pimentel, quem permeia o espetáculo. “Certamente é um Lampião menos ruim do que o povo imagina. É o Lampião de Domá”, diz referindo-se ao apelido do autor do texto. Pesquisador afamado do Cangaço, Anildomá Willans de Souza possui quatro obras já publicadas nesta temática, Lampião, o Comandante das Caatingas, Xaxado: Dança de Guerra dos Cangaceiros de Lampião, Nas Pegadas de Lampião e Lampião: Nem Herói Nem Bandido – A História. Foi a partir de suas conclusões ao reconstruir esta tão controversa trajetória, que decidiu enveredar-se na dramaturgia, mas tentando assumidamente humanizar a figura de sua personagem principal. “O cangaceiro violento, bandido, que não abre um sorriso, já está retratado por aí... Eu quis mostrar o outro lado deste homem, que chora, se apaixona, sente medo da morte pressentida, faz declarações de amor. Um Lampião diferente, mais gente, e que não é somente meu: um Lampião com alma. Que fala de morte, sim, mas também de amor. Que desafia o inimigo com um punhal, mas, ao clarão da lua sertaneja, declara-se poeticamente à mulher amada. Essa é a dualidade que me interessa”, defende o autor.

Com cenas de relances quase cinematográficos, “O Massacre de Angico – A Morte de Lampião” reconta a vida do Rei do Cangaço, desde o desentendimento inicial de sua família com o vizinho fazendeiro, Zé Saturnino, ainda em Serra Talhada. Para evitar uma tragédia iminente, e que de fato aconteceu, seu pai, Zé Ferreira, fugiu com os filhos para Alagoas, mas acabou sendo assassinado por vingança. Revoltados e para fazer justiça com as próprias mãos, Virgolino Ferreira da Silva e seus irmãos entregaram-se ao Cangaço, movimento que deixou muito político, coronel e fazendeiro apavorado nas décadas de 1920 e 1930 no Nordeste. Temidos por uns e idolatrados por outros, os cangaceiros serviram como denunciantes das péssimas condições sociais daquela época, tanto que a honra e bravura de Lampião foram decantadas pelos poetas populares, ao mesmo tempo em que o Governo o via como uma doença que precisava ser eliminada.

Foi com a decisão do então presidente da República, Getúlio Vargas, que as tropas militares conseguiram preparar, após diversas tentativas, uma emboscada em local propício, de única entrada e saída, em Angico. Mas até sua morte, outros fatos importantes da trajetória desde homem que marcou a história do Brasil, afamado como herói e bandido, são revelados, como seu encontro com Padre Cícero para receber a patente de capitão do Exército Patriótico; as demonstrações de liderança e guerrilha nas visitas aos sete estados do Nordeste; seu amor à esposa, Maria Bonita, com frases poéticas ditas à luz do luar; a festa da cabroeira dançando xaxado e coco; e até a traição de Pedro de Cândida, coiteiro que foi torturado pelos militares e acabou entregando o local de repouso dos cangaceiros em terras sergipanas (Lampião foi assassinado aos 41 anos. Maria Bonita estava com 27).

No elenco, atores da própria Serra Talhada, mas também do Recife e Olinda, além da atriz/cantora Roberta Aureliano, que interpreta Maria Bonita e é natural de Maceió, Alagoas, mas passou toda a infância em Serra Talhada. O ator e dançarino Karl Marx, de apenas 23 anos, vive o protagonista. Integrante do Grupo de Xaxado Cabras de Lampião, ele comemora 10 anos à frente do mesmo papel, em outras montagens. “A responsabilidade é grande porque trata-se de uma personagem que mexe com a imaginação das pessoas, que influenciou a cultura popular sertaneja, os valores morais e até o modo de viver do nosso povo. Pra mim, que sou da terra de Lampião, que nasci e me criei ouvindo histórias sobre esses homens que escreveram nossa história com chumbo, suor e sangue, me sinto feliz e orgulhoso pela oportunidade de revelar seu lado humano, suas emoções, seus medos e todos os elementos que o transformaram nessa figura mítica. Este trabalho é mais do que um desafio profissional. É quase uma missão de vida, ainda mais quando se trata de Cangaço, tema polêmico que gera divergências, contradições e até preconceitos”.

Também como atores, José Pimentel (Zé Ferreira, Pai de Lampião e Soldado com voz em off), Juliana Guerra (Sinhá), Sebastião Costa (Tenente Zé Lucena), Taveira Júnior (Zé Saturnino, Padre Cícero, Soldado da Tortura e da Decapitação), Gorete Lima (Dona Bela), Diógenes D. Lima (Luiz Pedro), Carlos Amorim (Zé Sereno), Gilberto Gomes (Jiboião), Feliciano Félix (Getúlio Vargas), Karine Gaya (Sila), Dany Feitoza (Enedina), Leandra Nunes (Dulce) e Carlos Silva (Pedro de Cândida), além de Beto Filho, Humberto Cellus, Marcos Fabrício, Jefferson Firmino, Rodrigo Roberto, Manoel dos Santos Lima, Diego Morais, Manoel Soares da Silva, Gildo Alves, Rubens Alves Ferraz, Leandro Soares de Melo, Cristiano Vitorino, José Leonardo Barbosa, Nivaldo Nascimento, Sebastião Barbosa, Edvaldo Severino, Anderson Cristhian, Alex Sandro Pereira e Francisco das Chagas, entre outros.

Ambientada em cima de uma ribanceira de terra batida (mas sem ser necessária a itinerância do público e com visão privilegiada para todos), durante 1h30 a encenação acontece, contando com uma arrojada trilha sonora (que, além da vozes gravadas dos intérpretes, inclui obras de Chico Science a clássico francês, além de músicas do cancioneiro popular, como Mulher Rendeira; e a canção Se Eu Soubesse, na voz da atriz e cantora Roberta Aureliano, intérprete da Maria Bonita), iluminação detalhista e muitos efeitos especiais, estes últimos, assim como os cenários, assinados pelo mago da cenografia pernambucana Octávio Catanho (Tibi), parceiro de José Pimentel em todos os seus outros trabalhos. A assistência de direção é de Pedro Francisco de Souza. No total, o projeto está orçado em R$ 600 mil e deve atrair ainda mais turistas àquela região, berço do grande homem do Cangaço.

Algumas curiosidades:

Esta é a primeira vez que José Pimentel dirige um texto para teatro ao ar livre que não é seu.

No início de sua carreira, Pimentel participou da encenação de Lampião, de Rachel de Queiroz, em 1955, pelo Grupo Dramático Paroquial de Água Fria, sob direção de Octávio Catanho, vivendo um dos irmãos de Virgolino Ferreira da Silva; e no cinema viveu também outros cangaceiros nos filmes Riacho de Sangue, A Noite do Espantalho e Faustão (nestes dois últimos, bem estilizados).

NOVIDADES: Cenas inéditas foram inseridas nesta nova temporada. A começar de uma maior valorização aos fatos que eclodiram no assassinato do pai de Virgolino Ferreira da Silva e em sua revolta. É o próprio José Pimentel quem vai entrar em cena desta vez, no papel de Zé Ferreira, pai de Lampião. Também será novidade a presença de novos figurantes, nos papeis de cangaceiros e soldados, em cenas que tanto mostram a luta destes homens quanto momentos mais descontraídos do bando de Lampião, quando participavam de festas regadas a whisky, xaxado e coco. Também promete causar bastante impacto o momento da decapitação de Lampião e Maria Bonita. Ao final, os 11 cangaceiros mortos entram em cena, com os atores vestindo negro e utilizando um efeito especial inspirado em truque da Escola de Samba Unidos da Tijuca, do Rio de Janeiro, que vai fazer as cabeças serem literalmente decepadas.

Ponto de Cultura Cabras de Lampião - Serra Talhada

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